CADÊ O CREA?

 

Conselho Regional peca pela omissão e não fiscaliza sequer as obras da Capital

O Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) tem o papel precípuo de regulamentar, fiscalizar, orientar, controlar e aprimorar o exercício das profissões que congrega, bem como defender a sociedade de pessoas não-habilitadas para tanto ou de maus profissionais. Para dar conta da tarefa, dispõe, neste ano, do nada desprezível orçamento de R$ 16,2 milhões, oriundos da anuidade compulsória de R$ 90,00 paga por 180 mil profissionais do Estado de São Paulo, que precisam ou ainda acham que vale a pena desembolsar mais essa taxa. Contudo, a atuação do Conselho deixa a desejar e os profissionais sentem na pele a omissão do órgão ao qual estão vinculados obrigatoriamente, para poder desempenhar as funções de sua formação. A reportagem do Jornal do Engenheiro consultou dezenas de engenheiros, atuantes nos diversos setores da economia, para ouvir suas opiniões sobre o Crea-SP. As queixas vão desde a falta de serviços eficientes de informação e requalificação às falhas na fiscalização.O JE também visitou aleatoriamente diversas obras na Capital para verificar se ao menos essa última e principal função estava sendo cumprida. Embora se apregoe que o Conselho privilegia a construção civil em detrimento das outras modalidades, nem a ela está sendo dispensada a necessária atenção.

Interessa tanto à sociedade quanto ao bom profissional que as atividades sejam exercidas por pessoas capazes e em número suficiente. Àquela é uma garantia de segurança, a esse a certeza de não ter o seu lugar no mercado de trabalho ocupado por quem não está apto a isso. Infelizmente, o órgão não vem atendendo a nenhum dos anseios e, sejam os engenheiros da indústria, consultoria, construção civil, empresas públicas ou privatizadas ou até autônomos, a ausência do Conselho no seu dia-a-dia é a grande marca do Crea. A maioria só se lembra de ter comparecido a um dos postos de atendimento quando se graduou, para conseguir sua carteira com o número do registro profissional. Alguns ainda têm uma relação mais próxima e lembram-se do órgão quando têm que recolher ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) ou CAT (Certificado de Acervo Técnico). Mesmo esses vêem-se mais cumprindo uma obrigação burocrática e financeira que utilizando um serviço à sua disposição.

E até os poucos profissionais que se dizem satisfeitos com o trabalho que o Conselho desenvolve não deixam de mencionar a necessidade de a fiscalização ser intensificada. Os mais críticos vão direto ao ponto e atestam: muitas obras não são projetadas ou executadas por engenheiros por falta de fiscalização. Ou seja, falta trabalho, porque a impunidade permite que os responsáveis por empreendimentos civis contratem menos engenheiros do que deveriam, agravando o já estrangulado mercado. Quem se sente mais relegado ao descaso é o profissional do interior do Estado, que reivindica maior atenção do Conselho.

Outro ponto freqüentemente presente ao se discutir o desempenho do Crea é a total falta de iniciativas voltadas à valorização profissional. Para os engenheiros, seria bastante razoável que o Conselho realizasse palestras com a participação de empresários, organismos oficiais e prefeituras. Quem mais se ressente dessa carência são os autônomos, que, com freqüência, recolhem a ART. Nesse grupo, há um consenso de que a atuação está bastante aquém do esperado, especialmente levando-se em conta a alta arrecadação. A necessidade de requalificação profissional, com ênfase nas novas tecnologias, é fundamental, lembram eles, até para os recém-formados que muitas vezes saem das escolas sem o devido preparo, o que dificulta que consigam uma colocação. E como as mudanças e avanços não atingem apenas os novatos, torna-se essencial um trabalho também voltado à recolocação no mercado.

Mais um consenso entre os engenheiros ouvidos é que todas essas idéias só serão postas em prática quando houver uma real mudança nos rumos do Conselho. Basicamente, esperam-se duas medidas: que o Crea se desburocratize e se volte para o atendimento aos profissionais.

