Memória

Politécnicos inauguram história do computador no Brasil

Soraya Misleh

Ao inventar o ábaco na China há aproximadamente 4 mil anos antes de Cristo para auxiliá-lo em seus cálculos, o homem abriria caminho para uma seqüência de criações que culminariam com uma máquina fundamental na vida moderna: o computador.

Os princípios do funcionamento dos eletrônicos foram estabelecidos em 1822 pelo matemático inglês Charles Babbage, porém, o computador digital de grande escala surgiria somente em 1946. Tratava-se do Eniac (Electrical Numerical Integrator and Calculator), projetado na Universidade da Pensilvânia para fins militares. “Pesava cerca de 30 toneladas, ocupava um andar inteiro e tinha 18 mil válvulas”, descreve José Carlos Valle, curador do Museu do Computador. No ano seguinte, era desenvolvido o transistor, que substituiria as válvulas, permitindo considerável redução no tamanho dos equipamentos e o aumento de sua velocidade de cálculo. Seu uso marcaria o aparecimento de uma nova geração de computadores, a partir dos anos 50.

No Brasil, até o final dessa década, segundo informação no site do Museu do Computador, tais máquinas eram “pouco mais que raridades curiosas. O primeiríssimo (computador que aqui chegou) foi adquirido pelo Governo do Estado de São Paulo em 1957: um Univac-120 para calcular o consumo de água da Capital”. No setor privado, o primeiro, um Ramac 305 da IBM, foi comprado em 1959 pela Anderson Clayton. “Com dois metros de largura, 1,80m de altura, ocupava um andar inteiro da empresa. A unidade de disco tinha dois metros de altura. Levava cinco minutos para procurar uma informação”, detalha o texto. A partir dos anos 60, os computadores tornaram-se cada vez mais necessários. Ficavam expostos nas salas envidraçadas dos Centros de Processamento de Dados.

 

Projeto nacional Embora em 1961 alguns engenheiros do ITA tenham apresentado como trabalho de graduação o “Zezinho”, um protótipo de computador em que foram utilizados apenas componentes nacionais, somente no final dessa década o Brasil começou a pensar em um projeto próprio. Na época, de acordo com o professor Antonio Hélio Guerra Vieira, na engenharia, em todo o mundo, ganhou importância a questão do desenvolvimento de sistemas digitais. Na Escola Politécnica da USP realizava-se o primeiro curso de pós-graduação em comutação digital, ministrado por Guerra. No período, a Poli trouxe ainda pesquisadores estrangeiros, cuja contribuição foi crucial.

Tal esforço resultou no desenvolvimento do que seria considerado o primeiro computador brasileiro: o “Patinho Feio”, assim batizado numa ironia ao “Cisne Branco”, projeto em andamento na Unicamp. Guerra, que participou do feito, conta: “No começo dos anos 70, queríamos um projeto da Marinha (à operação computadorizada de seus navios novos) e outro grupo de uma universidade do Interior também. Programamos um curso de arquitetura de sistemas digitais e, como exercício, os alunos fizeram esse computadorzinho.” O trabalho rendeu aos engenheiros da USP o contrato com a Marinha e eles desenvolveram o protótipo do G-10, fabricado industrialmente a partir de 1976. Conforme Guerra, era semelhante ao PC, que surgiu nessa época.

Estimulado pelo sucesso do equipamento nacional, no final dos anos 70, o governo brasileiro instituiu uma reserva de mercado à sua produção, porém o desenvolvimento da microeletrônica no mundo levou ao barateamento dos hardwares, que perderam importância. O inverso aconteceu com os softwares, mas os militares no poder não incentivaram o seu desenvolvimento. O passo em falso custou ao Brasil um retrocesso de quase 20 anos. “Perdemos o bonde que a Índia aproveitou muito bem”, lamentou Guerra. Enquanto isso, os estadunidenses Bill Gates e Paul Allen criavam a Microsoft, instituindo pouco a pouco um monopólio global na área que desde 1991 a Linux tenta romper, ao apresentar a opção do software livre.

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