FALTAM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOBRA LIXO NO MUNICÍPIO |
Desperdício.
Essa é a palavra que melhor define a situação do lixo nosso de cada
dia. Conforme o professor e pesquisador do Núcleo de Políticas e
Estratégias da USP, Sabetai Calderoni, o País deixa de ganhar R$ 4,6
bilhões por ano ao não destinar adequadamente os detritos que produz.
Autor do livro "Os bilhões perdidos no lixo", para chegar a
esse montante, ele analisou diversos aspectos, como a economia de energia
quando, ao invés de se usar matéria-prima virgem, recicla-se.
"Estudei o plástico, vidro, alumínio, aço, papel e papelão,
presentes em maior percentual no lixo domiciliar (70% dos inorgânicos).
Tal volume vai para os aterros sanitários, que já estão saturados e em
São Paulo representam um gasto diário para a Prefeitura de R$ 18,00 a
tonelada (R$ 2,00 a mais do que o oficialmente divulgado). Tem um
ganho também em controle ambiental e em divisas para o País",
esclareceu. Segundo estima o pesquisador, este município gasta aproximadamente R$ 1 bi para o transporte e disposição do lixo. De acordo com informação da assessoria de comunicação da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura, são coletados diariamente na cidade 12.800 toneladas de resíduos domiciliares e desse total, não chega a 1% o volume destinado à reciclagem, via coleta seletiva. O baixo índice se justifica ao se observar a estrutura implantada na cidade atualmente para esse fim. Dados obtidos no Limpurb (Departamento de Limpeza Urbana) indicam haver 17 PEVs (Postos de Entrega Voluntária), containers coloridos instalados em locais como o Parque Ibirapuera para o depósito dos materiais reaproveitáveis, e 24 circuitos porta a porta, nenhum abrangendo a zona leste. "Eram 32 na gestão da prefeita Luiza Erundina, quando o programa foi criado", admitiu José Godofredo da Silva Gabi, diretor da Divisão Técnica de Compostagem do Limpurb. Com a chamada megalicitação, de acordo com o engenheiro Charles Vittorio Antonio Mirante, assistente técnico dessa divisão da Prefeitura, está programada uma grande ampliação no sistema. Porém, não há previsão de quando isso vai acontecer. Quanto aos PEVs, além de insuficientes, vêm sendo retirados gradativamente. Ao lado do único Centro de Triagem existente em São Paulo – onde é separado para a venda às empresas recicladoras o material proveniente dessa coleta especial, que embora diferenciada, acaba por misturar os produtos em um único caminhão –, adaptado junto à Usina de Compostagem de Vila Leopoldina, encontram-se, conforme o administrador do local, Valter José de Lima, de 100 a 120 desses containers à espera de verba da Prefeitura para ser reformados. "Se eles não tivessem sido estragados, estariam na rua. É muito vandalismo", lamentou. "A solução é não colocar em locais públicos dessa maneira, mas em parques e escolas, onde há seguranças", radicalizou Mirante. Vira-Lata e catadores Coleta seletiva, embora não oficial, é feita ainda pelos catadores de papel. Alguns estão organizados em cooperativas. Uma delas é a Coopamare (Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis), instalada embaixo do viaduto Sumaré com o apoio da OAF (Organização Não-Governamental de Auxílio Fraterno). Fundada em 1989, teve o espaço para seu funcionamento cedido, segundo o seu atual presidente, Eduardo Ferreira de Paula, pela gestão municipal na época. "Hoje, tem uma ação de despejo da Prefeitura, que alega perigo de incêndio. Temos todo o equipamento de segurança contra fogo. Não temos para onde ir e se sairmos daqui, muita gente vai ficar desempregada", enfatizou. O diretor Gabi garantiu que não tinha conhecimento disso. "Há uma lei que os protege. O Limpurb não vai prejudicá-los nunca", assegurou. Atualmente, de acordo com Ferreira, 150 a 200 pessoas tiram o seu sustento graças a esse trabalho. "Cada uma recolhe em média 200kg/dia. Se tudo isso fosse para o aterro sanitário, ele já estaria esgotado", considerou. Também de cunho social, vem gerando trabalho e renda o Projeto Vira-Lata, que começou no ano passado no Jardim Boa Vista, bairro da zona oeste da Capital. "Participam os desempregados da região. O valor arrecadado com a venda do material separado é distribuído entre eles", contou Wilson Santos, um dos seus