TELECOMUNICAÇÕES


Revolução das telecomunicações traz euforia e temores

Os novos ventos das Telecomunicações, trazidos com a quebra do monopólio estatal e privatização, apontam para o avanço tecnológico num futuro próximo. Contudo, o modelo adotado trouxe sérias ameaças à indústria, à tecnologia e ao emprego nacionais.

A alardeada "revolução das telecomunicações" aos poucos vai tomando corpo, ainda em meio a muitas dúvidas. Após quatro meses da venda do Sistema Telebrás, que passou o controle das operadoras de telefonia fixa e celular no País para a iniciativa privada, especialmente estrangeira, ainda não se tem claro qual é o novo cenário do setor. De um lado, há a euforia com a provável expansão dos negócios, devido à demanda reprimida — só em São Paulo, aproximadamente 6 milhões de pessoas esperam por uma linha fixa —, estimulada pela concorrência que deverá vir com as empresas espelho. Com leilão previsto para dezembro próximo, essas novas autorizadas explorarão a telefonia fixa, competindo com as atuais operadoras, e poderão utilizar o aguardado sistema WLL (Wireless Local Loop), que deverá ajudar na universalização. Além dessa, outras tecnologias como o PCS (Personal Comunications Services) e incrementos em transmissão de dados, voz e TV a cabo, por exemplo, darão impulso ao setor. De outro, estão as dúvidas sobre o real poder de fogo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para garantir que as metas de universalização e qualidade sejam cumpridas e que haja concorrência para valer. Além disso, os fornecedores nacionais de equipamentos e serviços vivem atualmente a expectativa sobre qual papel terão a partir de agora. "Esse é um novo jogo, e nesse campo os vencedores de ontem não são necessariamente os mesmos de amanhã. Não adianta se aprimorar no antigo, porque de nada servirá", avaliou o diretor geral da Siemens Telecomunicações, Verner Dittmer.

Começo da partida

Tomando conhecimento do mercado brasileiro e das próprias empresas que adquiriram, as operadoras têm largos horizontes à vista. A Telefónica de Espanha, nova proprietária da Telesp, considerada a "jóia da coroa" do Sistema Telebrás, pretende, conforme declarou ao jornal Telecom de agosto último, instalar, até o ano 2000, 11 milhões de linhas. Na telefonia móvel, a Telesp Celular, cujo controle acionário ficou com a Portugal Telecom, dispõe de um cadastro de 2,9 milhões de interessados, 2,5 milhões só na Região Metropolitana de São Paulo. Pelos estudos da empresa, o potencial de crescimento do serviço na região está à frente do apontado para Cidade do México e Buenos Aires. Além da significativa demanda a atender, a Telesp Celular prepara-se para a implantação do sistema digital em sua área, passando a concorrer mais diretamente com a BCP, atualmente única concessionária da banda B em São Paulo. Até o final do ano, deverão ser ativados 250 mil terminais, utilizando tecnologia CDMA (Colde Division Multiple Access), funcionando tanto na rede analógica quanto digital, com total acesso ao roaming automático. Ao interior, os celulares digitais da Telesp chegarão a partir de dezembro.

Além do Plano de Metas estabelecido pela Anatel nos contratos de concessão, a possibilidade de entrar em outras áreas, caso superem suas metas, deve estimular as empresas à expansão. "Isso certamente vai ampliar o mercado de equipamentos. Só a Telesp pretende comprar no ano que vem 4 milhões de terminais", afirmou o diretor de Relações Institucionais da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), Roberto Isnard. "O mercado já cresceu com a redução das taxas de instalação da telefonia fixa. O mesmo deve acontecer com a celular, que tende a reduzir ou mesmo eliminar os custos de habilitação. Não podemos esquecer a TV a cabo, transmissão de dados, paging, todos mercados recentes, que tendem a explodir", prevê.

"Imaginamos que com a privatização haverá um acréscimo significativo dos investimentos na área. As metas que a Anatel estabeleceu são muito ambiciosas. O plano para o ano que vem em São Paulo é de 2 milhões de novos terminais", confirmou o engenheiro Rui Leme Alvarenga, vice-presidente da Abeprest (Associação Brasileira de Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações) e diretor de Sistemas da Abecortel (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Engenharia de Telecomunicações). Ele, contudo, questiona o tipo de participação no mercado, já que a tendência é as operadoras contratarem os serviços de empresas de seu país de origem e essas repassarem às brasileiras. "Para atingir as metas, fatalmente as operadoras terão que utilizar os serviços dos fornecedores instalados aqui, mas podem nos contratar por meio das estrangeiras. Com isso, além de haver queda de preços, não se consegue agregar valor de engenharia e perde-se em know-how", alertou. Mais otimista, o presidente da Abinee acredita que "precisamos nos acostumar a não pintar fantasmas toda vez que acordamos e depois passar o dia fugindo deles".

