VI Conse

“Cresce Brasil” aponta necessidade de investimentos

Soraya Misleh *

 

Durante o VI Conse (Congresso Nacional dos Engenheiros), realizado em São Paulo no mês de setembro, foram apresentadas aos participantes as propostas “Cresce Brasil” para diversas áreas – compiladas em manifesto entregue a candidatos a presidente e a governadores. No dia 14, foi a vez de os capítulos sobre sistema viário, transportes e comunicações serem explanados. Em 15 de setembro, os temas detalhados foram ciência e tecnologia, energia e saneamento. Além desses, o documento inclui propostas para o segmento de agricultura. Ao desenvolvimento com inclusão social nesses setores essenciais, é necessário mudar prioridades e incrementar o volume de recursos, indicaram os especialistas em suas preleções.

 

SISTEMA VIÁRIO
País precisa de R$ 15 bilhões/ano ao setor
Para reduzir as deseconomias resultantes de sistemas de transportes inadequados ou insuficientes, seria necessário que as três esferas governamentais destinassem ao setor anualmente R$ 15 bilhões – União e estados ampliariam, com isso, significativamente sua participação. Os valores foram divulgados pelo consultor Márcio de Queiroz Ribeiro, ex-secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro, durante a apresentação do capítulo sobre sistema viário do manifesto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”.

Segundo ele, a prioridade seria aos sistemas de alta capacidade, como os metroferroviários. “Em especial nas regiões metropolitanas em que já está instalada a deseconomia, como São Paulo e Rio de Janeiro.” Hoje, conforme Ribeiro, de um total de 200 milhões de deslocamentos urbanos realizados diariamente, em torno de 38% são feitos a pé ou por bicicletas. Do restante, a maior parte é por ônibus (aproximadamente 47%), carros e motos (37%). As vans e kombis ficam com 7%. Além do maior apelo ao transporte individual, cuja presença é crescente nas ruas dos principais centros urbanos, aos sistemas de alta capacidade sobram menos de 4%. Para o consultor, rever isso “é questão de vida ou morte para o desenvolvimento dessas regiões”. De acordo com ele, assim, garantir-se-ia maior qualidade de vida, ao se reduzir a poluição resultante de congestionamentos e oferecer empregos diretos e indiretos. A expectativa é que com o volume de investimentos proposto – oriundo da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e de dotações orçamentárias – sejam gerados cerca de 1,8 bilhão de postos.

A proposta “Cresce Brasil” para o tema abrange também subsídios aos cidadãos carentes e desempregados poderem se locomover em 25 conurbações nacionais onde as deseconomias são maiores, pelo período necessário à sua inserção no mercado de trabalho. “Há no Brasil hoje cerca de 37 milhões de excluídos do transporte público urbano motorizado, por carência financeira ou na oferta do sistema.”

 

TRANSPORTES
A grande ausência da campanha eleitoral
O consultor de Planejamento e professor do Curso de Estratégia Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Darc Antônio da Luz Costa, expôs a proposta “Cresce Brasil: Transportes”. Ele apontou que o Brasil não tem uma boa matriz logística e criticou a ausência do tema na atual campanha eleitoral. O problema, segundo o professor, é histórico. “Nunca foi pensado numa matriz que articulasse as regiões do País”, observou – fato que acabou vocacionando a economia nacional a ser apenas fornecedora de matéria-prima.

Até a década de 30, “o transporte se dava basicamente pela via marítima”. Com o projeto da Era Vargas, pensou-se na integração nacional pela forma aparentemente mais econômica, a rodoviária, que trouxe um sem-fim de problemas. “Nenhum país do mundo, com dimensão igual à do Brasil, tem essa base modal como central.”

Costa não acredita em mudanças a curto prazo, já que o Brasil não discute mais planejamento. E se não há debate político, tampouco há o técnico. “Voltamos a um padrão pré-Getúlio Vargas.” Ele complementou: “Estamos parados há 25 anos.”

Na ótica do professor da UFRJ, para compor o planejamento da infra-estrutura de transportes, é preciso induzir o desenvolvimento, promover a integração regional e irrigação para o escoamento de produtos e riquezas.

 

COMUNICAÇÕES
Universalização esbarra na questão social
O Brasil vem retrocedendo nos campos da eletrônica e das telecomunicações, ao mesmo tempo em que discute uma tecnologia de ponta, a TV digital. A conclusão é do professor do Departamento de Comunicação da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Marcos Dantas, que apresentou a proposta dos engenheiros para o setor de comunicações. Ele resumiu o estudo que a originou, o qual dispõe sobre a necessidade de convergência tecnológica e empresarial na área das telecomunicações; a universalização das comunicações a partir da melhor distribuição de renda; a manutenção do regime público; a inclusão digital e social; a expansão da banda larga para as escolas e serviços públicos.