coordenadores. Calderoni apresenta o resultado de uma pesquisa que demonstra a adesão de 75% da população em projetos como esse e serve de argumento à implantação da coleta seletiva em nível municipal. Energia e meio ambiente Em termos de destinação do lixo, de acordo com o pesquisador da USP, seria ainda possível e viável transformá-lo em energia elétrica, através de um processo de gaseificação que permite também a produção de um composto orgânico de alta qualidade para uso na agricultura. "É o que há de melhor na Europa, ao contrário do veneno feito hoje nas usinas de compostagem existentes na cidade (São Matheus e Vila Leopoldina). Poderíamos trazer essa tecnologia para o Brasil, o que geraria emprego e renda para engenheiros", salientou. Outro projeto com aproveitamento do material orgânico – em São Paulo, metade do lixo domiciliar em média – tem a coordenação da Coonat (Cooperativa Nacional de Tecnologia). "A Prefeitura de Piracicaba solicitou ao engenheiro Lauro de Moraes Faria, diretor da Delegacia Sindical do SEESP na localidade, um trabalho para recuperar uma área degradada. Ele conseguiu obter um produto de alta qualidade, um sólido que pode ser adubo ou ração animal. E o líquido apresentou propriedades inseticidas, herbicidas de folha fina e desodorante de ambientes fétidos tipo fossa. Apresentamos o projeto ao Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, situado na área do Ipem (Instituto de Pesos e Medidas), na USP. Temos apoio desse, do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), do CNEN (Conselho Nacional de Energia Nuclear) e estamos tentando com tais parceiros obter a verba via instituições de apoio à pesquisa para desenvolvê-lo", relatou João Carlos Pasqualini, presidente da Coonat. Em São Paulo, ele acredita que seria possível começar com a macrosseleção, recolhendo as sobras do Ceasa, das feiras livres e restaurantes. "Na cidade, com R$ 200 milhões seria possível destinar totalmente o lixo orgânico. E a Prefeitura deixaria de ter essa despesa com aterro", ressaltou. Tais alternativas, contudo, não são vistas como investimento. As próprias usinas de compostagem, que recebem cerca de 12% do volume domiciliar de São Paulo, são consideradas dispendiosas pela gestão municipal. "A Prefeitura gasta em torno de R$ 22,00 a tonelada para processar o lixo, mas deixa de mandar mais de 50% do que recebe para o aterro. Queremos melhorar a qualidade do composto para aumentar seu valor agregado e provar que isso não é um mal necessário", protestou Lima, administrador da Usina de Compostagem de Vila Leopoldina. Hoje operada pela Vega, essa recebe o lixo domiciliar dos bairros de Pinheiros, Lapa e Butantã. Embora sua capacidade de processamento tenha sido acelerada para atender mil toneladas/dia, quando foi projetada para 60 ao ser construída em 1974, ele garante não estar produzindo "veneno", como afirmou Calderoni. De acordo com Lima, nela e na Usina de Compostagem de São Matheus – operada pela Enterpa (condenada em março último a ressarcir aos cofres públicos cerca de R$ 5 milhões por gastos irregulares com a limpeza, e que irá recorrer da sentença alegando referirem-se as despesas extras a um acréscimo no volume recolhido), à qual é encaminhado o lixo domiciliar de um raio de 10km ao seu redor, que vive a mesma situação –, a perda refere-se à quantidade de rejeitos. "Hoje, tiramos na usina 3 a 5% por mês do reciclável. Com a triagem ideal, acredito que chegaríamos a 20%." O restante vai para os aterros sanitários encontrados na cidade, o Bandeirantes, na zona noroeste, e o São João, na leste. Embora em colapso iminente, segundo o engenheiro João Antônio Fuzaro, assistente executivo da diretoria de controle da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), ambos estão em condições adequadas de funcionamento. Quanto às usinas de compostagem, a de São Matheus não tem registro de multas. E na de Vila Leopoldina, os problemas foram reduzidos. Visando facilitar a triagem do lixo domiciliar, a Prefeitura está com um projeto de distribuição de um saco azul para a separação do material orgânico e outro verde ao reciclável. "O programa-piloto deve ser implantado no Caxingui em 60 dias", constatou Gabi. Separando o lixo úmido do reaproveitável começou a coleta seletiva na cidade, no bairro da Vila