Presidentes de TRTs paulistas contrapõem ampliação de competência da
Justiça do Trabalho à sua extinção
Jornal do Engenheiro:
Qual a sua opinião sobre a reforma do
Judiciário em apreciação pelo Congresso Nacional?
Floriano Vaz da Silva:
Sem dúvida, a reforma era necessária. Claro que as propostas de diversas
entidades ou pessoas não são coincidentes, mas está havendo um esforço
extraordinário para se verificar quais as principais, mais urgentes e
necessárias.
JE: Nesse contexto, as
opiniões são especialmente controversas sobre a Justiça do Trabalho, que pode
ser extinta. O que o senhor pensa sobre as propostas que estão sendo
discutidas?
Vaz da Silva: Há
esperanças e temores e cabe um alerta quanto às propostas de extinção ou
mutilação do Judiciário Trabalhista. Quanto à mais importante das críticas
feitas à Justiça do Trabalho, a sua morosidade, é preciso lembrar que o
problema decorre de diversos fatores, entre os quais a legislação processual
que permite uma imensa quantidade de recursos, a falta de verbas para o bom
funcionamento dos órgãos de primeira instância, a crise social e o
desemprego. É claro que há necessidade de reformas, tais como a proibição ao
nepotismo, a adoção de mecanismos que promovam a agilidade processual, a
limitação das custas, o reexame do número da composição e da competência
dos tribunais. Contudo, muitos dos críticos mais virulentos, ao que parece,
ignoram o conceito primordial que a Justiça do Trabalho encerra, de promoção
da paz social em terreno tão propício ao litígio como o das relações de
trabalho. Num país como o Brasil, o fim da Justiça do Trabalho atenderia
somente ao desejo daqueles que a desaprovam não pelos seus defeitos, mas pelo
papel de solucionar os graves choques entre trabalhadores e patrões. A Justiça
do Trabalho que desejamos não é do patrão, do empregado ou dos juízes, mas
da coletividade. Deve ser aprimorada e não destruída.
JE: No que diz
respeito à mutilação da Justiça do Trabalho, o principal alvo é o seu poder
normativo. Qual a sua visão sobre isso?
Vaz da Silva: Eu sou
contrário ao fim do poder normativo. Se acabar, o trabalhador não terá um
órgão especializado a quem apelar. Se não houver poder normativo, quem vai
solucionar os conflitos? Vai vigorar a lei do mais forte? A Justiça é uma
solução imperfeita, mas é melhor do que o que ocorreria na sua ausência. A
proposta do acordo para dissídio é um meio termo entre a solução de
simplesmente extinguir o poder normativo e a de mantê-lo como está. É uma
idéia, mas me parece uma solução ilógica, porque quem não quisesse negociar
também poderia bloquear o processo, evitando o dissídio. É melhor que o poder
normativo possa ser exercido mesmo quando apenas uma das partes requerer ou o
Ministério Público ajuizar.
JE: E quanto ao juiz
classista, o senhor defende a sua extinção?
Vaz da Silva: Nas
atuais circunstâncias, talvez a melhor solução seja a extinção do juiz
classista, porque há mazelas muito difíceis de corrigir. Contudo, há prós e
contras em relação a isso também.
JE: O senhor é
favorável à ampliação da competência da Justiça do Trabalho, como chegou a
ser sugerido durante a discussão da reforma do Judiciário?
Vaz da Silva: Em tese,
sou favorável à ampliação de competência, apenas receio que não tenhamos
meios materiais suficientes, porque há uma distorção na estrutura, que tem
juntas ociosas e outras sobrecarregadas. Nas grandes capitais, por exemplo, o
movimento é extraordinário. Nós, juízes, precisaremos nos preparar cultural,
intelectual e psicologicamente para enfrentar essas novas realidades.
JE: Qual a sua
opinião sobre a CPI que investiga irregularidades no Judiciário?
Vaz da Silva: Eu reconheço que ela
tem o papel positivo de trazer ao conhecimento público problemas extremamente
graves, que não podiam permanecer na penumbra ou embaixo do tapete. Contudo,
mantenho as críticas às motivações eleitoreiras dos senhores senadores,
inclusive daquele que foi considerado o pai da CPI.