Indústria e tecnologia

Na mesma linha de raciocínio, Alvarenga teme pelos fabricantes instalados no País. "A Lei Geral de Telecomunicações tem sérios problemas, entre eles a ausência de qualquer proteção à indústria nacional. Nós sugerimos um percentual mínimo obrigatório de compra no mercado interno de 20%, que não foi aceito." Para ele, a tendência é que passe a ocorrer o que foi verificado com a chegada da BCP, "que fez 90% de suas aquisições fora e ninguém disse nada". Na avaliação do engenheiro Márcio Wohlers de Almeida, professor-doutor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em Economia das Telecomunicações, "o modelo não foi feito para privilegiar a indústria nacional, muito pelo contrário." "Na primeira versão do contrato de concessão, as operadoras tinham que comprar 10% das centrais locais e 5% delas deveriam ter tecnologia nacional. E mesmo isso, que não é nada, o governo não deixou." Para Wohlers, que também é membro do Conselho Consultivo da Anatel, "o governo lavou as mãos e está confiando apenas no BNDES, que deverá favorecer o fabricante nacional em condições de igualdade".

Nesse quadro, Wohlers acredita que, paradoxalmente, a saída para a indústria possa estar na própria crise. "É uma situação de grandes ameaças, mas com algumas possibilidades de melhoria. Face à situação internacional, o governo vai ser obrigado a refazer essa orientação de não ter compromisso com a política industrial e pode ser preciso conter importações, privilegiando os fornecedores locais."

Outro aspecto em risco nesse processo refere-se à pesquisa e desenvolvimento. Até a privatização, a Telebrás matinha o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento), criado em 1976, que desenvolvia, sozinho ou em parceria com as empresas, equipamentos e sistemas de telecomunicações até o estágio de protótipo. A tecnologia era então transferida às indústrias que passavam a pagar royalties, normalmente de 3% do valor das vendas. Além disso, o CPqD recebia participação da receita das operadoras da Telebrás, garantindo a execução de um orçamento anual médio da ordem de US$ 120 milhões desde 1993. Entre os maiores sucessos desse Centro de Pesquisa, estão o telefone público a cartão e a Trópico, uma família de centrais de comutação pública com tecnologia digital, que já chegou a 5 milhões de terminais. Agora, transformado em fundação, o CPqD deve se tornar auto-suficiente até julho de 2001, quando vencem os contratos com as operadoras que não estão obrigadas a renová-los. "O governo introduziu uma bomba-relógio no sistema ao estabelecer esse prazo. Em nenhum país do mundo, vende-se ou se transforma a parte de pesquisa desconectada das operadoras", apontou Wohlers. "O CPqD era uma iniciativa heróica, deu certo e agora pode morrer porque ninguém mais tem obrigação de mantê-lo", concordou Rui Alvarenga. Segundo Wohlers, o sucesso do CPqD estaria parcialmente garantido se estivesse vigorando a lei que cria o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações, retirado da Lei Geral das Telecomunicações para facilitar a sua aprovação, assim como o Fundo de Universalização. "Mas privilegiou-se a rapidez, ao invés da consistência. No lugar de usar o seu poder de maioria, como no caso da reeleição ou da quebra do monopólio, lavou as mãos e as duas leis estão paradas no Congresso."

Mais otimista, o diretor geral da Siemens afirmou ver "ameaças, mas também oportunidades para a tecnologia nacional". "O P&D tem que ser feito onde está o mercado. Não é possível desenvolver tecnologia para o Brasil numa ilha do Pacífico." Conforme ele, um dos pré-requisitos favoráveis a esse desenvolvimento nacional são os engenheiros brasileiros, "altamente competentes". "E eles, mais que capacitação e inteligência, têm garra, o que é importantíssimo nesse mercado em que não adianta chegar amanhã com uma excelente tecnologia, precisa ser hoje".

Desequilíbrio

O problema é que a balança comercial do setor não vinha sendo favorável já antes da privatização. Segundo estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), desde 1992 a diferença entre as importações e as exportações vem sendo negativa para o Brasil. Em 1997, o déficit com eletroeletrônicos em geral foi de US$ 6,4 bilhões e em junho deste ano já chegava a US$ 2,6 bi. Para os produtos da área de telecomunicações especificamente, esses valores são respectivamente US$ 2,4 bi e US$ 1 bi.

