HABITAÇÃO IRREGULAR É REGRA NA CAPITAL

O Brasil amarga um déficit de 10 milhões de moradias, quase 800 mil no Estado de São Paulo. Na Capital, são cerca de 2 milhões de pessoas morando em favelas e 600 mil em cortiços, segundo dados da Fipe. Além disso, há os moradores de loteamentos clandestinos e de prédios invadidos na área central expandida, onde encontram-se aproximadamente 23 mil pessoas, segundo o professor e consultor de Habitação, Attílio Piraíno Filho. Para ele, esses números refletem a falta de uma política global voltada ao equacionamento do problema e a existência apenas de programas pontuais. O PAR (Programa de Arrendamento Residencial) sinaliza uma alternativa, via recuperação de edifícios nessa região, especialmente aos moradores de cortiços, uma vez que 90% deles encontram-se na área central. Lançado pela CEF (Caixa Econômica Federal) em 29 de abril último, visa a construção ou reforma de unidades habitacionais para a locação social com opção futura de compra, usando recursos do FGTS. De acordo com Evaniza Rodrigues, coordenadora executiva da União dos Movimentos de Moradia, foi assinado até agora apenas um convênio, referente a um prédio com 54 apartamentos que terá como moradores os participantes de um dos movimentos. A gerente de mercado da CEF / Escritório de Negócios Paulista, Alda Lúcia Ayres, garante haver vários outros em andamento. Com relação a unidades novas, está prevista a entrega das primeiras 140 em setembro deste ano, referentes a um condomínio padrão na zona norte. Nesse caso, à Região Metropolitana de São Paulo, será aproveitada a demanda já cadastrada à espera de um apartamento da CDHU. Para o consultor, criar novos programas não é a solução. "Esse dinheiro, utilizado pelos municípios que tivessem organizada sua política, seria muito mais produtivo", concluiu. Com ou sem PAR, o caminho apontado pelos especialistas passa pela revitalização do centro, onde há infra-estrutura e uma série de edifícios abandonados. "O Movimento dos Cortiços fez um levantamento e constatou que mais de 300 teriam condição de tornar-se moradias", avaliou Evaniza.

Quanto aos cortiços, Piraíno relata a situação: "Pesquisa da Fipe e Sehab (Secretaria Municipal da Habitação) mostra que 57% dos seus moradores têm renda e pagam valores altíssimos a título de aluguel. No momento, CDHU e Sehab unificarão seus programas em parceria induzida pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), e a junção de recursos externos e internos permitirá sua execução. A partir da identificação de alguns cortiços com a colaboração de movimentos populares, considerando aqueles cujos problemas são mais graves, o poder público construirá ou reformará um prédio próximo à região e transferirá todas as famílias para lá." Conforme ele, não basta retirá-las, há que se intervir naquelas casas para impedir a relocação. "Se houver um acompanhamento social, é possível resgatar a cidadania dessas pessoas, o que custa por ano apenas US$ 100 por família", ressaltou.

"Hoje, as companhias de desenvolvimento habitacional dos estados implantam milhares de unidades geralmente na periferia, e a cidade que vinha crescendo organicamente, do dia para a noite, recebe todas aquelas pessoas num mesmo local. Tem que ser pulverizados pela cidade pequenos conjuntos", salientou o coordenador do Laboratório de Habitação da Unicamp, Roberto Pompéia.

Enquanto não muda a mentalidade, continuam, apesar de ter diminuído o ritmo, em função de denúncias de irregularidades nas licitações, a ser construídas unidades habitacionais convencionais pelo Estado, via CDHU – segundo o secretário da Habitação, Francisco Prado, foram entregues, de 1995 a 1998, cerca de 120 mil e a meta é concluir mais 250 mil até 2002. Já pela Cohab, também alvo de questionamentos, conforme o diretor técnico Sérgio Cunha, foram retomadas obras no final do ano passado, incluindo cerca de 140 empreendimentos em regime de mutirão. Para a adoção desse sistema, a União dos Movimentos de Moradia apresenta a proposta da autogestão à construção ou reforma, com subsídio do poder público. Evaniza garantiu haver, entre concluídas e em andamento, em torno de 4.500 unidades edificadas dessa forma, que podem sair por cerca de R$ 12 mil, quase metade do preço do "padrão popular" (em média R$ 20 mil), e com projeto personalizado.