Floriano Vaz da Silva Presidente
do Tribunal Regional do Trabalho — 2ª Região. Na Magistratura desde
1961, foi professor da Universidade de São Paulo e é autor do livro
Direito Constitucional do Trabalho. O Tribunal abrange a Capital, Grande
São Paulo e Baixada Santista, somando 141 Juntas de Conciliação e
Julgamento (1ª instância da Justiça do Trabalho).
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Propostas que tramitam no Congresso
Diversas mudanças
são sugeridas para a Justiça do Trabalho, seja no âmbito da reforma do
Judiciário ou em projetos que tramitam paralamente no Congresso. Proposta
entregue pelo relator da Comissão Especial prevê extinção do Juizado
Especializado. Os presidentes dos TRTs de São Paulo, Floriano Vaz da
Silva, e de Campinas, Eurico Cruz Neto, criticaram a idéia e defenderam a
ampliação de competência.
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A primeira das grandes mudanças previstas na Justiça do
Trabalho passou em segundo turno pelo Senado no dia 27 de maio último.
Foi a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 63/95, que extingue a figura do
juiz classista e reduz de 27 para 17 o número de ministros do Tribunal Superior
do Trabalho. A proposta segue agora para votação na Câmara dos Deputados.
Além dessa, diversas questões tramitando pelo Congresso Nacional podem alterar
a estrutura do Juizado Especializado. A proposta entregue pelo relator da
Comissão Especial da Câmara que analisa a reforma do Judiciário, Aloysio
Nunes Ferreira (PSDB-SP), contém a mais drástica das mudanças sugeridas. Por
ela, a Justiça do Trabalho será extinta e absorvida pela Justiça Federal. O
relatório altera a PEC 96-A/92, de autoria do deputado federal Hélio Bicudo
(PT-SP), que, no âmbito da Justiça do Trabalho, mudava os artigos 111 e 112 e
suprimia os 113 e 115 da Constituição Federal. Basicamente, essa tratava da
nomeação dos juízes do Trabalho e da instituição de Tribunais Regionais do
Trabalho, assegurando pelo menos um em cada estado. Entre as propostas recebidas
pela Comissão, visando a mutilação do Juizado Especializado, estavam o fim do
seu poder normativo e a extinção do Tribunal Superior do Trabalho, também
consideradas contrárias aos interesses dos trabalhadores.
Vários desses assuntos, além de estarem presentes na
discussão da reforma, são tema ainda de projetos de lei apresentados
separadamente pelo governo com a intenção de agilizar as mudanças na Justiça
do Trabalho, de acordo com o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar). O PL 4.691/98 revoga artigos da Consolidação das Leis do
Trabalho, sobre a organização sindical; o 4.692/98 acrescenta os artigos 852-A
e seguintes à CLT, instituindo o procedimento sumaríssimo no processo
trabalhista; o 4.694/98 dispõe sobre as Comissões de Conciliação Prévia; o
4.695/98 altera os artigos 789 e 790 da CLT, que trata de custas e emolumentos
da Justiça do Trabalho; e o 4.696/98 dispõe sobre execução na Justiça do
Trabalho.
Além desses, continua no Congresso a PEC 623/98, de autoria do ex-ministro
do Trabalho Edward Amadeo, que trata da organização sindical. Apesar dos
protestos da imensa maioria dos representantes dos trabalhadores, que consideram
a idéia um golpe contra o sindicalismo, o governo não pretende retirá-la da
Câmara dos Deputados. Pelo contrário, conforme informou em audiência à
Frente Parlamentar e de Entidades Sindicais em Defesa da Organização Sindical
e do Emprego, o atual ministro Francisco Dornelles pretende desmembrar a
PEC em três projetos de lei para facilitar a sua aprovação. Um tratará da
estrutura, que o Executivo deseja plural e por empresa; outro do custeio das
entidades, limitando as contribuições apenas aos associados; e o terceiro
extinguindo o poder normativo da Justiça do Trabalho.
Jornal do Engenheiro: Qual
a sua opinião sobre a reforma do Judiciário em apreciação pelo Congresso
Nacional?