Madalena, em 1989. "Distribuíamos uma sacola de papel semanalmente aos moradores de parte da região", lembra o engenheiro Cid Barbosa Lima Jr., na época à frente da Administração Regional de Pinheiros. De acordo com ele, foi feito ainda um trabalho de conscientização. O resultado foi positivo e se expandiu gradativamente para outras regiões. Ao observar a coleta no município atualmente, o engenheiro lamenta: "Perdeu-se o trabalho." A coleta seletiva no Estado Pesquisa realizada pelo Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem) para apurar quais os municípios brasileiros que têm programa de coleta seletiva apontou estar implantado no Estado de São Paulo em apenas cerca de 40. Um deles é Bertioga. "Lá, há um projeto de coleta das pilhas na Riviera de São Lourenço, que são misturadas ao concreto e cimento e usadas para fazer calçamento", relatou o pesquisador dessa entidade, Carlos Grieco. Conforme o secretário do Meio Ambiente da localidade, Paulo Velzi, naquele bairro de classe alta o trabalho é feito pela comunidade há oito anos. "Agora, estou iniciando a educação ambiental nas escolas antes de principiar a coleta seletiva em um popular, prevista para 2001."Também no litoral, em São Vicente, a separação vem sendo realizada há pouco mais de três anos e hoje é feita, segundo o supervisor de Limpeza da Codesavi (Companhia de Desenvolvimento de São Vicente), Wanderly Sarkis Ligotte Júnior, em apenas dez bairros. "Nosso intuito é conseguir instalar em toda a cidade", planejou. Já na vizinha Santos, o diretor do Meio Ambiente da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, engenheiro Rogério Miguéis Picado, garante ser efetuada coleta porta a porta em todo o município, em dias específicos para cada bairro. De acordo com ele, o programa existe há dez anos e foi ampliado na atual administração. No interior, experiências positivas vêm sendo observadas em São José dos Campos e Jundiaí. Na primeira, segundo informações da Urbam (Urbanizadora Municipal), o sistema foi implantado em novembro de 1990 e hoje abrange 80% da cidade. Já na segunda, a coleta seletiva teve início há cinco anos, e vem sendo incrementada gradativamente. "Pretendemos até o final deste ano atingir todo o município", revelou o secretário de Planejamento e Meio Ambiente de Jundiaí, Francisco Carbonari. Em Campinas, a estrutura para a seletiva inclui containers e a coleta de casa em casa em 39 circuitos em turnos diferenciados, bem como nas denominadas comunidades organizadas – grandes condomínios, repartições públicas e algumas empresas. E em Ribeirão Preto, segundo dados da Seção de Resíduos Sólidos do Daerp (Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto), o trabalho, que começou em 1991 e existe em alguns bairros, atinge somente cerca de 9% da cidade. Mais recente é sua implantação no município de Palmital, funcionando desde outubro de 1999, conforme João Adonai de Vasconcellos, do Departamento de Agricultura e Meio Ambiente da localidade. "Tudo começou quando a Prefeitura teve que desativar o lixão e retirar o povo que vivia dos detritos. Aproveitamos a ocasião e implementamos o programa utilizando essa mão-de-obra na triagem do material. Hoje, em 70% da cidade é feita a coleta seletiva", constatou. Na Grande São Paulo, também há iniciativas nesse sentido, a exemplo de Santo André. Nessa última, conforme a assistente do Departamento de Resíduos Sólidos da Semasa (Secretaria de Meio Ambiente de Santo André), Silvia Passarelli, sua implantação era proposta de governo da atual gestão. Hoje, ela informa haver cooperativas incentivadas pela administração municipal e coleta porta a porta atendendo 60% da população, o que totaliza 350 mil habitantes. E promete estender o programa para toda a cidade ainda neste mês. Apesar de louvável a iniciativa, infelizmente ela não retrata a situação do Estado de São Paulo como um todo. Segundo dados do Inventário Estadual de Resíduos Sólidos de 1999, realizado anualmente pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), dos seus 645 municípios, 56,4% têm situação inadequada de destinação final do lixo. "A coleta seletiva é uma meta a ser atingida, mas a primeira é não ter lixão", considerou o engenheiro João Antônio Fuzaro, assistente executivo da diretoria de controle da companhia. |