Ambiente Transgênicos polarizam discussões no II Ecovale Rita Casaro |
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Tema da última
parte da programação do II Encontro de Meio Ambiente do
Vale do Paraíba, a sessão plenária “Biotecnologia
– evolução, riscos e benefícios” marcou
claras divergências entre os palestrantes e reproduziu a polêmica
sobre o assunto que impera na sociedade. A introdução do assunto foi feita de maneira cuidadosa pela representante do Núcleo de Controle Biológico da Embrapa, Eliana Maria Gouveia Fontes, para quem se a transgenia representa uma ameaça, essa está na forma em que é aplicada e não na própria tecnologia. Ela advertiu sobre os riscos à biodiversidade representados pelas plantas transgênicas, que podem contaminar áreas não-cultivadas, e a necessidade de estudos de impacto para cada região. A pesquisadora salientou que a multiplicidade de espécies é garantia de condições fundamentais, como fertilidade do solo e qualidade da água. No entanto, lembrou que a agricultura em si, atividade humana de 10 mil anos, age contra a diversidade, ao selecionar espécies para cultivo. Essa tendência aumentou a partir do início do século XX, com os melhoramentos genéticos, e se acirrou ainda mais nos últimos 50 anos, com a agricultura moderna. Isso, por um lado, assegurou a produção de alimentos nos níveis atuais, e por outro, impôs uma dramática taxa de extinção biológica. Diante desse quadro, a recomendação de Fontes para o uso dos transgênicos é cautela. “A biotecnologia não pode ser usada como foram outras técnicas no passado e não pode ser vista como a única solução. Precisa ser introduzida no manejo integrado de pragas, e mesmo assim há limitações. Soluções simples do tipo ou genes ou agentes químicos nunca poderão ser efetivas a longo prazo.”
Vantagens X riscos – O professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), Ernesto Paterniani, reforçou a idéia segundo a qual a transgenia não é solução para tudo, mas defendeu radicalmente a liberdade do agricultor de optar por essa ferramenta e do consumidor de escolher entre alimentos tradicionais ou modificados geneticamente. “Não é correta a proibição de uma tecnologia”, afirmou. Especialmente uma que, na sua opinião, apresenta mais vantagens que desvantagens. Entre os benefícios do uso dos transgênicos na agricultura, ele lista, tomando o milho Bt (Bacillus thuringiensis) como exemplo: aumento da produtividade, redução dos custos, simplificação das atividades agrícolas, ambientes mais sadios para os operários, melhor qualidade dos grãos e maior lucro para os agricultores. Além disso, garante, seu consumo é plenamente seguro. A tese foi frontalmente atacada pelo professor da Unicamp, Mohamed Habibe, que chamou a atenção para os riscos de se utilizar largamente uma tecnologia ainda não totalmente conhecida. “Na década de 40, ninguém previa a poluição química e as doenças causadas pelos agrotóxicos”, lembrou. “A engenharia genética, como ciência, ainda está na sua fase embrionária e necessita de acompanhamento científico sólido de outras áreas, para obter o máximo de benefícios e evitar o máximo de prejuízos. O compromisso com a sociedade, com o ambiente e com o futuro nos obriga a buscar integração na investigação”, afirmou, ressaltando a importância de se obedecer ao princípio da precaução. Basicamente, Habibe defendeu que o uso dos transgênicos seja feito de forma compatível ao desenvolvimento sustentável da agricultura, que exige: abastecimento e amparo socioeconômico; manutenção da biodiversidade; preservação da qualidade de vida e ambiental e dos valores éticos e culturais. Para se enquadrar nessa proposta, o OGM deveria ser: tecnicamente possível (aplicável); biológica e ambientalmente seguro; economicamente vantajoso; moral e eticamente aceitável; socialmente benéfico; e legalmente regulamentado. No entanto, lamentou o professor, esse receituário só é atendido nas pontas. “Nada mais foi levado em consideração. O projeto foi aprovado pelo Senado no dia 6 de outubro. A nova lei não protege o meio ambiente nem a saúde, e a rotulagem não é feita, embora isso seja obrigatório. As multinacionais saíram vitoriosas e o Brasil perdeu”, denunciou. Habibe também refutou a propalada vantagem dos OGMs em relação ao aumento de produtividade e redução no uso de agrotóxicos. Segundo ele, o emprego indiscriminado dos produtos desenhados para resistir a herbicidas comercializados por grandes multinacionais como Monsanto, Dupont Novaris, Dow, Bayer, Ciba-Geigy, Hoescht, AgroEvo e Rhone-Poulenc acabou exigindo uma utilização ainda maior desses agentes químicos, devido ao surgimento de ervas daninhas resistentes a eles. “Tanto é que, no Brasil, o limite da tolerância ao glifosato (nome genérico do popular Roundup da Monsanto) subiu, por lei, de 0,2ppm para 10ppm. Qual seria o motivo?”, questionou. Além disso, “num estudo de campo feito em 2000, envolvendo 8.200 ensaios, a soja Roundup Ready resultou em produtividade inferior à não-transgênica”, relatou.
