A Engenharia nacional mostrou a que
veio e conseguiu solucionar um problema que há anos tirava o sono da
população santista: os prédios da cidade que sofreram inclinação ao
longo do tempo. Em 26 de janeiro último, foi inaugurado o Bloco A, do
edifício Núncio Malzoni. Esse apresentava 2,1m de desaprumo, a maior
inclinação da orla, e um recalque (rebaixamento) diferencial de 45
centímetros. Apesar dos riscos, chegou a ser atrativo turístico na
região. Os seus dezessete proprietários, que não viam graça na
situação, desembolsaram juntos para sua correção R$ 1,5 milhão.
Sofrendo inclinação de um centímetro por ano, quando seu estado foi
diagnosticado, em 1995, tinha vida útil estimada de apenas dez anos.
A mesma tecnologia terá que ser usada agora para consertar outros 98
prédios no município. O trabalho uniu técnicas diversas, que
compreendem fundações profundas, vigas de transição e macaqueamento,
atraindo especialistas de várias partes do mundo pelo seu ineditismo. A
empreitada esbarra, contudo, no alto custo e na dificuldade de
financiamento, já que não existem linhas de crédito destinadas a esse
tipo de obra. Antônio Carlos Silva Gonçalves, secretário de Obras e
Serviços Públicos de Santos, informou que a Prefeitura já tem uma
equipe estudando a viabilidade de se conseguirem recursos federais.
Enquanto não se sabe de onde virá o dinheiro, a administração está
buscando parcerias junto às universidades locais para que façam a
leitura do grau de inclinação dos edifícios, além de detectar quantos
mais estão nessa situação. "A partir daí, o objetivo é ter uma
legislação exigindo um laudo, conforme o tipo de inclinação de cada
condomínio", afirmou o secretário. Segundo Gonçalves, a maioria
dos prédios com obliqüidade foi construída nas décadas de 60 e 70 e,
já na época, a Associação dos Engenheiros e Arquitetos fez palestras e
técnicos de São Paulo alertaram que o problema poderia acontecer.
"As construtoras fizeram fundações inadequadas para o tipo de solo
e o peso que estava sendo colocado nele", denunciou. Nesse caso, os
empreendedores ignoraram uma regra básica: se não há recursos para uma
fundação profunda, é preciso diminuir o número de pavimentos.
PROBLEMAS E SOLUÇÕES
Contratados pela Maffei Engenharia,
Cláudio Atsushi Marukami, especialista em cálculo, Heloísa Helena
Gonçalves, doutora em solos, e Paulo de Mattos Pimenta, doutor em
estrutura, acompanharam todo o processo de recalques do Núncio Malzoni.
Há 15 anos analisando o solo de Santos, Heloísa orienta, desde o início
de 2000, um grupo de alunos de mestrado da USP num estudo que visa fazer
levantamento do solo de toda a cidade para verificar áreas críticas. O
solo de Santos é considerado o segundo pior do mundo, só ficando atrás
do México. Segundo a engenheira, ele tem uma camada de areia com dez a 12
metros de profundidade, que é muito boa. Contudo, abaixo disso, há uma
camada de argila marinha muito ruim, que recebe o peso e recalca. O solo
instável não é característica apenas da orla, estendendo-se por toda a
cidade; variam apenas as espessuras das camadas. No Malzoni, por exemplo,
só é suficientemente estável a 55 metros de profundidade.
Os trabalhos começaram em 1995 e até 1998 foram feitos o projeto e os
estudos de análise da estrutura. As obras iniciaram-se em novembro de
1998. Na primeira etapa, implantaram-se 16 estacas de profundidade (oito
de cada lado), escavadas com lama bentonitica até 55 metros e concretadas
para sustentar o peso do prédio de 17 andares e 52 metros de altura,
cerca de 6.300 toneladas — a edificação, de 1967, havia sido feita
sobre uma sapata de 1,5 metro de altura, assentada a uma profundidade de
dois metros. Depois, foram construídas sete vigas de concreto que,
envolvendo os pilares antigos, transferiram o peso do edifício para as
novas fundações, apoiadas pelas estacas. Em outubro do ano passado,
começou a última fase, a do macaqueamento. Para corrigir o recalque, 14
macacos hidráulicos de alta potência foram colocados nas laterais do
prédio (sete de cada lado) entre as pontas das vigas e as estacas. Os
equipamentos receberam carga variável de até 900 toneladas para erguer a
estrutura. Ao serem acionados, as vigas de sustentação deslocaram-se
para cima. Quando o edifício retornou ao prumo, os equipamentos foram
retirados e o espaço preenchido com concreto. O monitoramento contou com
computadores de última geração, que fizeram controles de carga e do
deslocamento, podendo detectar mínimas alterações.
Segundo Carlos Eduardo Moreira Maffei, responsável pelo projeto de
renivelamento do Malzoni, o trabalho demonstrou que a Engenharia consegue
fazer qualquer tipo de serviço e que é possível baratear o custo. Para
tranqüilizar a população, ele afirmou que não há risco de os prédios
ainda inclinados romperem de uma hora para outra, pois surgem trincas
semanas antes de qualquer acidente. |