CARTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Tendo em vista os preços despropositados do MAE (Mercado Atacadista de Energia), a necessidade do racionamento de energia elétrica e a constituição da Câmara de Gestão da Crise de Energia, é urgente a mobilização de toda a sociedade brasileira para enfrentar o problema da escassez no curto, médio e longo prazos.

O Governo criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia, liderada pelo ministro Pedro Parente, também integrada pelo ministro das Minas e Energia, José Jorge, pelo secretário de Energia de São Paulo, Mauro Arce, e por outros funcionários da burocracia federal. Tal composição prejudica a obtenção de legitimidade e apoio para a nova política, já que não a integram empresas, sociedade civil ou entidades representativas dos técnicos do setor. Como recomendam a postura política democrática e a moderna teoria da administração, não custa lembrar que o engajamento e a legitimidade são produtos da participação.

Contudo, outro é o cerne do problema. Com todo seu potencial de prejuízos econômicos, sociais e políticos, os apagões não serão suficientes para um racionamento eficaz. O preço terá de subir drasticamente para estimular a economia de energia. Se é assim, as perguntas a serem respondidas são: sobre quem deve recair o custo da crise e para onde irão as receitas extraordinárias decorrentes da necessidade de rebaixar o consumo?

Dada a enorme concentração do uso de energia no País e a penúria da população mais pobre, assim como seu baixo potencial de economia, o pequeno consumidor deve ser excluído dos novos preços. Em seguida, algum ajuste deve ser feito para separar o pequeno consumidor rico do pobre. Pode-se, por exemplo, consultar os cadastros de IPTU ou o dos que declaram imposto de renda para separar o joio do trigo. Trata-se de justiça social.

O maior problema, entretanto, é como realizar o aumento de preços evitando que ele se transforme apenas em lucros extraordinários, em lugar de financiar novos investimentos. As empresas do setor elétrico, principalmente as privadas, têm enormes incentivos para embolsar os lucros extraordinários e adiar os investimentos. Investir provocará quedas brutais de preços no futuro, não acrescentará um único novo usuário ao sistema e, se isso não bastasse, o quadro regulador não lhes satisfaz e é objeto de contínua e pública reclamação. Caberá, portanto, ao Governo garantir a aplicação em novos investimentos dos recursos extraordinários gerados pelo sobrepreço.

Do exposto, decorre a necessidade de que os novos preços resultem da aplicação de uma CMSE (Contribuição de Melhoria do Sistema Energético) às tarifas, a qual deve ser inteiramente destinada a um FNE (Fundo Nacional de Energia). Tal fundo seria criado com o superávit de recursos do setor público neste ano, cresceria com a contribuição de melhoria aplicada ao consumo de energia e teria como finalidade financiar projetos de expansão da oferta, central ou distribuída, transmissão e integração do sistema energético e esforços de economia de energia.

Tendo em vista que a CMSE visaria tanto financiar investimentos como desencorajar o desperdício dos maiores consumidores, convém estipular um valor inicial elevado. Cálculos detalhados precisam ser formulados, mas a boa prática sugere um processo gradual. Como qualquer iniciativa na área demora um tempo de resposta, a contribuição deve começar com um valor inicial significativo e aumentar gradualmente, de forma programada, incentivando a economia de energia, até um limite previamente fixado. Frise-se que a contribuição deverá ser integralmente destinada ao FNE. Acrescente-se ainda que a CMSE deve ter um prazo de vigência improrrogável.

A exemplo do FGTS, o comando do FNE deveria ser atribuído a um conselho representativo do Governo, trabalhadores, empresários e entidades de técnicos do setor, como o SEESP. A primeira tarefa desse grupo deve ser rever os projetos disponíveis no setor e apresentar um plano para aplicar os novos recursos e evitar a falta de energia no longo prazo.

Simultaneamente, essa comissão deveria formular os critérios para a concessão de financiamentos aos projetos. Entre eles, alguns critérios são condições sine qua non.

Quem quiser recursos do FNE deverá entrar com contrapartida de verbas próprias equivalentes e terá o direito de comercializar no MAE a energia resultante.

Também se impõe suprimir o dispositivo inconstitucional da resolução do Banco Central que obriga considerar investimentos de estatais como custeio da burocracia federal. Afinal, 85% da produção de energia ainda são públicos e empresas como Furnas têm gerado caixa e lucros os quais, até agora, a área econômica do Governo não permitiu que sejam reinvestidos.

Outro critério fundamental é proibir o novo FNE de financiar qualquer privatização de ativos. As desestatizações desviam recursos da expansão e precisam parar. Em compensação, como vem pedindo o próprio setor privado, deve ser incentivada a realização de investimentos em parceria entre as empresas que o compõem e as estatais.

Da operação do FNE devem ser excluídos os agentes financeiros comprometidos com a privatização a qualquer custo ou com o estadismo ideológico. É hora de adotar políticas pragmáticas para a área de energia e convocar especialistas sérios e com densidade para redefinir o futuro do setor.

O SEESP coloca-se à disposição para colaborar no equacionamento de medidas que visam minorar o sofrimento da população e promover o reequilíbrio entre oferta e demanda de energia.

Eng. Paulo Tromboni de Souza Nascimento
Presidente

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