Eurico Cruz Neto: Evidentemente,
a reforma era necessária, porque o sistema brasileiro é complexo. Eu creio que
seja importante porque propiciará ao legislador repensar o modelo judiciário.
Mas está havendo uma grande falha, que é o fato de estarem tentando fazê-la a
toque de caixa. Além disso, não se ouviu o parecer de qualquer dos grandes
juristas brasileiros sobre as diversas questões.
JE: Nessa discussão,
as opiniões são bastante controversas sobre a Justiça do Trabalho.
Cruz Neto: Todas as
leis surgem para proteger os trabalhadores contra os excessos do capital. Hoje ,
o Direito do Trabalho está sendo ditado por fatores externos a ele, por
exemplo, a ordem econômica internacional. O Fundo Monetário Internacional é
uma entidade que atua para condicionar o sistema jurídico trabalhista
brasileiro aos seus interesses. As fontes do Direito, com isso, visam reduzir o
custo do trabalho no preço final dos produtos.
JE: E é isso que
origina a proposta do fim do poder normativo da Justiça do Trabalho?
Cruz Neto: Esse é um
caso típico. O exercício do poder normativo ou a faculdade que o Judiciário
tem de dar aumentos salariais ao trabalhador, de reconhecer esse direito, não
interessa à ordem econômica internacional, porque ela perde a capacidade de
controlar o custo da mão-de-obra.
JE: O juiz classista
parece estar com os dias contados. O senhor também defende o seu fim?
Cruz Neto: Para se
alcançar a missão conciliatória da Justiça do Trabalho, é muito importante
a participação do classista. Eu creio que essa representação deva ser
aproveitada e aperfeiçoada. Nós podemos criar critérios objetivos para
escolher melhor, exigir determinada experiência, preparo.
JE: O que o senhor
acha da proposta que extingue a Justiça do Trabalho?
Cruz Neto: A Justiça
Especializada existe e funciona em vários países, incluindo Alemanha e
Grã-Bretanha. O grande problema no Brasil é que a opinião pública é
enganada e manipulada, levada a equívocos tremendos sobre as instituições.
JE: Por outro lado,
chegou-se a discutir a ampliação da sua competência.
Cruz Neto: Seguramente,
existem questões que deveriam passar para a competência da Justiça do
Trabalho. Por exemplo, o reconhecimento e definição de qual entidade sindical
representa uma determinada categoria. Também as questões relativas a acidentes
do trabalho, que envolvem dano moral, assim como a prevenção contra a Lesão
por Esforços Repetitivos. Eu acho que essa é a tendência do Judiciário
Trabalhista.
JE: Esse aumento de
demanda não poderia agravar ainda mais a morosidade da Justiça?
Cruz Neto: É preciso
lembrar que o fator principal da morosidade é o processo trabalhista. A parte
que está perdendo, em geral o empregador devedor, tem 19 oportunidades de
recorrer. Mesmo após passar por todas as instâncias, o processo estar
transitado e julgado, a pessoa pode entrar com uma ação rescisória. Isso é
uma herança da cultura lusitana no nosso sistema jurídico. Não depende da
reforma do Judiciário, mas da mudança da legislação do Direito Processual.
JE: Qual a sua
opinião sobre a CPI que investiga o Judiciário?
Cruz Neto: Evidentemente, existem
erros, como em todos os poderes, e eu creio que no Judiciário há bem menos.
Além disso, está havendo exploração política. Por exemplo, esse caso da 2ª
Região já vem sendo apurado há mais de dois anos pelo Ministério Público e
pela Justiça Federal. No entanto, o Senado está agindo como se a iniciativa de
apreciar as irregularidades fosse sua. Como magistrado, eu aceito tudo isso. Se
tivesse que depor, iria tranqüilamente, jamais usaria o tal dispositivo
constitucional que permite que o juiz fique calado.
Eurico
Cruz Neto
Presidente do Tribunal Regional do Trabalho — 15ª Região. É professor
de Direito da PUC-Campinas, oriundo do Ministério Público da Justiça do
Trabalho, onde ingressou em 1982. O Tribunal abrange Campinas e os demais
municípios do Interior, somando 124 Juntas de Conciliação e Julgamento
(1ª instância da Justiça do Trabalho).
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