Mercado

O profissional face à mundialização

Soraya Misleh

 

Ter conhecimento técnico-científico sólido, fluência em vários idiomas, ser bem instruído culturalmente, conhecer os mecanismos de comércio global e ser flexível física e/ou virtualmente para atuar em grupos distintos. Essas são as características que um bom engenheiro global deve reunir, segundo informa Paulo Kaminski, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador acadêmico do Programa de Educação Continuada dessa instituição. Para tanto, além de boa formação básica, o intercâmbio é imprescindível, enfatiza.

Ao lado de seu colega, Márcio Lobo Netto, professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da escola paulista, ele a representou e ao Brasil no grupo que, durante o ano de 2006, dedicou-se a elaborar o estudo Global Engineering Excellence (Excelência em Engenharia Global). O projeto foi encomendado pela Continental AG, multinacional fabricante de acessórios para a indústria automotiva. Além dos docentes da Poli-USP, participaram representantes de sete universidades estrangeiras – três asiáticas (uma japonesa e duas chinesas), duas estadunidenses e duas européias (alemã e suíça). O resultado do trabalho foi apresentado no dia 12 de dezembro aos brasileiros, na Universidade de São Paulo, e encontra-se disponível na íntegra em inglês no site www.global-engineering-excellence.org.

Conforme Lobo, o estudo leva em conta a realidade atual, em que um produto ou processo pode estar sendo desenvolvido por uma empresa alemã no Brasil, mas por profissionais coreanos, para vender à África. Questionar, contudo, os efeitos dessa globalização econômica no mundo do trabalho, em que se privilegia a instalação de fábricas em locais em que o custo, inclusive da mão-de-obra, é mais baixo não fez parte dos objetivos do trabalho, lembra Kaminski. Entendendo que a internacionalização é inexorável, como complementa Lobo, a intenção básica foi apresentar o perfil do profissional que o mundo quer.

Para sua melhor qualificação, contudo, algumas barreiras foram identificadas. É o que aponta o professor de mecânica: “Uma delas é que é preciso aumentar a facilidade de movimentação de alunos, professores e pesquisadores em engenharia. Tem países em que não se consegue visto e isso dificulta muito o traslado. No caso brasileiro, enquanto entre nós e os EUA há problemas, entre nós e a Europa não há. Porém, para irmos a algumas nações, como a Suíça, pedem-se depósitos numa conta bancária equivalentes a dois meses de subsistência, o que é um complicador para um estudante que vai receber a bolsa depois que estiver lá.” Outra barreira, ainda de acordo com sua explanação, é a visão secundária que se tem da internacionalização do ensino e da carreira. “Essa ainda não é a condição principal quando monta-se a estrutura da maioria dos cursos de engenharia.” Empecilho visto por Kaminski também é a falta de continuidade dos programas de intercâmbio. “No final da década de 90, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) financiava de 80 a 200 bolsas para alunos brasileiros de engenharia fazerem um curso fora, mas isso foi só por um período. Esses acordos não têm sido feitos com uma perspectiva de médio e longo prazo, mas sempre por um ou dois anos.”

 

O local dentro do global
As características da engenharia e do profissional de cada país ou região também integram o trabalho. Ao retratar as peculiaridades do “local dentro do global”, o estudo deixa transparecerem as disparidades entre as nações que detêm o poder econômico e as que são vistas como o quintal do mundo. Nessa última categoria, o Brasil não deixa a desejar quando o assunto é a formação de seus engenheiros. O trabalho mostra que o profissional de qualquer dos países participantes tem condições de competir de igual para igual, atesta Kaminski.

Uma amostra das diferenças que apareceram é que, ao contrário do que ocorre por exemplo na Alemanha, Japão e Estados Unidos, em território nacional há, afirma Lobo, “grande capacidade para se adaptar e transferir tecnologia, mas não tanto para desenvolvê-la. É um problema mais de ordem econômica e orientação política, de se fortalecer ou não o pólo industrial no País.” O estudo aponta ainda que o Brasil “precisa de uma infra-estrutura tecnologicamente mais avançada e os engenheiros de um melhor reconhecimento social e maior remuneração”.

 

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