Cresce Brasil

“É preciso desarmar o arranjo perverso”

Rita Casaro

 

Redução na taxa de juros, que inibe o crédito e o investimento, e mudanças no câmbio, que prejudica as exportações, são as medidas elementares e fundamentais para o País voltar a crescer. Sem elas, de nada servem os discursos que freqüentam os debates e horários eleitorais sobre condições externas favoráveis ou cortes de gastos públicos. A avaliação é do economista e professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem o País precisa urgentemente retomar a orientação econômica, perdida há mais de duas décadas, com a crise da dívida externa.

Em entrevista ao Jornal do Engenheiro, ele falou sobre os entraves à economia nacional e qual será a tarefa do próximo presidente para alcançar incremento anual de 6% do PIB (Produto Interno Bruto), conforme propõe o manifesto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” (www.crescebrasil.com.br), lançado durante o VI Conse (Congresso Nacional dos Engenheiros). Ao contrário do que defende a fórmula neoliberal, o Estado não deve ser menor, mas mais eficiente.

 

O que houve com o Brasil? Por que o crescimento pífio das últimas décadas?

O Brasil está crescendo abaixo da sua marca histórica há 25 anos, desde a crise da dívida externa, que foi desastrosa e deu início a um processo de perda de orientação da economia brasileira. Entramos por um desvio e o caminho de volta não foi encontrado nem mesmo quando se conseguiu a estabilização da moeda. Naquele momento, a partir da idéia de que tudo nos 50 anos anteriores estava errado, fez-se uma abertura comercial e financeira mal concebida, para dizer o mínimo, com câmbio valorizado e juros altos. Então, o período do Fernando Henrique foi um fracasso desse ponto de vista. Foi feito um diagnóstico imperfeito do que estava acontecendo no mundo e nós começamos a perder posição sobretudo no que diz respeito ao avanço da indústria. Nós tivemos um processo de desindustrialização relativa, perdemos posição na formação do valor agregado manufatureiro global para os asiáticos, especialmente para a China. Os fluxos de investimentos diretos foram para outras regiões porque nós praticamente os expulsávamos daqui a pontapés por conta do câmbio e dos juros. Exceto entre 1999 e 2002, quando o câmbio se desvalorizou, mantivemos uma taxa desfavorável às exportações e nada estimulante ao investimento novo, que concorre com a importação. Aqui, houve na verdade fusões e aquisições, ou seja, as privatizações. Foram muito poucos os investimentos novos na área industrial. E tivemos ainda problemas como o apagão, que faz parte do mesmo pacote de falta de planejamento a longo prazo. As privatizações foram feitas sem o cuidado necessário, como demonstra o caso das empresas elétricas. O setor de bens de capital se desestruturou porque o setor produtivo estatal funcionava como coordenador de investimentos privados. A indústria brasileira foi perdendo setores que têm ganhos de escala, maior intensidade tecnológica. Quando se fala em desindustrialização, mais que da saída de empresas do País, trata-se da perda de posição relativa.

 

Por que não saímos dessa situação?

O Lula, que até fez uma descrição realista da sua política econômica, com os US$ 76 bilhões de reserva que acumulou, poderia ter feito uma política macroeconômica que não fosse tão inibidora do crescimento. Mesmo as questões externas, que são sempre nosso obstáculo maior, estão bem resolvidas, não por causa da atual política econômica, mas porque o mundo, a despeito das nossas trapalhadas, virou a nosso favor. Mas com essa combinação de câmbio, juros e baixo investimento público, o Brasil não vai crescer 6%, não há mandinga que faça isso. E não venham com história como a do Alckmin, de cortar gastos. Isso é besteirol da pior espécie, porque o Brasil já tem um superávit de 4,5%. Se baixar a taxa de juros em três ou quatro pontos percentuais, chega-se à situação de déficit nominal zero. O que precisa é botar a economia para crescer, e então se pensa no rearranjo do gasto público: tem que fazer com que o investimento cresça mais que as despesas correntes. Ninguém vai mexer na Previdência, é uma promessa tola, porque esse é um jogo muito empatado, o que se pode fazer é melhorar a situação com aumento do emprego formal e da renda, o resto é conversa mole de economista desocupado.

 

O que o próximo presidente deverá fazer se quiser cumprir a promessa de retomar o crescimento?

É preciso mexer no câmbio e nos juros, é fundamental que desarme o arranjo perverso. Não dá, neste momento, para se desvencilhar do superávit primário, mas é preciso reordenar o gasto público, puxando o investimento, em especial na infra-estrutura. Há nessa área um déficit enorme, que não tem uma avaliação propriamente monetária, mas está atrasada 15 anos, sem falar na infra-estrutura urbana. Quando se adia por muito tempo o investimento, é difícil suprir a deficiência num curto espaço de tempo e as coisas se atropelam, porque a economia cresce mais rapidamente e surgem os gargalos. Serão necessárias importações antes que a produção doméstica consiga se restabelecer. Essa coordenação é fundamental, é necessário colocar o câmbio no lugar e selecionar as importações desejáveis. É preciso ter equilíbrio na estrutura de crescimento, porque se a economia e a renda crescem 6% , o gasto eleva-se acima da renda. Vai haver pressão inflacionária, que se pode amortecer porque há superávit. O Estado deve se tornar mais ativo, e ao mesmo tempo mais eficiente. A burocracia deve ser racionalizada e deixar de ser um entrave à atividade econômica. Pode-se fazer uma reestruturação tributária, reduzindo a pressão sobre as empresas, ainda que se mantenha a receita, com o aquecimento da economia.

 

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