Obras à deriva

Uma das grandes críticas ao Crea-SP sempre foi a de concentrar recursos e iniciativas na construção civil, deixando de lado as demais modalidades, hoje em franca expansão. Contudo, até mesmo aí, verifica-se a omissão, já que nem as obras da Capital estão merecendo atenção e falta fiscalização. Num passeio pela cidade de São Paulo, é praticamente impossível não encontrar obras sem placa, embora seja obrigatório a sua fixação em local visível, com o nome e o número do Crea do engenheiro responsável. Só isso já mostra a falta de hábito dos empreendedores de receber a visita do Conselho e a despreocupação com eventuais autuações.

Porém, a presença da placa não é garantia de que um fiscal do Crea tenha passado por certa obra. Mesmo naquelas localizadas nos bairros mais próximos da região central da cidade, como Vila Mariana, Jabaquara, Praça da Árvore, Moema, Vila Nova Conceição, Pinheiros, Vila Romana, Pompéia, Lapa e Santana, visitadas pela reportagem, ninguém nunca havia tido notícias da fiscalização do Conselho. Isso embora se lembrassem muito bem de ter recebido representantes do Ministério do Trabalho. A situação se confirmou até a menos de um quilômetro da sede do Crea-SP, em construções em fases já bastante adiantadas, que nunca foram verificadas pelo órgão. Na periferia, mais difícil de chegar, o cenário agrava-se ainda mais, com a proliferação de pequenas obras feitas sem profissional habilitado ou condições adequadas de segurança. Essas também seguem livres do Conselho, até que o pior aconteça.

Críticas antigas

Para o ex-presidente do SEESP, Esdras Magalhães dos Santos Filho, que disputa a Presidência do Crea-SP neste ano, esse quadro demonstra que o órgão deixou de fazer aquilo para o qual foi criado: fiscalizar o exercício da profissão. Na sua opinião, além disso, a situação indica que há espaço no mercado de trabalho a ser ocupado por quem é competente, caso o Crea exerça a sua função básica. No que diz respeito ao distanciamento entre os profissionais e o Conselho, Esdras lembra que já é bastante conhecido o fato de os engenheiros das indústrias ou grandes empresas não terem qualquer interação com o Crea, devido à omissão do órgão em relação a eles. No caso daqueles que precisam recolher ART ou CAT, sobram reclamações. "Essas críticas ao Crea-SP são antigas, há pelo menos 17 anos discutimos a profissão e o Conselho. Desde essa época, defendemos a necessidade de resgatar suas finalidades legais. Se antigamente isso já era grave, hoje as mudanças nas relações de trabalho, com a globalização, às vésperas da entrada no Mercosul (Mercado Comum do Sul), fazem com que todos os profissionais sintam mais ainda a ausência de uma instituição forte, compromissada com o seu futuro", ressaltou. Daí a urgência de "termos capacidade de recuperar o tempo perdido. Está em jogo o futuro das nossas profissões e o nosso mercado de trabalho", alertou Esdras. Tal preocupação levou Esdras à disputa eleitoral deste ano, com o objetivo de abrir o debate junto aos profissionais e entidades associativas. Segundo ele, a proposta é assumir compromissos que venham ao encontro dos anseios das categorias ligadas ao Sistema Confea/Creas, como a necessidade de atualização profissional e, claro, a garantia de fiscalização.

Definindo programa

Com um cronograma que inclui visitas a 200 municípios e 100 empresas, Esdras Magalhães dos Santos Filho, candidato à Presidência do Conselho, está discutindo problemas e levando idéias, visando traçar um programa para o Crea-SP que possa revitalizálo e fazê-lo contribuir efetivamente para o sucesso dos profissionais. Para tanto, quatro "idéias-força" começam a ser delineadas. São elas: fazer o Crea voltar a funcionar, fiscalizando o exercício profissional e principalmente de leigos; ampliar o mercado de trabalho e garantir qualidade e segurança para a população; discutir e intervir no debate do trânsito de profissionais no Mercosul (Mercado Comum do Sul) e na Alca (Área de Livre Comércio das Américas); discutir e contribuir para a geração de emprego e renda aos profissionais e promover a reciclagem tecnológica.

Também começam a se delinear quatro ações de gestão, para implantação imediata, com poder de revitalizar o Crea-SP. São elas: ampliar a descentralização e a democratização do conselho, transformando as inspetorias em creas distritais, com autonomia e recursos; conferir mais poder às CAFS (comissões auxiliares de fiscalização); dar autonomia às câmaras profissionais e criar as temáticas - de saneamento básico, energia, transporte, telecomunicações, autônomos, entre outras.

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