ENGENHEIROS UNEM MILITÂNCIA SOCIAL À 
PROFISSÃO E TROCAM EMPRESAS POR ONGS



Já colocado como oitavo no ranking das maiores economias do mundo, o chamado terceiro setor, que congrega instituições sem fins lucrativos, conquistou também mui­tos engenheiros para os seus quadros. Seja como empregados contratados ou prestado­res de serviços, esses profissionais decidiram unir sua vocação e seu conhecimento aos princí­pios e valores sociais. É o caso do engenhei­ro civil José Caçula da Silva Júnior, que pres­ta serviço à Caap (Centro de Assessoria e Autogestão Popular). Já tendo trabalhado com moradia popular como funcionário da Cohab de Santos, para ele a motivação principal é a identificação com o projeto. “Você vê as pessoas fechando os olhos e imaginando como será a casa delas. Não tem o que pague isso.” Essa satisfação, segundo Caçula, ajuda a enfrentar as dificuldades inerentes a um projeto de mutirão, incluindo a mão-de-obra  não-qualificada e os finais de semana longe da família, já que os mutirantes constróem nos seus dias livres.

Atualmente ele trabalha em duas obras financiadas pelo CDHU e em uma pela Prefeitura de São Paulo, todas na Zona Leste da Capital e, tecnicamente, não vê diferenças nesse tipo de empreitada. “Porém, requer maior flexibi­lidade. É preciso convencer a pessoa a trabalhar para ela mesma. No começo, todo mundo está com pique, mas depois de dois anos pegando no pesado fica difícil”, contou.

Ajudar pessoas a erguer do chão o seu sonho da casa própria não é o único objetivo de seu trabalho, acredita Caçula. “A gente mostra para eles que conseguiram o seu teto porque se organizaram e reivindicaram junto ao Estado um direito que lhes cabia. Com isso, passam a se inserir na sociedade como cidadãos e podem continuar a pleitear aquilo que lhes é devido. Isso não tem nada a ver com engenharia, mas faz parte de um trabalho como esse”, concluiu.

Empregada do Greenpeace do Brasil, a engenheira agrônoma Karen Suassuna preparou-se desde a universidade para atuar em uma ONG (Organização Não-Governamental) voltada para as questões ambientais. Formada pela Esalq-USP em 1997, ela acredita que o esforço valeu a pena. “Não foi à toa que eu fiquei seis meses desempregada. Hoje, não estou trabalhando só pela geração de um produto ou de uma renda, mas para o desenvolvimento das pessoas e do meio ambiente.” Há um ano e meio no Greenpeace, Karen coordena parte dos trabalhos no Brasil da campanha da instituição contra a liberação comercial indiscriminada dos alimentos transgênicos.

Ela acredita que o terceiro setor é a solução para quem deseja exercer uma atividade profissional numa área com a qual se identifique. “Agora, nos anos 90,  começa a haver essa mudança; as ONGs estão cada vez mais abrindo as portas e  absorvendo mão-de-obra.”

Na mesma área de atuação, o também engenheiro agrônomo Marcelo Alvim ainda vê algumas dificuldades no terceiro setor. “Os profissionais em si são bastante valorizados, mas as ONGs ainda não têm tanto reconhecimento dos governos ou setores produtivos”, afirmou.  Alvim presta serviços para a Vale Verde – Associação em Defesa do Meio Ambiente, voltada para as questões ambientais no Vale do Paraíba, incluindo qualidade do ar, água, vegetação e preservação da cultura da região.

O grande desafio, na avaliação de Alvim, é que a entidade consiga verba nas diversas linhas de financiamento para desenvolver seus projetos. Como a idéia ainda não é muito simpática ao empresariado nacional, a ação fica limitada. “No Primeiro Mundo, há empresas que não dariam dinheiro ao governo, mas sim a uma ONG. Para essa mentalidade vir para o nosso país, ainda vai demorar”, lamentou.

Contudo, os percalços não o fazem desanimar do caminho que escolheu. “Foi uma opção por fazer algo que contribuísse com a sociedade”, garantiu.  Na Vale Verde desde 1997, Alvim já atuou na Associação em Defesa da Juréia e nas Prefeituras de Jacareí, São Sebastião e Ubatuba. Em 1998, trabalhou como consultor da ONU (Organização das Nações Unidas) no programa de despoluição da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.

Se o terceiro setor representa um mer­cado de trabalho bastante atraente para os profissionais, esses também são vali­o­sos pa­ra as instituições, que dei­xam de ficar à mer­cê do voluntarismo. “Isso é muito importante e nós temos lutado há algum tempo para profissionalizar as entidades”, confir­mou o engenheiro Edmundo Carlos de Andrade Carvalho, sócio-fundador da Vale Verde e atual colaborador da associação. Segundo ele, ainda que não seja possível ter toda a mão-de-obra contratada, é fundamental que haja gente para coordenar os proje­tos e tocar o dia-a-dia.

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