Engenharia De olho na responsabilidade social Soraya Misleh |
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As faculdades brasileiras começam a intensificar sua busca por formar engenheiros conscientes de suas responsabilidades em melhorar a qualidade de vida de portadores de deficiência e da população de baixa renda. É o que constata Antonio Luís de Campos Mariani, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Programa Poli Cidadã, que atua nessa linha. Conforme ele, tal deriva do planejamento estratégico desenhado pela instituição e denominado Poli 2015, o qual se propôs “a estabelecer uma visão do engenheiro e escola que se quer ter em 2015”. De acordo com sua explanação, essa ótica tem bastante impregnados aspectos social, ético e de responsabilidade. Na rebarba disso, começou a funcionar em 2004 o Poli Cidadã, inicialmente, afirma Mariani, como “um programa de incentivo a que os projetos de graduação dos alunos das diversas modalidades fossem realizados com viés social”. Posteriormente, continua, “percebemos que havia demandas menores em que a complexidade do projeto poderia ser resolvida com um tempo mais curto e isso poderia ser encaixado em uma disciplina de terceiro ano ou de iniciação científica. Aí começaram a haver propostas nesse sentido”. Para o coordenador, a formação é, assim, enriquecida. “O estudante conhece de perto realidade diferente do seu cotidiano e pode colaborar com alguma entidade ou comunidade carente com um projeto de engenharia”, destaca. Anualmente, a escola lança ao mercado cerca de 500 novos profissionais. Conforme Mariani, temas que atendam demandas específicas da sociedade são oferecidos a todos eles e o interesse por desenvolvê-los cresce a cada ano – embora ainda não seja o principal foco dos alunos quando pensam em seu trabalho de conclusão de curso. “Em 2004, tivemos 12 projetos com esse viés social, em 2005 foram 28.” Esses últimos foram apresentados em seminário realizado no mês de abril e alguns viraram protótipos, estando em teste em hospitais ou entidades beneficentes. A maioria reúne soluções nem sempre inéditas, mas, segundo Mariani, simples e de baixo custo. Um exemplo é uma bengala de percepção espacial para deficientes visuais. Permite-lhes não apenas tatear o que está próximo do chão, mas “abre um leque de mapeamento ultrassônico dos objetos que estão à sua média altura para evitar um acidente em seu deslocamento”, explica ele. Seu uso pode evitar, por exemplo, que o deficiente bata a cabeça em um orelhão ao transitar em determinada via. “De acordo com a equipe que elaborou o protótipo, existe no exterior uma bengala do gênero que custa cerca de US$ 3 mil. Eles desenvolveram essa por R$ 100.” Outro exemplo de solução de baixo custo apresentada pelos estudantes é um espirômetro para medir a capacidade pulmonar. “Entre os existentes, o aparelho mais simples varia de R$ 6 mil a R$ 20 mil. A parte mecânica desse foi construída com menos de R$ 200.”
Projetos
diversos Para atender necessidades de portadores de deficiência visual, também incluem-se outros projetos. O coordenador do Poli Cidadã cita, entre eles, um medidor da quantidade de volume de líquido. “Muitas vezes o deficiente usa o próprio dedo para avaliar se um copo encheu. Mas imagine que esteja pondo uma bebida quente ou mesmo por higiene, o ideal é que não precise fazer isso. O dispositivo tem um sensorzinho que vai dentro do copo e, na hora que o nível adequado é atingido, começa a vibrar.” Além disso, foi pensada solução aos deficientes fonoauditivos. Trata-se de sistema chamado handtalks. De acordo com Mariani, nada mais é do que uma espécie de luva de beisebol com sensores que, através de um computador, transforma a linguagem de sinais dos surdos-mudos que a vestem em palavras. Entre as diversas atividades, foram ainda elaborados projetos para agregar valor a materiais reciclados aos catadores e baratear o custo de distribuição de energia elétrica para áreas distantes e não atendidas por eletricidade.
Transformar
a realidade Na parte de comunicações, adaptou-se sistema de informática para a inserção de fonemas da língua dos índios javaés, habitantes de Canuanã, no teclado dos microcomputadores constantes num centro de inclusão digital. A experiência nessa vila resultou na criação da rede de inclusão social. “A idéia, com isso, é propor modelo de interação mais efetiva com outras universidades, instituições, fundações e comunidades para levantamento de problemas em vários lugares e busca de soluções”, conclui Mariani. As entidades que quiserem apresentar suas demandas ao Poli Cidadã podem se cadastrar no site http://www.poli.usp.br/policidada. |
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