V CETIC

Reforma sindical do Governo é tragédia anunciada, conclui congresso do SEESP

Rita Casaro

 

Organizar a resistência e impedir que seja aprovada a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que altera os artigos 8º, 11 e 37 e abre caminho ao projeto de lei que modifica a legislação sindical brasileira. Essa foi a conclusão do debate sobre o tema, realizado em 27 de novembro, na sede do SEESP, durante o V Cetic (Congresso Estadual Trabalho, Integração e Compromisso), que reuniu aproximadamente 200 dirigentes.

As duas matérias chegaram na segunda quinzena de novembro à Casa Civil e devem se tornar públicas até 10 de dezembro, conforme informou o secretário Nacional de Relações do Trabalho, Osvaldo Bargas. Embora a versão final dos textos não seja conhecida, a divulgação das edições preliminares já trouxe grande perspectiva de que as mudanças convertam-se em sérias ameaças ao movimento sindical e mesmo aos direitos dos trabalhadores.


Divergências –
Apesar do empenho do secretário em anunciar o que seria “resultado de um amplo processo de negociação e consenso alcançado no FNT (Fórum Nacional do Trabalho)”, essa foi justamente a primeira tese posta abaixo durante o debate no SEESP. CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e Força Sindical, representadas respectivamente pelo seu presidente, Antonio Carlos dos Reis, o Salim, e vice-presidente, Danilo Pereira da Silva, foram duas centrais que se retiraram das negociações do FNT. Não poupando críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, “não mais representa os trabalhadores, mas sim o capital financeiro”, Salim refutou a premissa básica da reforma que seria a crise de representatividade do movimento sindical brasileiro: “Somos um dos mais fortes do mundo. Enfrentamos 20 anos de ditadura e elegemos um presidente da República.” Embora ressalvando que a sua organização havia deixado o fórum devido à edição da Portaria 160 pelo Ministério do Trabalho, Pereira da Silva também criticou o seu resultado. Na sua opinião, deveriam ser tratados os pontos positivos que encontram convergência e visam o fortalecimento das entidades. “Temos que nos preocupar em fazer uma reforma que atenda os trabalhadores, mas não se trata de destruir tudo o que foi construído.”

O engenheiro Jorge Gomes, presidente da CBP (Central Brasileira de Profissionais), entidade recém-criada que visa congregar os profissionais liberais, também foi taxativo quanto aos vícios dos projetos. “Mesmo sem conhecer a vírgula ou o artigo, não podemos permitir que essa PEC, que acaba com o sindicato por categoria, seja aprovada. Essa é uma luta de resistência pelo aperfeiçoamento e contra a destruição do nosso movimento.” O alerta descarta o encaminhamento previsto por Bargas, segundo o qual, enquanto a emenda à Constituição estiver sendo discutida no Congresso Nacional, será feito o debate sobre questões específicas como o caso dos engenheiros que, permeando todos os setores da economia, não poderiam se organizar por ramo de atividade. Insistindo a que o tema seja tratado já na Câmara Setorial de Profissionais Liberais criada para esse fim, o presidente do SEESP, Murilo Celso de Campos Pinheiro, voltou a cobrar do secretário a implantação efetiva desse canal de discussão. A primeira reunião, que vem sendo adiada desde junho, ficou agora agendada para janeiro.

Mais ponderado que os sindicalistas descontentes com o rumo da reforma, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto listou o que considera as avenidas que devem ser seguidas no processo da reforma: legalização das centrais sindicais, representação no local de trabalho, aumento de representatividade e garantia de recursos viáveis às entidades. “Nesse sentido, o esforço que deve ser feito hoje é para a divulgação das várias propostas em discussão, a começar pela originada no FNT. Assim, podemos travar uma discussão séria com todos os participantes do movimento.” Na sua avaliação, nesse debate, haverá amadurecimento, entre outros pontos, quanto à necessidade de um tratamento diferenciado das categorias e entidades que representam profissionais com formação universitária e têm papel ativo no enquadramento do processo produtivo. Contudo, para que seja possível caminhar nessa direção, afirmou, é necessário “tirar da clandestinidade a PEC”.

