COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA

 

Cobrança pelo uso da água tem apoio, mas recebe dois substitutivos e 102 emendas

Tramita na Assembléia Legislativa, podendo entrar em votação a qualquer momento, o Projeto de Lei 20/98, que prevê a cobrança pelo uso dos recursos hídricos sob domínio do governo do Estado de São Paulo. A idéia básica é que os usuários diretos (serviços de água e esgoto, indústrias localizadas fora da rede pública de distribuição e coleta, irrigantes e outros) paguem pela água captada e por lançamentos de efluentes. A cobrança proposta pelo governo do Estado faz parte do SIGRH (Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos) e está prevista na Constituição Federal de 1988, na Estadual, de 1989, e remonta a leis mais antigas, como o Código de Águas, de 1934. Na essência, o tema é consenso entre situação e oposição, que estão de acordo com a instituição da nova fonte de verbas para investimento exclusivo no setor, sem prejuízo da já existente previsão orçamentária do governo. Há, contudo, suficientes pontos polêmicos para gerar dois substitutivos e 102 emendas.

O principal alvo dos parlamentares foi exatamente a divergência que marcou o debate prévio sobre a cobrança: quem arrecada e como se distribui o dinheiro. O sistema de recursos hídricos de São Paulo é administrado de maneira descentralizada por meio dos atuais 20 Comitês de Bacias Hidrográficas. Compostos por representantes da sociedade civil, Estado e municípios, esses órgãos elaboram o Plano Regional de Recursos Hídricos, definindo quais obras são necessárias para aproveitamento e controle da água na bacia hidrográfica, e deliberam sobre a aplicação dos recursos financeiros do Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos) destinado à região. Entre os que efetuaram a minuta do projeto de lei, as secretarias de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras e do Meio Ambiente e a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) defendiam que cada comitê investisse o dinheiro onde foi arrecadado. Os representantes do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) propunham que, por intermédio desse, o Estado ficasse com parte do recurso arrecadado para aplicá-lo onde houvesse necessidade de investimentos, não importando a sua origem. "Se concentrar o recurso na bacia onde foi arrecadado, dificilmente vai se investir em programas de alcance estadual", afirmou Márcio Corrêa Ribeiro, assistente técnico da Diretoria de Engenharia e Obras do DAEE. Na outra ponta da polêmica, o secretário Antônio Carlos Mendes Thame foi taxativo: "É fundamental que o recurso seja investido na bacia onde foi arrecadado, independentemente de quem administre." Essa última é a tese contemplada no projeto de lei. No entanto, a controvérsia transferiu-se para a assembléia e um dos substitutivos e várias entre as emendas propõem a idéia do DAEE.

O artigo 4º do PL 20/98, que propõe a cobrança de todos os usuários, foi outro a merecer destaque. Recebeu, de acordo com estudo da Assessoria de Meio Ambiente da Liderança do PT na Assembléia, 23 emendas, sugerindo isenções e taxação reduzida para determinados setores, especialmente pequenos produtores agrícolas.

Falta discussão

Outro problema em torno do projeto de lei é justamente a falta de divulgação e debate da idéia. Em primeiro lugar, continua desconhecido da população o conceito de usuário pagador utilizado na proposta. Quem recebe a conta mensal da Sabesp ou das prefeituras, em geral, acredita já estar sendo taxado pelo uso da água. "Mas hoje se arca apenas com o seu tratamento e transporte", ressaltou a assessora de Meio Ambiente da Liderança do PT na Assembléia, Cláudia Victor. "É consenso que se faça a cobrança, mas a mudança é complexa e vai interferir no cotidiano das pessoas, das empresas. Portanto, esse projeto não pode ser votado sem discussão", afirmou.

O receio da assessora se baseia na trajetória do projeto. Há um ano e meio na Assembléia, o assunto não passou sequer pela Comissão de Constituição e Justiça, parada obrigatória de qualquer proposição, tampouco pelas de Meio Ambiente e Finanças, cujos pareceres também seriam necessários para encaminhamento ao plenário. No entanto, pelas regras da casa, como há um pedido de urgência do governador Mário Covas, de 19 de março de 1998, todos os prazos estão vencidos e o assunto está pronto para a ordem do dia. Isso significa que, dependendo apenas de acordo entre as lideranças partidárias, o tema pode ser votado a qualquer momento. Ribeiro, do DAEE, compartilha da opinião: "O projeto deveria ser mais debatido e divulgado. Entre as emendas, há algumas bastante modernizadoras, mas muitas extremamente corporativas." Já o secretário de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras, Mendes Thame, que se empenha para que o projeto passe pelo crivo dos parlamentares no segundo semestre, acredita que o tema tenha sido tratado a contento. "Os Comitês de Bacias debateram longamente esse assunto. Os deputados foram eleitos ouvindo suas bases e conhecem essa sistemática."

Implantação

Apesar das controvérsias e ainda que o projeto seja sancionado em 1999, é pouco provável que a cobrança seja implantada no próximo ano. Em primeiro lugar, para facilitar a sua aprovação, o projeto de lei tem um caráter genérico. "Todas as especificidades foram deixadas para a regulamentação, até para simplificar a sua aplicação, de acordo com as diferenças de cada região", informou Ribeiro. Segundo ele, em princípio, se o projeto fosse aprovado no final de 1997, quando foi elaborado, a idéia era que a cobrança tivesse início no ano 2000.

Saber quanto a cobrança vai render ao Estado também está condicionado a diversos fatores, incluindo a própria lei que sairá da Assembléia, a qual pode reduzir a previsão de arrecadação, a definição de quais são os recursos hídricos realmente sob domínio estadual, já que rios de fronteira pertencem à União, e o preço a ser instituído pelos Comitês de Bacias. Estudo de simulação elaborado pelo CNEC/Fipe, desenhado em um horizonte otimista, indicava o montante de até R$ 500 milhões por ano. "Mas é preciso lembrar que isso é um exercício absolutamente virtual", insistiu Ribeiro. Para o bolso do usuário, por sua vez, a estimativa, baseada no faturamento da Sabesp na Região Metropolitana de São Paulo, apontava para um impacto de 8%. "Ampliado, ganhou o carimbo de 10%, mas pode ser maior ou menor, dependendo da faixa de consumo", completou o assistente técnico do DAEE.

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