Giro Paulista

Piracicaba se redesenha para a cidadania

Rita Casaro*

 

Estabelecer o diálogo entre os diversos atores do município, propiciar uma ocupação que não segregue classes sociais, interferir no mercado imobiliário e alterar a estrutura produtiva da cana. Esses são alguns dos desafios colocados pela proposta de plano diretor em discussão desde 2002 em Piracicaba, segundo as regras do Estatuto da Cidade.

Após uma avaliação técnica de todas as regiões do município, foram traçadas as diretrizes ao planejamento, aprovadas na Conferência da Cidade de 2004. Na edição de 2005, o encontro deve dar aval aos projetos de lei que serão enviados à Câmara em agosto. “Fizemos tudo de forma muito participativa, mas sabemos que no Legislativo acontece o verdadeiro embate”, pondera a arquiteta Lígia Nerina Rocha Duarte, diretora do Departamento de Uso e Ocupação do Solo do Ipplap (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba). Consciente do quanto “é difícil aprovar leis urbanísticas”, ela espera que a matéria seja votada até o final do ano. Pela legislação federal, o processo tem de terminar até outubro de 2006.

 

Democratizar o espaço – Dos estudos, consultas e audiências públicas, conta Duarte, surgiram planos em três dimensões: urbana, da mobilidade e rural. Na primeira dessas, informa ela, a grande novidade diz respeito ao macrozoneamento. “Tradicionalmente, divide-se a cidade em áreas residencial, comercial e industrial. Nesta proposta, em princípio, pode tudo em qualquer lugar, desde que não se incomode o entorno e se obedeça a parâmetros ambientais. Esses é que definem o que pode ser feito em cada área”, explica. Tal critério, juntamente com a disponibilidade de infra-estrutura, também foi utilizado para definir quais são as regiões prioritárias de adensamento populacional, nas quais pode haver lotes menores e maior verticalização.

A regra induz a uma mudança relevante na organização sócio-econômica da cidade. Hoje, a área mais acidentada e cujo solo é o mais arenoso, o que encarece a construção, está prevista aos menores lotes, de 125 metros2, destinados à população de baixa renda. Enquanto isso, a melhor parte da cidade, desse ponto de vista, tem os maiores, de 1 mil metros2, e é habitada pelos mais ricos. A proposta do plano é inverter a lógica, tornando a ocupação mais racional e, por conseqüência, mais democraticamente distribuída. “Essa é uma prerrogativa que o Estatuto da Cidade dá ao município, mexer no mercado imobiliário, o que não é fácil”, conta Duarte.

Outro ponto que pode gerar controvérsias é o índice de ocupação que será reduzido de oito vezes a área do terreno para três, ou cinco mediante pagamento de taxa ao município. Exceções serão os casos de interesse social, como projetos de moradia popular. Quem tem um imóvel tombado pelo patrimônio histórico pode vender a outro munícipe o seu direito de verticalizar. “Isso também será um esforço de mudança porque as pessoas tendem a achar que se o lote lhes pertence podem usá-lo como bem entenderem. A lógica do plano, segundo o Estatuto, é o direito à cidade para todos”, analisa a arquiteta.

O mesmo norte, segundo ela, guiou o projeto para a mobilidade, que saiu do foco do sistema viário tradicional, em geral voltado ao automóvel. “Diz respeito a como as pessoas andam a pé, de bicicleta, moto, carro ou ônibus.”

 

Preservação – Para a zona rural, que representa 90% da área de Piracicaba, os planos também são ambiciosos. O primeiro diz respeito à principal atividade econômica, a cultura e a indústria da cana. “Queremos que continue aqui, trata-se da riqueza da cidade, mas a queima traz graves problemas ambientais e à saúde da população, então é preciso resolvê-los”, aponta a técnica do Ipplap. A solução, informa ela, é a colheita mecanizada. Mais um tema com destaque na agenda será recuperar as margens dos rios, cujo estado de degradação hoje compromete a oferta de água na cidade, apesar da abundância hidrográfica. Salvar o Rio Piracicaba, no entanto, depende de um projeto concertado com os demais municípios da região. “Somos a última cidade, recebemos o esgoto de todas as outras, de nada adianta fazer o tratamento só aqui.”

O terceiro nó a ser desatado são os lote urbanos, estimados em cerca de 70, existentes nas áreas rurais, sem qualquer planejamento. “Há problema de lixo, esgoto e água, sem contar o prejuízo que traz à cana, como o desgaste das estradas usadas no escoamento da produção”. Até agora, a cidade conseguiu localizar 21. A idéia, informa Duarte, é analisar cada caso e, eventualmente, criar um perímetro de urbanização específica.

 

* Colaborou Lucélia Barbosa

 

Piracicaba em números

Área: 1.368,40 Km2
População: 330 mil habitantes
Orçamento 2005: R$ 374,26 milhões
Mortalidade infantil: 15 por mil por ano
Saneamento básico: 100% de água tratada;
100% de esgoto coletado; e
36% de esgoto tratado.
Renda per capita: R$ 455,87
Analfabetismo:  8,16%
Fontes: IBGE, Seade, Ipplap  Mais informações: www.ipplap.com.br
 

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