Nesse campo, o SEESP apresenta o Promore (Programa de Moradia Econômica). Iniciado em Bauru há 12 anos, hoje existe também em Ribeirão Preto, Rio Claro e Piracicaba, já tendo beneficiado cerca de 4 mil famílias com construção, reforma e ampliação. "O programa tem algumas diferenças em relação aos feitos pelas administrações municipais, como o projeto personalizado e o objetivo de valorizar o papel do engenheiro", afirmou o coordenador do Promore e diretor da Delegacia Sindical do SEESP em Bauru, Carlos Augusto Ramos Kirchner. As prefeituras entram com a isenção de tributos e agilidade na aprovação do projeto. Outro fator positivo é o preço, que pode variar de R$ 3,5 mil a 15 mil, fora o custo do terreno – no Interior, pode ser encontrado por R$ 3 ou 4 mil. A possibilidade de baratear a construção foi comprovada em assentamento do Movimento dos Sem-Terra em Presidente Prudente, no qual o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) liberou recursos para a edificação de casas até 59m2, que saem por aproximadamente R$ 3,5 mil. Visualizando essa alternativa, o governador Mário Covas assinou recentemente decreto criando o Prolurb (Programa do Lote Urbanizado). Segundo o secretário de Estado da Habitação, esse será desenvolvido em parceria com associações de moradores, empresas e poderes públicos, e destina-se à população de baixa renda dos municípios com até 100 mil habitantes.

IRREGULARIDADE E SOLUÇÕES

A problemática habitacional na cidade de São Paulo está ligada ao seu crescimento desordenado. Em decorrência disso, hoje, segundo confirmou Denise Lopes de Souza, superintendente de Habitação Popular da Sehab, 51% dos moradores estão em áreas irregulares. Para resolver parte da questão relativa ao parcelamento, o município dispõe do programa Lote Legal, com financiamento do BID. "Estamos regularizando desde o início de 1999 em torno de 5 milhões de metros quadrados, sendo abrangidos 22 mil lotes em toda a periferia, com exceção da área de manancial", relatou José Antonio Vaz Sampaio, diretor do Departamento de Regularização do Parcelamento do Solo da Prefeitura. Na área de manancial, em parceria entre Estado e município, foi criado o Programa Guarapiranga, visando, segundo Ricardo Sampaio, respondendo pela sua coordenação na Sehab, o saneamento ambiental, com a conseqüente urbanização de 82 favelas (concluída ou em andamento) e a construção de três conjuntos habitacionais nas proximidades, à realocação de 528 famílias.

Secretária da Habitação na gestão Erundina, a coordenadora da pós-graduação da FAU-USP e do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos, professora Erminia Maricato, lembra que a Lei de Proteção dos Mananciais permite o parcelamento mantendo-se determinada taxa de ocupação. "Era o que propunhamos enquanto governo. Compramos um projeto modelo, tentamos executá-lo, porém não conseguimos a autorização do Estado. E depois que saímos da Prefeitura, essa área foi ocupada", lamentou.

O problema é grave. São 1.500 núcleos de favelas encontrados no município. Em áreas muito adensadas, a verticalização é defendida pelos técnicos, abrangendo, em algumas situações, também urbanização. Projeto com essa concepção é o Cingapura, cujo objetivo, conforme Denise, não é erradicar as favelas em São Paulo. "De acordo com critérios técnicos, foi selecionado um primeiro universo de atuação a longo prazo de 243 núcleos, beneficiando 90 mil famílias. Desde o início do programa, foram entregues 13 mil unidades, havendo um saldo para este ano de 2.700, mais 2.200 para 2001", relatou ela. Erminia questiona o plano de prioridades adotado para a construção do Cingapura, que envolve altos custos e somente deveria ser feito quando a urbanização fosse inviável. E na sua opinião, a lógica do investimento atendeu a áreas de grande visibilidade. Denise contesta: "Isso não é verdade. Uma das razões das intervenções próximas à Marginal Tietê é a disponibilidade de áreas municipais", justificando o valor elevado – cujo preço por unidade, em torno de R$ 20 mil, "não chega a duplicar, mas varia bastante" –, em função da infra-estrutura e tipologia local.

