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Estudo traçará perfil do engenheiro global

Soraya Misleh

 

“Graças aos progressos fulminantes da informação, o mundo fica mais perto de cada um, não importa onde esteja.” A frase extraída do livro “Por uma outra globalização”, de autoria de Milton Santos, indica o processo em curso. Diante dessa realidade, um grupo de pesquisadores de oito universidades espalhadas pelo mundo objetiva traçar até o final de 2006 o perfil do engenheiro ideal. Intitulado “Global Engineering Excellence”, o projeto é encomendado pela Continental AG, multinacional fabricante de acessórios à indústria automotiva, e não visa questionar os efeitos da globalização nos diversos pontos do planeta.

Segundo Márcio Lobo, professor de Sistemas Eletrônicos da Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), parte da constatação da inexistência de um estudo sistemático do gênero e de sua necessidade. A instituição brasileira é a única da América Latina que integra a iniciativa. Além dela, participam duas escolas européias (uma alemã e outra suíça), duas estadunidenses e três asiáticas (duas chinesas e uma japonesa).

Representante da USP, juntamente com seu colega Paulo Kaminski, da Engenharia Mecânica, Lobo lembra que a primeira reunião para definir as diretrizes do projeto aconteceu na segunda semana de outubro, na Alemanha. “A idéia é que a gente apresente um documento final que corresponda ao que for consenso entre nós. A pretensão é repetir o estudo a cada dois anos. Nessa primeira rodada, seria o resumo do que concebemos como essencial ao ensino orientado à globalização”, informa. E antecipa que o resultado pode vir a ter influência nos currículos.

O trabalho incluirá pesquisa junto a companhias nacionais e multinacionais de diversos setores de modo a apontar as características do engenheiro que buscam. “A idéia é identificar o que as empresas consideram importante para mandar o profissional daqui para fora ou o que favorece sua decisão de desenvolver um produto na China ou no Brasil, por exemplo. Se é o custo da mão-de-obra, capacidade técnica instalada, impostos. Se para contratar a opção é pelo mais competente, pelo que aparentemente consegue se integrar melhor com o sistema local. Ou seja, que tipo de habilidade a gente deve tentar desenvolver nas pessoas para que tenham a facilidade de estar lá ou cá.”

À formação desse engenheiro, Lobo adianta, por exemplo, que a matemática ensinada na Poli não pode ser tão diferente à na China ou nos Estados Unidos. Além de conhecer bem matérias elementares como essa e física, ele destaca que “hoje, cada vez mais, percebe-se a necessidade de ter um profissional com conhecimento interdisciplinar”. Assim, na sua concepção, o engenheiro deve ter uma base generalista. “Mas temos que ter, em alguma medida, bons especialistas.” Ele continua: “De repente, não é uma formação necessariamente global, mas que transcenda a parte técnica. Vamos abordar sua capacidade de participar de reuniões, redigir bem um texto, apresentar idéias, talvez falar para um grande público, coordenar equipes ou a combinação dessas coisas. Conhecer alguma coisa de sociologia, filosofia ou bioquímica também pode ser bom.” É ainda recomendável ao profissional não estacionar na graduação, mas participar de programas de educação continuada. Além, é claro, de dominar um segundo idioma. “Os alunos que entram na universidade já deveriam saber pelo menos inglês. Agora, o cara que souber chinês terá um diferencial”, ilustra Lobo.

 

Compreender o sistema
Nesse cenário, a cooperação internacional hoje existente entre as instituições tem papel fundamental, como constata o professor da Poli. “Para trabalhar na Alemanha, é conveniente que o profissional saiba a língua, conheça a cultura do país, entenda um pouco do funcionamento local. E isso ele vai compreender melhor se tiver oportunidade de estudar lá.” Lobo lembra que na Europa existe o programa de intercâmbio “Erasmus”, através do qual praticamente todos os alunos das melhores universidades são convidados a estudar pelo menos seis meses em uma escola de outro país. A Poli também tem convênios com universidades estrangeiras. “Temos cerca de 300 alunos no exterior em uns 15 ou 20 países, principalmente na França, Alemanha e Itália. Isso porque existe convergência maior entre os modelos educacionais da Europa e Brasil.” Na sua ótica, a atividade é muito importante, porque o engenheiro precisa estar de olho no interesse nacional, mas compreender o sistema global e até que ponto há conflitos. Para ele, nesse processo, quem detiver conhecimento se destacará. E conclui: “A globalização me parece uma realidade inevitável. Portanto, devemos trabalhar no sentido de aproveitá-la da melhor forma.”

 

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