Opinião

A fundamental luta pelo controle de capitais

Altamiro Borges*

 

Nas últimas semanas, a mídia tem atormentado a sociedade com as tenebrosas notícias de queda na bolsa de valores, elevação do dólar, piora do chamado “risco Brasil” etc. Já é visto como inevitável o aumento da taxa de juros nos EUA, o que estaria afugentando os capitais voláteis que saqueiam os “países emergentes”.

Alguns se recordam dos efeitos dramáticos no México da elevação dos juros nos EUA em 1994 – de 3% para 6%. Em poucos minutos, a economia mexicana, totalmente dependente desses capitais voláteis, ficou em frangalhos, com a quebradeira de empresas e a demissão de milhares de trabalhadores.

Conforme relata um excelente artigo na revista Carta Capital, passados dez anos do colapso no México, que abriu a temporada recente de crises financeiras pelo mundo, o planeta ficou ainda mais perigoso. Os países, principalmente os periféricos, estão cada vez mais vulneráveis. Cerca de US$ 2,6 trilhões circulam diariamente pelo globo sem qualquer controle. “A situação dos fluxos de capitais internacionais tornou-se um pesadelo no mundo”, explicou à revista a especialista estadunidense Jane D’Arista. Para ela, no exato instante em que Alan Greenspan, presidente do banco central dos EUA (Fed), elevar as taxas de juros nessa potência, terá início a fuga de capitais das nações “emergentes”, com efeitos altamente destrutivos. [1]

Esse fantasma agora ronda a economia brasileira – e deixa em apuros os mercadores de ilusões infiltrados no Governo Lula –, exatamente devido à total liberdade do fluxo de capitais. Encarado como dogma pelos adoradores do deus-mercado, o livre fluxo compõe o tripé satânico da política macroeconômica neoliberal – junto com os juros estratosféricos e o elevado superávit primário. Através desse mecanismo, o Estado é colonizado e se transforma numa máquina de transferência de riqueza do setor produtivo para a oligarquia financeira internacional. Essa libertinagem inviabiliza qualquer controle público sobre a entrada e saída de dinheiro no País; ela impede que o Governo implemente uma política econômica alternativa, soberana.


Base do desastre
Em certo sentido, a livre circulação de capitais é o nó que ata as outras duas pontas desse tripé satânico. Pressionado pela brutal dívida pública, o Governo é forçado a manter os juros nas alturas para atrair novos capitais que permitam o precário funcionamento da economia. Ao mesmo tempo, ela ajuda a entender o irracional processo de sucção do superávit primário. Esse arrocho fiscal é exigido pelos credores para dar tranqüilidade ao deus-mercado e para atrair novos capitais externos. O resultado desse modelo nefasto é conhecido pelos brasileiros: a economia fica estagnada, o desemprego bate recorde, a renda despenca, o Estado tem fragilizada a sua capacidade de investimentos na infra-estrutura e nas áreas sociais.

Na outra ponta, o dinheiro flui livremente para os ricos banqueiros. Só no ano passado, o Brasil pagou R$ 145 bilhões apenas com juros. Isso representa cinco vezes mais que os investimentos previstos na Saúde (R$ 27 bilhões), oito vezes mais que em Educação (R$ 18 bilhões), 28 vezes mais que em Transporte (R$ 5 bilhões), 47 vezes mais que em Segurança Pública (R$ 6 bilhões), 70 vezes mais que em Ciência e Tecnologia (R$ 2 bilhões), 140 vezes mais que em Reforma Agrária (R$ 1 bilhão) e 700 vezes mais que em Saneamento. [2]

Esse mecanismo, tão idolatrado pelos neoliberais, ainda tem outros efeitos perversos. Faz com que o risco de abruptas crises cambiais se torne permanente, já que a qualquer momento os investidores podem deixar o País – e esse perigo é instantâneo, online. Essa ameaça reforça ainda mais o poder do capital financeiro, que a usa como forma de chantagem. O Estado vira refém, sendo forçado a fazer sempre mais concessões – reformas liberalizantes, autonomia do BC etc. Como analisa o deputado Sérgio Miranda (PCdoB/MG), esse poder descomunal só prova que o controle de capitais “é uma pré-condição para se debater a política econômica, pois não temos nenhum instrumento para combater essa ditadura do capital financeiro”. [3]

 

* Editor da revista Debate Sindical e autor, junto com Marcio Pochmann, do livro “Era FHC – A regressão do trabalho”

Notas
1 Flávia Pardini. “O aspirador de grana”. Revista Carta Capital, 05/05/04.
2 Antonio Martins. “Alternativa ao caos”. Portal Planeta Porto Alegre.
3 Nelson Breve. “Debate sobre controle de capitais chega ao Congresso”. Carta Maior, 16/03/04.

 

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