ESTRUTURA SINDICAL


Projeto do governo propõe o salve-se quem puder

Essa é a conclusão a que especialistas no assunto chegam quanto à PEC 623/98, de autoria do Ministro do Trabalho, que defende mudanças na estrutura sindical, deixando os trabalhadores sem representação. Oposição articula-se para derrotar a proposta no Congresso Nacional.


Os trabalhadores brasileiros, que nos últimos anos vêm enfrentando o fantasma cada vez mais real da recessão e desemprego, iniciarão 1999 tendo de fazer face a novo ataque aos seus direitos e garantias. Esse vem na forma da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 623/98, encaminhada ao Congresso pelo Governo Federal em 5 de novembro último. O projeto, de autoria do ministro do Trabalho, Edward Amadeo, altera os artigos 8º, 111 e 114 da Constituição Federal de 1988. Nele, propõe-se basicamente o fim da unicidade sindical, a representação apenas dos filiados, com a conseqüente eliminação das contribuições dos demais para a manutenção das atividades sindicais, e o fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, além de impedir que seja ajuízado unilateralmente dissídio coletivo de natureza econômica (veja quadro na página ao lado). Com isso, "configura-se concretamente bote mortal contra o sindicalismo", analisou o advogado Ulisses Riedel de Resende, coordenador técnico do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Em palestra no Sindicato dos Engenheiros, no dia 7 último, ele alertou para a "gravidade do momento", especialmente no que diz respeito ao fim do conceito de representação. "Hoje, apenas 18% dos trabalhadores são sindicalizados. Com a rotatividade existente no Brasil, será muito fácil substituí-los por outros, deixando a totalidade sem qualquer defesa." Riedel lembrou ainda que o problema se agrava do lado patronal, onde apenas 5% das empresas são filiadas aos seus sindicatos. Assim, "mesmo que os empregados conseguissem uma grande organização e mobilização, a negociação coletiva seria direcionada à por empresa", concluiu. Na avaliação do presidente do SEESP, Paulo Tromboni de Souza Nascimento, "o que o governo propõe é a desregulamentação selvagem das relações coletivas de trabalho". Para ele, o projeto implanta "a anarquia na estrutura sindical brasileira, ao estabelecer que as entidades deixem de representar categorias profissionais ou econômicas. Isso significa o fim de qualquer possibilidade de o trabalhador negociar coletivamente". Segundo Tromboni, não satisfeito com isso, o governo pretende ainda retirar as garantias legais: "Determina a extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho e o próprio acesso a ela, quando dispõe que dissídios coletivos de natureza econômica só poderão ser ajuizados de comum acordo entre as partes." A mesma opinião tem o professor do Instituto de Economia da Unicamp e membro do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo. "O fim da unicidade é muito ruim. Já temos sindicatos relativamente fracos e isso vai reduzir ainda mais o poder de barganha. É um retrocesso. Extinguir o poder normativo é um erro, porque elimina o papel de reequilibrador entre forças díspares que o Estado tem. E não é possível se fazer isso num lugar com tão diferentes condições de trabalho, como é o Brasil, onde se encontra até mão-de-obra escrava."

Unanimidade

Representantes de diferentes linhas políticas e ideológicas, que vão da Força Sindical à CUT, passando pelas entidades independentes como o SEESP, todos condenam a PEC governista, seja na forma ou no conteúdo. O presidente da FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), Jorge Gomes, não poupou Edward Amadeo: "Essa proposta é absurda, uma incompetência e tem o ridículo de ser apresentada por um Ministro do Trabalho. Isso vai desestruturar o movimento sindical, com a proliferação de entidades, que poderão ser criadas até por andar de empresa, levando à fragilização e submissão dos empregados. Certamente, será derrotada no Congresso e eu espero que o Ministro seja demitido depois." "A PEC é fruto da arrogância e auto-suficiência do Governo FHC", arrematou o presidente da CAT (Central Autônoma dos Trabalhadores), Laerte Teixeira da Costa. "Somos contra a medida, não só pela inconseqüência legislativa, mas porque ignora mais de meio século da experiência sindical brasileira, a qual precisa ser aperfeiçoada, não destroçada."

Airton Ghiberti, vice-presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e diretor de Organização e Política Sindical da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), vê na PEC um complemento aos pacotes fiscal e econômico do governo. "Essas mudanças fizeram parte do documento enviado ao FMI, procuram detonar o movimento sindical brasileiro e com isso tornar o trabalhador mais dócil", afirmou. Na sua opinião, as conseqüências serão funestas. "A proposta não estabelece limites à pluralidade, nem trata da representatividade e abre portas para a criação de sindicatos patrocinados por interesses exógenos." Quanto às alterações na Justiça do Trabalho, ele acredita que os argumentos apresentados, de que a instituição inibea negociação, são falaciosos. "O poder normativo foi importante para o estabelecimento de conquistas que se estenderam posteriormente a toda a classe trabalhadora, como por exemplo a estabilidade à empregada gestante", lembrou. O diretor da CGT também visualiza problemas nas restrições para instauração de dissídio coletivo. "E as propostas não param aí. Os advogados que auxiliaram o governo nessa pretensa reforma trabalhista, todos de militância patronal, propuseram a criação da Comissão de Conciliação Prévia para empresas com mais de 50 funcionários. Essa comissão paritária fatalmente acabará sendo manobrada pelo capital e tem caráter prévio porque apenas será habilitado a reclamar judicialmente quem comprovar ter tentado nela se conciliar sem êxito. O não-cumprimento desse ritual resultará na extinção do processo sem análise e possibilidade de sua condenação por litigância de má-fé", denunciou.

