Com o fim da União Soviética, acabou a guerra fria que
seguiu-se à II Guerra Mundial. Emergiu também o Consenso de Washington
como a recomendação padrão para o desenvolvimento. Máxima liberdade
aos mercados, combate à inflação, fim do déficit público via corte de
despesas sociais, desestatização e crença na iniciativa privada como
motor e condutor do desenvolvimento: empresas e indivíduos livres para
investir seria o caminho para o paraíso.
É verdade que já são dez anos de crescimento nos EUA. Jamais os
norte-americanos foram tão ricos nem viveram tão bem. O resto do mundo,
entretanto, foi mal. Há dez anos, o Japão não consegue retomar o
crescimento. A Europa ainda vive as dores do parto do euro. Das antigas
repúblicas socialistas, basta lembrar o desastre do livre mercado na
Rússia. Crises financeiras enfraqueceram os tigres asiáticos. A África
continua sem solução. A América Latina está sendo absorvida aos
pedaços pela grande zona do dólar.
No Brasil, dez anos de crescimento medíocre, ainda menor que nos anos 80,
a assim chamada década perdida. Estranho linguajar esse de economistas e
banqueiros. Maior crescimento e reconquista da democracia são vistos como
uma década perdida. A Constituição de 88, marco da construção desta
Nação, tratada como se fosse entulho autoritário. Claro, pelos liberais
do Consenso de Washington. Para esses, o importante é a liberdade dos
ricos e poderosos, de impostos, para tomar dinheiro público emprestado a
juros subsidiados, para investir onde e quanto quiserem. Liberdade do
risco de perder dinheiro, como nas recém-privatizadas concessionárias de
serviços públicos, com direito a reajustes regulares pelo maior índice
de inflação, o IGPM. Liberdade de quebrar bancos e ter as contas
cobertas pelo erário.
Nesse ambiente, o Fórum Social Mundial é uma oportunidade para iniciar
uma reflexão sobre alternativas. Assim como o Fórum de Davos, seu
simétrico, que reúne os poderosos para refinar e propagar as idéias que
melhor servem ao desenvolvimento dos negócios no mundo, em particular dos
países já ricos, há décadas. Convém tratar o Fórum Social Mundial
como o primeiro de uma série. Vai levar algum tempo até a iniciativa
ganhar corpo e formular um ideário alternativo para a condução dos
países e organizações com outra visão do mundo, que não apenas a de
paraíso dos negócios entre ricos. Mas sinais alvissareiros já se
apresentam no debate internacional.
Controlar os fluxos financeiros já começa a preocupar a ala menos
fundamentalista entre os liberais. Afinal, a idéia da "mão
invisível" parece mais um dogma religioso do que um ponto de vista
racional. A concepção de que o comércio mundial favorece os ricos
deixou de ser conversa de marginais e tornou-se respeitável. Embora nada
se faça em função dela, cedo ou tarde medidas concretas surgirão.
Quando menos, os governos de alguns países como o Brasil começarão a
entender que o interesse nacional existe e precisa ser defendido.
Difunde-se rápido a idéia de que o grau de riqueza diferenciado torna
necessário em algumas sociedades aquilo que era normal no passado mais
pobre de outras.
Não há dúvidas ainda quanto à necessidade de globalizar algumas coisas
como eleições limpas e bem-organizadas. Veja-se o último pleito
presidencial norte-americano. Também é preciso globalizar duas
refeições diárias para todos, saneamento básico e outros confortos
elementares de uma sociedade industrial. Ao contrário do que dizem os
liberais, é o desenvolvimento que induz à diminuição das taxas de
crescimento populacional.
Mas nada disso vai se materializar em um ano ou um encontro. O importante
é emergir um Consenso de Porto Alegre: o fim da miséria no mundo. Todo o
resto deve subordinar-se a esse objetivo fundamental, políticas de
desenvolvimento e comerciais, sociais e mesmo ambientais. Afinal, miséria
gera crescimento populacional e sistemas pouco preocupados com o ambiente.
Eng. Paulo Tromboni de Souza Nascimento
Presidente