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       Os acordos visando a
      utilização pelos Estados Unidos do Centro de Lançamento de Alcântara,
      no Maranhão, e a doação de equipamentos militares obsoletos ao Brasil
      trouxeram à tona a discussão sobre a posição subalterna adotada pelo
      Governo em relação aos americanos. No primeiro, assinado em 18 de abril,
      estão previstas diversas restrições quanto ao uso que o Brasil poderá
      fazer da sua própria base. O segundo, de 2 de junho, dá aos doadores
      direito de inspeção nos quartéis nacionais. 
       
      Fundador e membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e
      professor convidado do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da
      USP, o coronel Geraldo Lesbat Cavagnari Filho falou ao JE On Line sobre
      tais compromissos, projetos domésticos estratégicos e o atual papel das
      Forças Armadas. Abaixo a palavra de quem conhece o assunto. 
       
       
      Base de Alcântara 
      O Acordo Brasil-Estados Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas, que
      regula os lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara,
      só tem duas cláusulas que considero inaceitáveis e que, se aceitas,
      caracterizarão a subordinação do Brasil à hegemonia norte-americana.
      São cláusulas draconianas. O parágrafo E do artigo III proíbe o Brasil
      de utilizar os recursos provindos do aluguel da base aos EUA para
      desenvolver o seu programa espacial. Permite, apenas, que tais recursos
      sejam usados no aprimoramento da infra-estrutura do Centro de Lançamento
      de Alcântara. O parágrafo A do mesmo artigo é uma salvaguarda
      política, não tem nenhuma relação com o resguardo de tecnologia. Ou
      seja: impede o Brasil de utilizar sua base e veículos de lançamento de
      propriedade dos EUA ou de terceiros países para o lançamento de
      satélites de desafetos dos norte-americanos, como Irã, Iraque, Líbia ou
      Coréia do Norte. Submetendo-se a tais exigências, o Brasil perde
      autonomia de utilizar sua base espacial como bem entenda. 
       
      Equipamentos obsoletos 
      Durante quase todo o período da Guerra Fria esteve em vigor o Acordo
      de Assistência Militar de 1952, pelo qual os Estados Unidos se obrigavam
      a ceder material bélico – operacional e tecnologicamente obsoleto para
      eles –, com direito de inspeção dos locais onde estavam. Ele foi
      rompido, em 1977, pelo Governo Geisel. Em 1982, eles insistiram em
      restabelecê-lo em novas bases, mas não foram bem-sucedidos. Para os EUA,
      a recente doação é coerente com a lógica de sua hegemonia. Desde o
      início da década de 90, eles buscam estabelecer novos mecanismos de
      controle que possam substituir o sistema de segurança hemisférica
      vigente na Guerra Fria – antes que se consolidem consensos regionais
      próprios em matéria de defesa. Assim, a recente doação, formalizada
      pelo Protocolo 505, deve ser vista nessa perspectiva. Pode trazer alguma
      vantagem porque o material bélico a ser doado não é obsoleto para o
      Brasil, mas a soberania nacional estará comprometida se tal alinhamento
      se restabelecer. 
       
       
      Calha Norte e Sivam 
      Ambos fazem parte de um projeto mais abrangente, o Sistema de
      Proteção da Amazônia, e são necessários à defesa da região contra
      qualquer tipo de ameaça – seja de natureza militar ou não. Mas não
      são suficientes para garanti-la em sua plenitude. Para tanto, impõem-se
      a presença e a ação eficaz das Forças Armadas, da Polícia Federal, da
      Receita Federal, do Ibama e da Funai. Os dois destinam-se a detectar,
      identificar e localizar ameaças, mas não a neutralizá-las ou a
      eliminá-las. 
       
      O Projeto Calha Norte teve início em 1985, tendo em vista intensificar a
      presença do Estado ao norte dos rios Solimões e Amazonas, abrangendo uma
      área praticamente inexplorada, que corresponde a 14% do território
      nacional, com mais de 6,5 mil quilômetros de fronteiras terrestres, que
      se estendem de Tabatinga à foz do Oiapoque. Até agora, só as Forças
      Armadas estão realizando a sua parte. A ausência dos ministérios civis
      na execução do projeto revela, não há dúvida, negligência do Governo
      Federal – desde Sarney até FHC. Ele deveria estar finalizado em 1997. O
      atual Governo espera concluí-lo junto com o Sivam (Sistema de Vigilância
      da Amazônia), que não sofreu atraso e deverá entrar em operação em
      2002. 
       
       
      Papel e condições das Forças Armadas 
      As Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos
      poderes constitucionais, da lei e da ordem. Ou seja, elas destinam-se à
      defesa do território, patrimônio, interesses nacionais e da ordem
      constitucional. Aparentemente, o papel atribuído às Forças Armadas tem
      sido cumprido a contento porque nenhuma ameaça externa exige resposta
      militar e o processo de consolidação da democracia está sendo
      bem-sucedido. No entanto, há de se admitir que elas não estão
      bem-equipadas nem bem-adestradas, estão sem condições de emprego
      oportuno e eficaz em uma guerra convencional de média intensidade – ou
      seja, sua atual capacidade ofensiva é insuficiente para a pronta
      resposta. Isso se deve à escassez de recursos orçamentários.
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