MOMENTO CRÍTICO 


O BRASIL QUE REAGE

É esse o país que tem resistido e pode superar os desmandos nacionais. A tenacidade dos momentos difíceis pode, e deve, estar presente nas campanhas salariais em andamento.


Há, hoje, no Brasil, dois países que coexistem contraditoriamente: o da bolha de otimismo de que "o pior já passou", das Bolsas de Valores, da cotação dos dólares em queda, dos agiotas e dos especuladores e o país da realidade, com recessão e desemprego, juros astronômicos, falência dos serviços públicos (até mesmo os privatizados), criminalidade e carestia e o "pavor nacional do dia de amanhã".

A bolha se enche e se mantém de nada, de quase nada, de propaganda. E pode, a qualquer momento, estourar em milhares de pedaços, em chicolopes mortíferos.

Os brasileiros do país da realidade se esforçam por compreender e, ao começar a entender, recomeçam a lutar, a esbravejar e até conseguem diminuir os descalabros.

Durante os últimos 100 dias, passado o período da angustiada, perplexa e paralisante inação do governo, tudo voltou a ser feito para garantir o que já era. É só consultar o recente acordo com o FMI e comparar com as diversas iniciativas do governo. Tudo, com a óbvia exceção do abandono da "âncora cambial", foi feito no mesmo sentido do que já vinha ocorrendo. Apesar do "susto", foram mantidas e aprofundadas as orientações fundamentais. Pode-se dizer, elogios a e ironicamente, que o governo se manteve.

Se a inflação reaparece, os brasileiros que aprenderam a abominá-la começam a enfrentar a carestia. E embora ainda não tenham compreendido claramente que o caminho indicado pelo governo — o da recessão —, apenas adia ou difere o conflito distributivo, causando enormes perdas, entendem que não são os responsáveis pelo monstro; são suas vítimas e não querem continuar indefesos.

E quando percebem novas possibilidades, lutam por elas. Aconteceu na Acil, empresa fabricante de bancos para automóveis, onde o acordo provisório de redução da jornada com diminuição do salário foi rompido, visando a normalidade, quando as encomendas aumentaram. E aconteceu na GM, onde os trabalhadores recusaram-se a fazer horas extras enquanto 619 colegas estavam encostados no lay-off.

Alguns exemplos de tenacidade, que se projetaram no tempo, são emocionantes: a resistência maciça dos metalúrgicos da Ford contra as dispensas e a encarniçada batalha do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo contra as demissões na Metropolitana, que violam o acordo coletivo.

Algo dessas possibilidades entrevistas e tenacidades emocionantes pode vir a acontecer nas próximas negociações salariais.

Faz parte da secular história do movimento sindical dos trabalhadores a luta por salários nominais, contra perdas. Já surgiram, das mais diversas entidades e categorias de trabalhadores as posições que confirmam essa resistência e essa luta, sob a forma de reivindicação de gatilho, semestralidade ou reajuste automático.

Como a luta se dará concretamente depende da correlação real das forças, da situação objetiva dos setores e da experiência dos dirigentes e dos trabalhadores.

A essas táticas deve-se associar uma estratégia de fôlego, capaz de fazer convergir o movimento para objetivos mais gerais. Em lugar de, por exemplo, tentar resolver abstratamente o problema, o conjunto de direções sindicais e os dirigentes políticos responsáveis devem se preocupar com a famigerada MP 1.750-48, que proíbe qualquer reajuste automático de salários e entrega ao presidente do TST o poder do efeito suspensivo. O Congresso Nacional que, durante quatro longos anos, não examinou essa medida provisória precisa ser desafiado agora, apoiado pelas sucessivas e diversificadas lutas dos trabalhadores a discuti-la e a rejeitá-la, abrindo caminho estratégico que dê amparo às reivindicações dos trabalhadores, no que diz respeito à proteção do valor real dos salários.

 

João Guilherme Vargas Neto

Assessor Sindical

 

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