ENTREVISTA | ||
Jornal do Engenheiro: Como teve início o interesse do engenheiro por Alfredo Volpi? Ladi Biezus: É muito fácil capturar alguém que teve formação técnica, quando à beleza sensível, especialmente das cores e daquele desenho quase arcaisante do Volpi, associa-se o prazer intelectual. Além disso, o Volpi tem uma obra que se desenrola de uma maneira coerente e lógica. Você fica instigado a reconstituir a trama, que tem um vetor evolutivo. Há um casamento perfeito entre as primeiras obras da fase acadêmica, na década de 10, e os quadros totalmente geométricos, do final dos anos 50. JE: Essa foi uma proposta consciente? Biezus: Evidentemente, isso é um projeto a posteriori, o Volpi não planejou, mas foi arrancando de dentro de si essa trama. Claro que se lhe disséssemos isso, ele daria uma sonora gargalhada. Eu me lembro que certa vez fiz uma "enorme" descoberta, percebendo que os telhadinhos das casas pintadas no início da carreira deram origem às bandeirinhas. Quando lhe apresentei a minha tese, ele deu uma solene gargalhada e disse: "Imagine, numa madrugada eu estava indo para o meu sítio em Mogi e quando desci na estação, a praça estava toda enfeitada por bandeirinhas, achei tão bonito que resolvi pintá-las." JE: E como se reconhece a obra de arte? Biezus: A obra de arte verdadeira tem de ser aberta, admitindo infinitos significados. Ela tem essa característica que é parecida com Deus, é impossível capturá-lo numa única definição. Por isso, a verdadeira crítica consiste em levar a obra a se revelar, porque, por natureza, ela é inventiva. Então, a primeira coisa a fazer é olhar e deixar que ela se descubra. É preciso também um mínimo de alfabetização por parte do espectador, mas é muito pouco. Requer é muita sinceridade e exigência. JE: E os critérios para se montar uma coleção? Biezus: A coleção é um organismo vivo, que precisa ser administrado, ninguém consegue só comprar e nem é essa a proposta. É necessário ir apurando, desfazendo-se daquilo que se torna periférico dentro da leitura que o seu inconsciente está construindo. A simplificação é uma tarefa imprescindível para chegar ao essencial. A coleção será um duplo retrato, do artista e do colecionador, se esse se deixar conduzir e não impuser seus próprios padrões, como quem junta latas de cerveja. Se você se coloca diante da obra de um artista e se deixa seduzir, à medida que for sincero e dócil, com certeza revelará um aspecto importante dessa obra, como se fosse uma das inúmeras faces de Deus. JE: E como buscar essas obras? Biezus: Você começa a se inteirar e ficar atento para as obras conhecidas ou aquelas que são dádivas do acaso. Presta-se atenção a leilões, exposições, colecionadores, publicações. Além disso, eu freqüentei o ateliê do Volpi até a sua morte. JE: E quando se considera a coleção acabada? Biezus: O ideal, com o tempo, é sintetizá-la em uma dúzia de trabalhos. O Volpi tem uma carreira que é uma evolução ao longo de 75 anos, mas há momentos essenciais, os das grandes revoluções. Seria interessante capturar a obra do Volpi por esses saltos mutacionais e alguns trabalhos significativos dos intervalos entre eles. Algo que também está por ser feito é estudar o Volpi pelos seus temas cromáticos. Isso já foi feito do ponto de vista psicológico pelo crítico e psiquiatra freudiano Theon Spanudis. Em 1961, Volpi morava no Rio, uma cidade luminosa, e a sua palheta de cores era sombria. Nessa época, tinha 66 anos e, segundo Spanudis, confrontava-se com o fato de estar ficando velho. Depois, desabrochou numa profusão de cores, como se fosse a conquista de uma nova juventude, de uma alegria de viver que nunca mais o abandonou. Foi quando começou a festa de bandeirinhas coloridas. JE: Além de uma evolução coerente , o que mais caracteriza Volpi como artista? Biezus: O Volpi é um artista no sentido pleno porque utilizou todos os elementos, cor, gestualidade, matéria, desenho e narração. A cor era o maior interesse e o desenho, um presente adicional. A partir de um certo momento, tinha um solene desprezo pela narração. Seus trabalhos ficaram carregados de simbolismo. Ele minimizou o uso do elemento formal para dar o máximo de ênfase ao cromático. Os trabalhos dos anos 60 são os mais herméticos, os que mais me fascinam. Mas gosto muito daqueles da década de 50, que são as fachadas. Tenho um que foi feito exclusivamente com terras das fundações da estação de tratamento do ABC. A sua técnica era à têmpera e ele usava muitos tons de terra, pigmentos naturais. JE: Como o Volpi é visto nesse mercado? Biezus: Hoje, suas obras variam de R$ 5mil a R$ 100 mil. A partir de meados da década de 50, ele vendeu praticamente tudo que produziu. Existem entre 400 e 500 colecionadores, identificados quando da primeira fase da catalogação da sua obra, que no total deve reunir uns 3 mil quadros. O maior é o Museu de Arte Contemporânea da USP, que recebeu muitas doações, inclusive do Spanudis. Grego, ele chegou ao Brasil em 1947 sem falar uma palavra em português; ao passar pela Avenida Vieira de Carvalho, viu uma exposição do Volpi e ficou fascinado; entrou e comprou o que pôde e, a partir daí, ele ia ao ateliê e levava tudo. Outro notável colecionador de Volpi foi o físico Mario Schenberg. Ele pode não ser o artista mais festejado pelo mercado, mas é o mais celebrado pela crítica.
| ||