Fazem pender a balança contra o Brasil principalmente equipamentos e materiais ligados à telefonia celular, incluindo CCCs (Centrais de Comutação e Controle), ERBs (Estações Rádio-base), fios e cabos, além dos próprios aparelhos. Ainda de acordo com estudo do BNDES, "a importação de todos esses itens tem sido extremamente facilitada pela alíquota zero de imposto".

Embora a indústria instalada no País já os produza, de acordo com o Banco, a globalização e as exigências de redução de custo têm levado as empresas a buscar alternativas mais competitivas no mercado internacional e dar preferência a fornecedores mundiais, qualificados pelas sedes tecnológicas, reforçando, dessa forma, a prática do chamado global sourcing.

Investimentos

Mesmo identificando sérios problemas no setor, Márcio Wohlers acredita ainda ser possível uma estratégia em defesa da indústria e tecnologia nacionais. "O que é insustentável é o governo não utilizar os instrumentos que tem de forma coordenada. Agora, é preciso andar com o que sobrou, dado que já se perderam os anéis, os dedos e o braço", disse. Na sua opinião, uma alternativa seria o governo, em parceria com as empresas nacionais, mais o CPqD e o BNDES, montar a Trópico S.A., aproveitando essa bem-sucedida tecnologia para disputar o mercado com outras centrais. "Deveria coordenar esse esforço já instalado, e não deixá-lo à própria sorte", completou.

Durante o seminário "O novo cenário das telecomunicações", realizado no Centro de Convenções da Gazeta Mercantil, em 22 de outubro último, a superintendente de Infra-Estrutura do BNDES, Ivone Saraiva, falou sobre os projetos do Banco frente às mudanças no setor. Segundo ela, nas perspectivas de financiamento, seja à operação ou à indústria, está sendo levada em conta a situação internacional e a escassez de recursos. "Assim, a estratégia é que o BNDES trabalhe mais alavancado". Ou seja, buscando captar recursos. No contexto geral, estão na pauta e na fila dos financiamentos implantação e expansão da infra-estrutura para prestação dos serviços, ampliação e capacitação da indústria para o fornecimento de bens e serviços, aquisição de equipamentos e participação acionária.

Mão-de-obra

Tema também candente no contexto das telecomunicações privatizadas é o emprego e as relações de trabalho e sindicais. Se na indústria as perspectivas não são as melhores, para a área de prestação de serviços espera-se que haja aumento da oferta de trabalho. "Uma consultoria americana fez um estudo que aponta para cortes num primeiro momento, mas geração de 30 mil novos postos em cinco anos, não sabemos se diretos ou indiretos", informou o vice-presidente do Sintetel (Sindicato dos Telefônicos de São Paulo), Geraldo de Vilhena Cardoso.

Apesar disso, o sindicalista teme pelos empregos atuais. Pelo edital da privatização, os trabalhadores das operadoras paulistas têm seis meses de estabilidade após a venda. Assim, até 29 de janeiro, por força de lei, não deverá haver dispensas. A partir daí, não se sabe. "Em outros países, essas empresas trataram os empregados com dureza e demissões. Só na Argentina, foram cerca de 400."

Para esclarecer esse e outros pontos relativos aos funcionários da Telesp Fixa e Celular, está agendada para a segunda quinzena de novembro uma reunião com os dirigentes das Telefónica de Espanha e da Portugal Telecom, além de sindicalistas dos países de origem das companhias.

Outra questão é a qualificação da mão-de-obra hoje disponível. Segundo Cardoso, os profissionais estão preparados para atender a tecnologia disponível no Brasil, "mas para as novas deverá haver uma formação". Já Márcio Wohlers foi categórico. "O diagnóstico é claro: falta mão-de-obra especializada em todos os níveis." Segundo ele, um modelo positivo para suprir essa deficiência são as parcerias locais entre escolas e empresas.

Na opinião de Dittmer, da Siemens, com as mudanças no setor as empresas alteraram seu enfoque de abordagem, desviando-o simplesmente do produto e colocando-o no cliente. E os profissionais terão que seguir essa regra. "A alta qualificação será fundamental, mas não suficiente; as inteligências deverão estar muito bem-orientadas para o foco do negócio." Um sintoma desses novos ares segundo Ivone Saraiva, do BNDES, é a crescente demanda de profissionais de marketing para o setor.

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