Para atender as famílias que ganham de um a três salários mínimos em nível nacional, a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República anunciou o Programa de Habitação Social. Segundo o seu coordenador geral de Programas de Habitação, Antônio Carlos Bastos Costa Campos, esse terá subsídios federal, estaduais e municipais, para a produção de unidades em locais eleitos em função do déficit habitacional. A União dos Movimentos dos Moradia luta pela instituição do Fundo Nacional de Habitação Popular, projeto de lei de iniciativa popular que visa o uso de recursos do FGTS e públicos para atendimento às famílias com renda até cinco salários mínimos, as quais representam 85% do déficit. Na concepção de Piraíno, se fossem destinados 2% do orçamento geral da União, estados e municípios à habitação, proposta de Emenda Constitucional do então deputado Ulysses Guimarães, isso refletiria na geração de renda e emprego e em melhorias em áreas como saúde e educação. Atualmente, o Governo Federal destina R$ 320 milhões do seu orçamento geral e R$ 1,2 bi do FGTS. O Estado dispõe de 1% do ICMS para programas habitacionais, o que, na estimativa de Evaniza, soma R$ 600 milhões e seria mais que suficiente para resolver o problema.


PROGRAMAS HABITACIONAIS NO ESTADO

A falta de políticas públicas de habitação é observada também no Interior do Estado, onde, como o que ocorre na Capital, tem-se programas pontuais. Um deles, do Governo Estadual, é o Habiteto, voltado à construção em regime de mutirão, adotado por exemplo pelas cidades que compõem a Região Metropolitana de Ribeirão Preto, Pindamonhangaba e Roseira. Nas duas últimas, conforme Martim César, presidente da Delegacia Sindical do SEESP e vereador em Pinda, as prefeituras doam o projeto popular a quem recebe até três salários mínimos. Além disso, sistema muito utilizado no Interior é a parceria. Em Marília, segundo o secretário municipal de Planejamento Urbano, Silvio Aquino Mussi Guimarães, via esse sistema, entre poder público e iniciativa privada ou CEF, o número de empreendimentos lançados ou de linhas de financiamento é significativo. O mesmo ocorre em São Carlos, onde há ainda, de acordo com Salvador de Creci, diretor de Planejamento Urbano e Habitacional do Município, um convênio entre a Associação dos Engenheiros e Arquitetos local e a Prefeitura, que entra com o pagamento ao profissional pelo projeto, para a construção de residências até 70 metros quadrados. A administração de Sorocaba também segue tal linha, para a construção de habitações multifamiliares. Já em Bauru, as representações das comunidades estão participando das soluções do problema, via Conselho Municipal. E em Lins, segundo o secretário de Obras da cidade, Américo Tabian Júnior, está sendo desenvolvido programa com o Governo Federal, o Habitar Brasil-BID, para atender pessoas em áreas degradadas, pelo regime de mutirões. O mesmo vem sendo implantado em São José dos Campos, onde, em parceria com a gestão estadual, como relata Maria Rita de Cassia Singulano, diretora de Habitação da Secretaria de Obras, há projetos de desfavelização e verticalização. Santo André, na Grande São Paulo, por sua vez, está tentando equacionar a questão com programas de urbanização que envolvem, de acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Irineu Bagnariolli Júnior, o resgate à cidadania, via ações sociais integradas. E em Guaratinguetá, a construção de unidades tem sido feita tanto pela CDHU quanto por cooperativa habitacional local.

Para minimizar o problema em parte do litoral paulista, foi lançado em 25 de abril último o PAR (Programa de Arrendamento Residencial) na Região Metropolitana da Baixada Santista. Serão atendidos os municípios de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, São Vicente e Santos.

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