Caminho alternativo | ||
Da prancheta ao set de filmagem
No anos 60, João Batista de Andrade, Francisco Ramalho Jr. e Andrea Tonacci deixaram um curso de Engenharia por terminar e abraçaram a carreira cinematográfica. Da formação acadêmica, sobrou o talento para planejar e gerenciar e a racionalidade típica da profissão. "Um filme é como um projeto de construção, uma complexidade grande, com muitos detalhes que precisam ser cuidadosamente planejados e executados. Envolve uma grande equipe que deve se entender para o trabalho dar certo e tem um orçamento a ser administrado", comparou Tonacci. Famoso como diretor de O homem que virou suco, João Batista de Andrade começou a se interessar por cinema no clima efervescente da Politécnica de 1960. "Naquele tempo, você podia ser engenheiro, advogado ou médico, então escolhi a Engenharia Mecânica, mas de cara eu me envolvi com o movimento estudantil e as atividades culturais", contou o cineasta que nasceu em Ituiutaba, Minas Gerais. Assim, em 1963, ele, Ramalho e mais dois colegas formaram o grupo Kuatro. "Arrumamos uma câmera 8mm e começamos a filmar influenciados pela Nouvelle Vague e pelo Cinema Novo", contou Andrade. "Nós estávamos muito interessados em documentários, lembrou Ramalho, que seguiu um caminho parecido com o do amigo. "Eu vinha de Pirassununga e entrei na Politécnica em 1959 para fazer Engenharia Eletrônica porque era apaixonado por Física, mas nos dois últimos anos do curso já havia optado pelo cinema. A Politécnica tinha um nível que permitia uma grande universalidade de conhecimentos." Convivendo em um meio bastante diferente, Andrea Tonacci, quase formando-se engenheiro civil e arquiteto, foi outro que logo se decidiu pelo cinema. "Meu pai tinha uma câmera 8mm e eu estava sempre filmando. O Mackenzie era uma escola mais de direita e, com o advento do regime militar, achei que era hora de sair e desisti no último ano." Nascido em Roma, Tonacci chegou a São Paulo em 1953 e começou a filmar em 1967, também fazendo documentários. Cinema para valer Com a vida estudantil deixada para trás, Andrade e Ramalho montaram a Tecla Filme, que produziu em 1968 o primeiro longa de Francisco Ramalho Jr., Anuska, manequim e mulher. "Desde então, dirigi sete longas-metragens e produzi para outros cineastas. Mais tarde, liguei-me ao Hector Babenco, e trabalhamos juntos até hoje", contou ele. O primeiro longa de João Batista de Andrade, Gamal, o delírio do sexo, também saiu em 1968. Hoje, dividindo seu tempo entre São Paulo e Goiás, onde está montando a OS Filme, Andrade termina seu 11º longa, O tronco, épico baseado na obra homônima de Bernardo Elis. O filme tem no elenco Antônio Fagundes, Letícia Sabatella e Chico Diaz e deve estrear em julho. O primeiro longa de Tonacci, Bang bang, veio em 1971. Desde então, ele vem dirigindo e produzindo documentários, programas para TV e até publicidade. Na Extrema Produções Artísticas, empresa que ele criou em 1990, está em andamento um filme de uma hora produzido para TV, sobre a Escola de Samba Nenê de Vila Matilde. Embora a opção pelo cinema tenha sido definitiva, os três engenheiros vêm enfrentando as dificuldades crônicas do cinema nacional. Em número de longas-metragens e popularidade, João Batista de Andrade é o mais bem-sucedido, e nem por isso passou incólume às turbulências econômicas. "Quando veio o Plano Collor, eu fiquei com dinheiro bloqueado e perdi uma co-produção internacional, para filmar a história do Vlado (jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura militar)." Também não seduz o cineasta a atual euforia com o relativo sucesso de Central do Brasil. "Faço cinema há 36 anos e em nenhum momento eu pude deixar de lutar para produzir, distribuir e exibir. Em meio a esse aplauso sem compromisso, o cinema está na maior crise e será um ano de poucas produções", rechaçou. "Eu mesmo tenho um projeto de longa, mas está muito difícil conseguir patrocínio. O final de 1998 foi muito pobre e é nesse período que se define a verba das empresas que será destinada às leis de incentivo cultural como a do Audiovisual e a Rouanet", reforçou Francisco Ramalho. "O problema é que o cinema brasileiro não tem mercado, ou leis que o defendam", avaliou. "Faz cinco anos que estou tentando desenvolver longas e não consigo o dinheiro necessário", testemunhou Tonacci. Para ele, ao contrário do que se apregoa, o momento é um dos piores. "Essas leis de incentivo não me ajudaram e não sei se fizeram algo pelo cinema brasileiro. Esse aumento de popularidade não revelou nada de inovador, só criou mais um produtinho da chamada arte internacional."
| ||