Ponto fundamental, afirmou, será levar em consideração a questão social. Quase metade das residências brasileiras não possui linhas telefônicas fixas. A rede de cabo passa pela porta de quase 20% dos domicílios, não atingindo nem 300 municípios do País.

 

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
De olho na revolução digital e da biotecnologia
O professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFF (Universidade Federal Fluminense), Marco Aurélio Cabral Pinto, na palestra “Cresce Brasil: Ciência e Tecnologia”, chamou a atenção dos participantes do evento para uma nova revolução tecnológica que se avizinha, a digital e de biotecnologia. “O Brasil precisa se preparar para esse padrão de industrialização”, observou.

O País terá que gerenciar novas posturas, como a de mapear as aplicações potenciais e as competências-chave da tecnologia digital e da biotecnologia. Para isso, deverá investir em ciência, pesquisa, produção e não continuar sendo o “paraíso” dos interesses financeiros. Cabral Pinto conclamou, nesse sentido, a engenharia a não se limitar às gerências de linha, mas se incluir nos marcos de decisões. Ainda, o professor da UFF explicou que, “dentro do conceito da inovação, precisamos fazer com que o Brasil tenha sua inserção internacional sem subserviência, mas de forma ativa e autodeterminada”.

 

ENERGIA
Mais recursos e uso crescente de fontes renováveis
Apresentada pelo consultor e coordenador geral dos trabalhos técnicos do projeto “Cresce Brasil”, Carlos Monte, a proposta da categoria para a área de energia indica o montante de R$ 30 bilhões como o necessário ao setor. Desse total, 80% seriam recursos públicos e 20% privados. Pensando num crescimento econômico anual de 6%, seria preciso, de acordo com o consultor, mais 6.458MW de potência, além da conclusão de todas as usinas já outorgadas ou em construção, que perfazem 27 mil MW.

A despeito de ser imperioso haver elevação substancial na oferta de energia no Brasil, Monte observou que a situação nacional é mais confortável em nível mundial, “pela disponibilidade de fontes renováveis e por dominarmos essa tecnologia há algum tempo”. Eis um ponto crucial, tendo em vista o processo de mudança de paradigma no setor, apontado por ele, em particular “devido às restrições ambientais e energéticas, no caso do petróleo”. Quanto ao combustível fóssil em questão, de acordo com sua preleção, a expectativa é de esgotamento das reservas em 40 ou 50 anos, talvez menos. “E o crescimento esperado da demanda por energia é de 100% até 2050”, afirmou.

Assim, faz-se premente a utilização crescente de fontes renováveis não apenas no País, mas em âmbito global. Diante disso, Monte enumerou algumas alternativas apontadas pelo “Cresce Brasil”. São elas: maior utilização de energia solar, estímulo à co-geração, construção de novos parques eólicos, redução da aplicação da eletrotermia, bem como incremento da geração proveniente da biomassa (palha, arroz, lenha vegetal, cana-de-açúcar) e do programa de produção do álcool. E ainda, para neutralizar os impactos negativos do efeito estufa, “é imprescindível promover medidas para conservação energética e aumento de sua eficiência nos processos de produção, distribuição e consumo final”.

 

SANEAMENTO
Água contaminada causa 56% da mortalidade infantil no Brasil
Os números são alarmantes. Cinqüenta e seis por cento da mortalidade infantil no País é resultante de água contaminada, enquanto a Nação consta em segundo lugar nas listas mundiais em frota particular de helicóptero. Essa foi uma das informações apresentadas pelo professor do Departamento de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Luiz Edmundo Horta Barbosa da Costa Leite, na palestra “Cresce Brasil: Saneamento”.

A situação atual mostra um país sem planejamento adequado em saneamento básico. Como conseqüência, em pleno século XXI, 30 milhões de brasileiros não têm abastecimento de água potável; 90 milhões não contam com esgotamento adequado; os aterros sanitários representam apenas 12,6% e os de resíduos especiais, ínfimos 2,6%.

A Nação não tem um marco regulatório que estabeleça diretrizes para o setor. E de 2003 a 2005, o Brasil investiu perto de R$ 500 milhões/ano, valor muito distante do necessário para se alcançar a universalização do serviço: “Até 2011, o governo federal deverá aplicar cerca de R$ 123 bilhões no setor, o que dá uma média anual de R$ 24 milhões.” Outra crítica do palestrante é que ainda não se tem políticas públicas de atendimento aos mais pobres, com um sistema tarifário que privilegie quem não tem condições de pagar.

Resolver essas pendências não seria difícil, segundo o professor. “A engenharia nacional tem capacidade de propor soluções técnicas”, defendeu Costa Leite, para quem o investimento no setor desencadearia um processo de desenvolvimento econômico e social importante ao País. Ele destacou ainda a necessidade de uma política nacional de resíduos sólidos para incentivar a reciclagem e regulamentar o setor, de forma a proteger os trabalhadores envolvidos.

 

* Colaborou Rosângela Ribeiro

 

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