NOVO MODELO TEM CONSEQUÊNCIAS 
DESASTROSAS

Ainda que a Cesp fosse vendida por um preço compatível com o valor do seu patrimônio e da sua capacidade de receita, as falhas se manteriam. A base do problema está no novo modelo do setor elétrico, instituído a partir de 1995, com base num estudo de consultoria encomendado junto a uma empresa britânica. O modelo dividiu a companhia em várias distribuidoras, transmissoras e geradoras, criou órgãos de fiscalização e regulação e previu o MAE (Mercado Atacadista de Energia).

Até agora, o processo já gerou diversos efeitos negativos. Um deles, negando o discurso da eficiência do mercado, foi o aumento nas tarifas, que neste ano podem ter acréscimo de 17% em relação a 1999, segundo dados da própria Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), conforme demostrado abaixo (veja Quadro 3). O caso é que as concessões privadas se constituem no único setor totalmente indexado da economia brasileira. Os contratos garantem a recomposição total da inflação, frise-se pelo IGPM, que nos últimos 12 meses atingiu 15,1% contra 7,1% do IPC/Fipe. Os aumentos tarifários deveriam ser anuais, mas se permite que as tarifas das concessionárias sejam revistas caso haja alteração relevante na estrutura de custo ou de mercado que interfira no equilíbrio econômico financeiro inicial.

Enquanto cobram mais caro pela energia, as empresas dedicam-se a prestar um serviço cada vez pior. Grande parte das concessionárias tem fechado todas as suas agências e atendimentos locais, centralizando o serviço nos chamados call centers, em que o consumidor liga para um telefone 0800 e tolera esperas que chegam a 20 minutos. No afã de reduzir seus custos, essas empresas têm economizado no pagamento às prestadoras de serviços encarregadas da manutenção da rede elétrica, muitas vezes deixando de lado o preparo e a qualificação de trabalhadores. Como conseqüência, nunca se viram tantas interrupções no fornecimento de energia e acidentes com vítimas fatais nos serviços.

Porém, a maior ameaça do novo modelo é ao próprio abastecimento, para o qual se prevê um colapso iminente. Diante dessa perspectiva e da frustração dos investimentos privados em expansão, o Governo deflagrou o Programa Emergencial Termoelétrico, composto de 49 usinas que totalizariam mais de 19GW e investimentos de cerca de US$ 10 bilhões. Dessas, até agora apenas 25, que contam com a participação da Petrobrás, ou seja uma estatal, estão sendo viabilizadas. O custo dessas usinas será maior que o dobro do médio atual de geração, superando R$ 75 MWh. E com a introdução do Mercado Atacadista de Energia, estará aberto o espaço para que manobras entre empresas privadas geradoras hidrelétricas e termelétricas puxem os preços médios de geração para o limite superior determinado pelas usinas termelétricas, a exemplo do que vem ocorrendo recentemente nos Estados Unidos, no sul da Califórnia, em que as tarifas finais mais do que duplicaram, depois de se ter anunciado reduções de 20% no seu valor.

QUADRO 3
TÁRIFA MÉDIA ANUAL POR CLASSE DE CONSUMO
(R$/MWh)

  1997 1998 1999 2000*
Residencial

119,80

126,19 139,19 155,41
Industrial

54,61

56,54 63,08 68,85
Comercial

107,99

111,60 121,62 133,41
Tarifa média total 82,17 86,59 95,95 105,73
* de janeiro a agosto de 2000 Dados da Aneel

EM DEFESA DO CIDADÃO

A luta contra a privatização da Cesp está se dando em duas frentes no Estado de São Paulo. O procurador da República do Ministério Público Federal de Bauru, Rodrigo Valdez de Oliveira, protocolaria até dia 24 deste mês ação civil pública junto à Justiça Federal questionando a venda da empresa. O inquérito levantaria diversos pontos, como uso compartilhado das águas, o controle dos reservatórios, o preço mínimo de R$ 1,7 bilhão e os custos relegados da Usina de Porto Primavera.

Na Assembléia Legislativa, existe uma articulação da bancada de oposição para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com o objetivo de investigar a avaliação e definição do preço mínimo e acompanhar o processo de privatização e o seu posterior comportamento em relação aos poderes públicos e usuários particulares. O requerimento, que ainda não foi protocolado, aponta em sua justificativa flagrantes incongruências no cálculo do preço, garantias dadas aos compradores, esquecimento de créditos da companhia e omissões em relação à legislação responsável pelo desenho da privatização do setor elétrico. O PED (Programa Estadual de Desestatização) foi lançado pelo Decreto 40.000, de 16 de março de 1995, e pela Lei 9.361, de 5 de julho de 1996. Além de justificar o porquê da venda do patrimônio público, a lei estabelece a possibilidade de o Estado deter, no capital das empresas privatizadas, ações de classe especial que lhe confiram poderes suficientes para bem direcioná-las ao adequado atendimento dos interesses públicos envolvidos em suas atividades. De acordo com o documento, "das promessas de salvaguarda, o essencial não foi cumprido ou o foi apenas parcialmente e de forma insatisfatória".

No Mato Grosso do Sul, o Ministério Público do Estado prepara ação civil pública para que se suspenda o leilão da Cesp, até que se garanta em edital que o futuro controlador se responsabilize por ações de compensação, reparação e indenização por danos causados pelo alagamento gerado pela Usina de Porto Primavera ao Estado. De acordo com o procurador geral adjunto de Justiça, Mauri Valentim Riciotti, já foram interpostas 20 ações civis exigindo tais medidas e também pedindo participação nos lucros da Usina para o Estado. "Na maior parte, fizemos acordos, mas esses não estão sendo cumpridos. E também precisamos assegurar que o comprador assuma os compromissos", afirmou.

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