Até Antônio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo e vice-presidente da Força Sindical, a central mais próxima do governo, considera a medida "um absurdo". "Como está, a proposta só vai dividir os trabalhadores e não haverá organização. Pode até haver pluralidade, mas desde que se definam a categoria e a base mínima", afirmou. No extremo oposto, a própria CUT, que vem advogando pelo fim da unicidade, combate a PEC. "O que nós defendemos é uma discussão séria, e não o que FHC está fazendo. Deve haver respeito pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho", afirmou o membro da Executiva Nacional da Central, Antônio Carlos Spis. O principal problema na proposta é a falta de "mecanismos de transição de uma situação a outra e não-garantia de organização no local de trabalho". Também ligado à CUT, o presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Manoel José dos Santos, refuta qualquer mudança sem um debate amplo. "O governo vem negociando várias medidas com o FMI, entre as quais a quebra da estrutura sindical. O fim da unicidade abre de forma escandalosa a possibilidade de criação de entidades em cada esquina. Precisamos encontrar uma resposta construtiva para o conjunto da organização sindical, seja no campo ou na cidade", rechaçou.

Enfrentamento

Tendo em vista "a espantosa unanimidade contra a medida", o analista político e assessor sindical João Guilherme Vargas Netto acredita na possibilidade de vitória dos trabalhadores. "A luta contra a PEC será muito facilitada se for entendida como um momento do pacote de ajuste do governo. É isso que cria uma aliança entre as lideranças sindicais e suas bases", afirmou. E fez um alerta: "Não devemos agora buscar um modelo alternativo, mas a derrota da PEC."

Posicionado favoravelmente à organização sindical, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), vê na proposta o cumprimento de uma promessa do presidente Fernando Henrique Cardoso. "Quando se elegeu, ainda em 1994, FHC disse que tomaria providências para alterar a estrutura sindical e a tradição jurídica. Agora, ele busca implantar a pulverização e condiciona a contribuição aos associados, o que inviabiliza a sobrevivência de 80% dos sindicatos. E ainda revoga o poder normativo, eliminando uma longa tradição da mediação entre forças desiguais." Como estratégia, Rebelo assegurou que a oposição pretende resistir e tentar derrotar a PEC no seu conjunto. "Temos boas chances, mas vai depender fundamentalmente da capacidade do movimento sindical se unificar e articular suas e outras forças que se oponham à proposta." A receita do deputado estadual do PCdoB, Nivaldo Santana, vai na mesma direção. "É essencial um amplo movimento em defesa dos direitos sociais dos trabalhadores. Até porque qualquer mudança dessa natureza exigiria, no mínimo, uma negociação com os interessados. Isso só mostra a face autoritária do governo, que age como um dócil serviçal do FMI." Futuro membro da base governista, o deputado federal eleito Francisco Graziano (PSDB-SP) afirmou ser favorável à PEC, ressalvando, entretanto, que "a legislação não pode ficar vazia". Na sua opinião, "não se pretende desorganizar os trabalhadores, mas tornar a representação mais democrática".

O que diz a PEC 623/98

Quanto ao artigo 8º

Art. 8° – É assegurada a liberdade sindical, mediante os seguintes princípios:

I A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro como pessoa jurídica na forma da lei civil, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II Ao sindicato cabe a defesa judicial e extrajudicial dos direitos e interesses coletivos ou individuais dos seus representados;

III A assembléia geral, observando o princípio da razoabilidade, fixará a contribuição devida ao sindicato pelos seus repre sentados, a qual será descontada em folha de pagamento;

IV Ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

V É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VI É vedada a dispensa do empregado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei;

Parágrafo único – As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

QUANTO AO ARTIGO 114

Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar os dissídios individuais e coletivos de natureza jurídica, entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, os conflitos de direito sindical, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, de laudos arbitrais e de convenções e acordos coletivos.

Parágrafo 1°– Frustrada a negociação, os conflitos coletivos, a pedido conjunto das partes, poderão ser submetidos à arbitragem, inclusive da Justiça do Trabalho.

Parágrafo 2° – Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos, em comum acordo, ajuizar dissídio coletivo, de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho, em caráter excepcional, estabelecer normas e condições, conforme dispuser a lei, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

Parágrafo 3° – O ajuizamento do dissídio coletivo poderá se dar unilateralmente, ou pelo Ministério Público do Trabalho, quando, a juízo da Justiça do Trabalho, houver possibilidade de lesão ao interesse público.

Parágrafo 4° – No exercício da competência normativa prevista no parágrafo 2° deste artigo, a Justiça do Trabalho limitar-se-á, às hipóteses de cláusulas econômicas, a decidir entre duas propostas finais das partes ou no intervalo entre ambas.

Parágrafo 5° – O exercício do direito de ação individual perante a Justiça do Trabalho será obrigatoriamente precedido de tentativa extrajudicial de conciliação, utilizando-se, inclusive, a mediação, conforme dispuser a lei.

Fonte: Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

 

 

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