EDITORIAL


Contra a desregulamentação

Num momento de recessão e desemprego, a defesa do assalariado na selva das relações do trabalho depende do amparo legal e institucional.

Baseado no diagnóstico do déficit público interno como origem da crise, o pacote do governo é altamente recessivo. Aumento de juros e impostos e redução de gastos públicos conjugam-se para anular o crescimento econômico e as importações, gerando alto desemprego. Com esse último, caem os salários, compensando em parte, para o empresa, a perda de competitividade e rentabilidade, decorrentes justamente das medidas adotadas.

Mas, isso não bastou ao governo. A pretexto de que a estrutura sindical promove a proliferação de entidades, o governo propõe uma desregulamentação selvagem das relações coletivas de trabalho. Deseja acabar com a unicidade sindical e com o poder normativo da Justiça do Trabalho. Como se as agruras econômicas do País fossem causadas por essa estrutura, e não pelo déficit do balanço de pagamentos.

Por um lado, pretende o governo acabar com a representação única por base municipal de categoria profissional ou econômica vigente. A estrutura sindical foi alterada pela Constituição de 1988, quando foi eliminada a possibilidade de o poder público interferir ou intervir em tal organização, mas mantido o princípio da representação de categoria, por base territorial. É exatamente aí, nessa veia, que vem a ação do governo, para ferir de morte o movimento dos trabalhadores. Pretende ele, agora, que a organização sindical represente apenas seus associados, ficando os demais sem qualquer representação. Isso vale também para as entidades patronais, o que significa que as empresas não-filiadas não serão alcançadas por nenhuma negociação feita no nível de categoria, só sendo possível aquela direta por empresa.

A fórmula proposta pelo governo — representação apenas de filiados — significa o fim de qualquer possibilidade do trabalhador, coletivamente, negociar o seu contrato de trabalho. Evidentemente, o empresariado mais retrógrado tenderá a demitir qualquer um que exija seus direitos de maneira mais incisiva.

Além disso, abre-se a porta para a formação de sindicatos "amarelos", criados pelo próprio patrão, e aos quais o empregado poderá ser obrigado a se associar.

Só podemos ver nessa proposta a busca da oportunidade para, dizimado o movimento sindical sério, promover modificações na legislação trabalhista que removam uma série de conquistas dos trabalhadores brasileiros.

Não satisfeito em enfraquecer o movimento social na sua capacidade de mobilização e luta, o governo quer ainda lhe retirar as garantias legais. Trata-se do fim do poder normativo da Justiça do Trabalho. A proposta do governo sugere que, quando existe litígio entre as partes, a única maneira de recorrer à Justiça é que ambas concordem. Isso é um absurdo, porque estando em litígio parece improvável a conciliação para se levar o assunto à Justiça. Seria como impedir que um cônjuge entrasse com um pedido de separação litigiosa caso o outro a isso se recusasse.

O que o governo está fazendo com a nova formulação que dá ao artigo 114 da Constituição é simplesmente recusar ao trabalhador, individual e coletivamente, o acesso à Justiça. Trata-se de um absurdo contrário às normas mais elementares do Estado de Direito, significando um retrocesso não-admissível em hipótese alguma no Brasil. Aliás, a proposição parece inconstitucional. Afinal, tira das partes o direito de recorrer à Justiça para dirimir suas divergências legais.

Queremos deixar clara nossa posição frontalmente contrária às propostas do governo. O poder normativo da Justiça do Trabalho deve ser aperfeiçoado e não eliminado; a desregulamentação selvagem da estrutura sindical é inaceitável, principalmente porque deixa os trabalhadores indefesos; e a concepção de categoria é fundamental por ser o que obriga o patrão a negociar com o legítimo representante de seus empregados. Sem essa idéia, será fácil demitir os sindicalizados tornando sem efeito os acordos firmados e negando as conquistas aos demais. Aliás, na área das categorias diferenciadas, a noção é fácil de implementar, já que existem legislações que as definem. Por exemplo, a dos engenheiros é estabelecida pela Lei 5.194. Basta respeitá-la, garantindo a representação às respectivas categorias.

Eng. Paulo Tromboni de Souza Nascimento
Presidente  

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