Lucros astronômicos – Por fim, a lógica do OGM, conforme utilizado hoje, induz ao monopólio econômico, afirmou o professor. “Em 1999, cinco empresas já controlavam 51% da produção de sementes. No caso do milho, em 1996, apenas quatro controlavam 87% do mercado mundial. Em 1999, três já controlavam 88%. No caso do algodão, apenas duas empresas controlam hoje 75%.” Na avaliação de Crodowaldo Pavan, professor da USP, especialista em biologia e genética, o único problema com os transgênicos seria esse, o lucro comercial das multinacionais. “É um absurdo produzir uma semente que tem de ser comprada, as patentes garantem lucros de bilhões frente a um investimento muito menor feito pelas empresas. Mas essa é uma tecnologia maravilhosa para produzir alimentos e dela depende o futuro do Brasil. Se não utilizá-la, o País, que hoje dá show de bola na agricultura, perderá sua vantagem competitiva.” Assim, na sua avaliação, os eventuais efeitos nocivos que podem ser verificados no futuro não devem barrar o avanço na atualidade. Sobre isso foi categórico: “Devemos correr o risco.” |
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Programação ampla garante interesse | |
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Com uma grade de palestras extensa e abrangente, o II Ecovale (Encontro de Meio Ambiente do Vale do Paraíba) teve início discutindo-se Direito Ambiental. Tatiana Tucunduva Philippi, da Faculdade de Saúde Pública da USP, falou sobre a importância da auditoria ambiental para se identificar e corrigir problemas nas empresas. Ela ressaltou também que certificações como a ISO 14000 não são atestados de excelência nessa área. “Significa apenas que foram seguidas as diretrizes determinadas pela norma, que tem lacunas. E é possível, por exemplo, certificar-se apenas um determinado setor da companhia.” O consultor Micheas Bueno Godoy falou sobre licenciamento ambiental e a complexidade do arcabouço jurídico que versa sobre meio ambiente, freqüentemente contraditório. “Só em São Paulo há 450 normas, no Brasil, são 779”, exemplificou. O advogado Fernando Fernandes da Silva abordou o Direito Internacional do Meio Ambiente e como esse conjunto de acordos, declarações e até produção científica influencia a legislação brasileira. “Há claros reflexos de documentos, como a Declaração de Estocolmo de 1972 e do Rio de 1992, como no caso da educação ambiental.” A mesa seguinte tratou de áreas contaminadas e passivos ambientais, assunto no qual o Brasil está atrasado, de acordo com Arlindo Philippi, do ICTR (Instituto de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável). Isso embora tenha havido por parte da Cetesb avanço na identificação desses locais. “Em 2002, eram 255 áreas contabilizadas no Estado; em 2003 esse número subiu para 727.” Faltam, ainda segundo ele, legislação e políticas públicas que digam como evitar o problema e como solucionar quando ocorre. Para Wilson de Figueiredo Jardim, professor da Unicamp, o tema exige um plano de trabalho dinâmico e multidisciplinar. Enéas de Oliveira Siqueira, diretor de Sistemas Regionais da Sabesp, defendeu uma política para o setor de saneamento ambiental que valorize o papel das companhias estaduais. Ao falar sobre análise de ciclo de vida, a professora Rachel Negrão Cavalcanti introduziu a importância do “pensamento sistêmico”, que se opõe ao cartesiano ao enxergar a realidade de forma interconectada e não-compartimentada. A partir dessa base teórica, afirmou ela, é possível analisar o problema ambiental levando-se em conta a crise que é também ética, econômica, social e cultural. Anna Lúcia Mourad e Sandra Balan, do Cetea (Centro de Tecnologia de Embalagem), abordaram mais tecnicamente essa ferramenta, que visa contabilizar o que cada produto representa de impacto ambiental no que diz respeito aos recursos naturais utilizados e à emissão de poluentes. Para que esse processo seja confiável, ressaltaram, é preciso que as informações fornecidas sobre cada etapa sejam fidedignas. O instrumento serve para que as empresas tenham noção do impacto que causam ao ambiente e também para desfazer certos mitos, como por exemplo de que a reciclagem sempre seria positiva. “Ela é também um novo processo e, em alguns casos, pode ser muito poluente”, advertiu Mourad. Foram feitas ainda as apresentações técnicas “Mata viva e recomposição da mata ciliar do Rio Paraíba do Sul”, por Odilon Ern, diretor do complexo químico da Basf, em Guaratinguetá; “Sistemas de Controle Ambiental”, por Simone Schelemm, da Environmental Control Systems da Alstom Brasil; e “Serviços de recuperação da capacidade de vazão do Rio Tietê”, por Ricardo Daruiz Borsari, superintendente do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) da Secretaria de Energia e Recursos Hídricos de São Paulo. |
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