Acordado entre governo e centrais sindicais no dia 24 de janeiro, o novo
valor do salário mínimo, fixado em R$ 350,00 a ser pagos
a partir de abril, representará aumento real acumulado entre as
datas de reajuste de praticamente 25%. A estimativa é de Ademir
Figueiredo, coordenador de estudos e desenvolvimento do Dieese (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Ainda assim, permanecerá 1/3 abaixo do maior valor alcançado
em sua história, no ano de 1957, que hoje equivaleria a R$ 1.106,05.
Portanto, constata ele, não garantirá que seu papel constitucional,
de prover uma família adequadamente em suas demandas básicas,
seja cumprido. Para tanto, o mínimo deveria ser de R$ 1.607,11,
segundo cálculo dessa instituição. Estudo por ela
elaborado dá uma idéia da perda do poder aquisitivo ao longo
de sua trajetória: em 1959, permitia a compra de 455 litros de
leite; já em 2004, de apenas 190. Esse movimento descendente teve
início no período de exceção (1964-1984),
como aponta Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese
e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em artigo
publicado no livro “Salário mínimo e desenvolvimento”,
editado pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas:
“Durante o governo militar, a repressão ao movimento sindical,
a eliminação da estabilidade no emprego e a política
de arrocho salarial contribuíram para uma efetiva concentração
de renda. Entre 1966 e 1974, o salário mínimo perdeu poder
de compra gradualmente até atingir, na média anual, 56%
do poder aquisitivo da média de 1940.” Ainda de acordo com
ele, a tendência de queda prolongou-se até 1994, quando chegou
a 25% do seu valor original.
A intensa negociação que culminou com reajuste neste ano
acima do previsto no orçamento – R$ 321,00 – retoma
a possibilidade de recuperação do mínimo. Isso porque
resgata a comissão quadripartite, a ser formada por representantes
do governo, empresariado, trabalhadores na ativa e aposentados com o intuito
de discutir política de valorização desse. Criada
por decreto em 2005, não chegou a sair do papel. Se funcionar desta
vez, pode, como lembra Figueiredo, “assegurar gradativamente valor
mais alto que propicie uma vida digna”. Ele continua: “Seria
uma política de Estado, com o estabelecimento de parâmetros
e metas. Deslocaria-se a discussão do campo meramente conjuntural.”
A favor da recuperação do mínimo, o coordenador do
Dieese argumenta que a simples elevação de R$ 300,00 para
R$ 350,00 a partir de abril terá efeito dinâmico sobre a
economia. “Multiplicando pela quantidade de gente que vai receber
o aumento – em torno de 40 milhões de brasileiros –,
esses reais adicionais se transformarão em um poder de compra que
ajudará a produzir, criar demanda, gerar emprego.” Ainda
na sua ótica, tal valorização, ao atingir 16 milhões
de aposentados, “significa um programa distributivo de renda muito
grande”. Esses motivos se sobrepõem às alegações
contrárias à recomposição do piso dos trabalhadores,
como a de que a elevação teria efeito considerável
sobre as contas públicas – o impacto seria de R$ 5,6 bilhões,
conforme divulgado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Sem contar que evidencia-se no Brasil clara inversão de prioridades,
como destaca Figueiredo: “Na hora de olhar a renda de pouco menos
de 50% do total de ocupados, falam no rombo do salário mínimo.
Mas o País vai pagar este ano R$ 140 bilhões de juros a
um número restrito de rentistas.”
O sistema financeiro é ainda privilegiado quando o assunto são
tributos. Estudo do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais
da Receita Federal) mostra que esse setor pagou, em 2005, três vezes
menos impostos que os trabalhadores. E a revisão da tabela do Imposto
de Renda em 8% a partir de fevereiro, que também integra o acordo
entre centrais sindicais e governo, não contribuirá para
corrigir essa distorção.
Imposto
de renda
Com a atualização, passa a ser isento quem ganha até
R$ 1.257,00 – antes não pagava imposto quem recebia até
R$ 1.164,00. A partir do novo teto até R$ 2.512,00, incide a alíquota
de 15%. Rendimentos acima disso enquadram-se na faixa máxima de
27,5%. “Dá um alívio ínfimo, mas não
resolve absolutamente nada. Temos dez anos de tabela congelada, tirando
dois pequenos reajustes feitos nesse período (de 17,5% em 2002
e de 10% em 2005)”, observa Carlos André Nogueira, presidente
do Unafisco. Ele dá uma noção do efeito disso: “Em
1995, o limite de isenção era de mais de dez salários
mínimos; em 2005, estava em menos de quatro. As pessoas que estão
nessa faixa intermediária foram extremamente arrochadas nos últimos
anos. Parcela dos engenheiros foi atingida em cheio.” Nogueira apresenta
simulação feita pelo Unafisco que ilustra o impacto da não-correção:
“Uma pessoa cujo salário é de R$ 2 mil pagou no ano
passado R$ 1.108,80, quando deveria ter pago apenas R$ 78,58. Ou seja,
1.310% a mais. Já uma que ganha R$ 3 mil pagou 191% além
do que deveria. E uma que recebe R$ 10 mil pagou a mais 11,5%.”
O presidente do Unafisco lembra que o compromisso do governo Lula, de
corrigir a tabela do IR no mínimo recuperando a inflação
desde que assumiu, não foi cumprido. “Teria que ser de 12,63%.”
Já para repor integralmente seu valor, deveria ser de 57,66% –
defasagem acumulada desde janeiro de 1996, já descontados os reajustes. |