Um exame muito atento do que prevê o texto que altera a Constituição é o que recomendou o jornalista e diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Augusto de Queiroz. “A versão que circulou como sendo a que seria encaminhada para exame da Casa Civil é absolutamente genérica. Isso cria certa insegurança, porque a sua regulamentação se dá por lei ordinária, o que inclui medida provisória do Presidente da República”, observou.

Assim, ressaltou ele, há diversas possíveis armadilhas nessas mudanças: “Um dos dispositivos da Constituição atual proíbe a intervenção na organização sindical. O texto novo fala em não-intervenção apenas nas entidades.” Além disso, elimina o conceito de categoria sem deixar claro o que o substituirá. Dessa forma, dá margem à representação por empresa ou andar de edifício. Outro ponto que poderia ser tratado e sanado já na PEC, segundo Queiroz, seria a garantia da representação específica dos profissionais liberais. Além dessas incertezas, ele chamou a atenção para a reforma do Judiciário, que acabou com o poder normativo da Justiça do Trabalho, exigindo que haja acordo entre patrões e empregados que levem seus conflitos a esse ente. Tal situação, lembrou o representante do Diap, coloca o trabalhador em situação desfavorável. “Haverá um embate grande no Congresso, então devemos estar preocupados para que essa intenção do Governo de oxigenar e tornar as entidades mais representativas concretize-se e venha em benefício do movimento e não deixe valer a vontade do empresariado”, concluiu.


Agenda real –
Na avaliação do deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), lamentavelmente há poucas chances de que essa proposta de reforma produza benefícios aos trabalhadores, tendo em vista seus reais objetivos. De acordo com o parlamentar, nesse debate, há um duplo movimento. Um deles é a tradicional posição das forças hegemônicas da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que defendem há muito tempo o pluralismo sindical. O outro é a pauta da elite e do núcleo econômico do Governo. “Os empresários no Brasil vivem sob enorme pressão de um sistema tributário escorchante e de uma política de juros infamante. Assim, a moeda de troca, a variável de ajuste são os direitos trabalhistas. Portanto, a essência da reforma sindical é a viabilização da trabalhista.” Segundo ele, um caminho para isso será na tramitação da PEC a incorporação a ela de uma anterior, de autoria do ministro Ricardo Berzoini enquanto deputado, que reza que “o contrato coletivo por ramo de produção é a base do sistema jurídico do trabalho”. Com isso, explicou Miranda, passa a valer o negociado sobre o legislado. Signatário, juntamente com outros 200 parlamentares, de um projeto de lei que regulamenta o artigo 8º ao invés de alterá-lo, Miranda defendeu essa alternativa em contraponto ao que quer o Governo. “Vamos romper com as mazelas que existem no movimento sindical, garantir estatuto democrático e reconhecer as centrais”, propôs.

Pessimista em relação a uma boa solução para o embate no âmbito do Congresso Nacional, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) foi categórico: “Nesse jogo sujo político, nós já perdemos, porque a base governista tem folgada maioria e a oposição apóia esse projeto”, disparou. Assim, a estratégia indicada por ele é vetar o assunto. “Não vamos aceitar discutir isso, vamos impedir qualquer reforma sindical e trabalhista”, asseverou.

 
Entidades derrotam Portaria 160
 

O Governo, que não construiu um consenso para viabilizar a reforma, acabou unindo o movimento sindical contra a Portaria 160, do ministro do Trabalho e Emprego, Ricardo Berzoini. A medida impedia a cobrança da contribuição assistencial e confederativa de não-filiados. Tal fonte de custeio é aprovada em assembléia e viabiliza as negociações coletivas que beneficiam toda a base e não apenas os associados. “A Portaria 160 é uma verdadeira intervenção, como há muitos anos não víamos. Se existe irregularidade na cobrança, é obrigação do Ministério do Trabalho agir como órgão fiscalizador. Não podemos responsabilizar todo o movimento sindical por ações indevidas e ilegais”, criticou o presidente da CBP (Central Brasileira de Profissionais), Jorge Gomes, traduzindo a indignação de diversas lideranças.

Em 17 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 1.125/04, do senador Paulo Paim (PT-RS), extinguindo a regra. O próximo passo, também negociado no Congresso, é votar um novo projeto que estabeleça limites ao valor da contribuição e sirva de medida transitória até que aconteça a reforma sindical e sejam criadas as novas regras de sustentação financeira das entidades.

 

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