AMIANTO TEM SEUS DIAS CONTADOS

A partir de 1º de janeiro de 2005, o uso do mineral estará banido em toda a União Européia – dos 14 países que a compõem, ainda não é proibido somente em Portugal, na Espanha e na Grécia. Em território nacional, acompanham a data os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Aqui precursores na iniciativa, contrariam lei federal ainda em vigor, que libera o tipo crisotila (amianto branco), comprovadamente cancerígeno e causador de diversas doenças pulmonares, como todas as demais variantes do mineral. Auditora fiscal do Ministério do Trabalho e principal defensora do seu banimento no País, a engenheira civil e de segurança do trabalho Fernanda Giannasi faz coro com os ambientalistas na luta contra a sua utilização há cerca de 15 anos. Sua voz ativa mereceu o reconhecimento mundial: ela foi a primeira engenheira e brasileira agraciada em 1999 com o prêmio em Saúde Ocupacional e Ambiental Internacional concedido pela Associação Americana de Saúde Pública, e finalmente conquista essa importante vitória. Os quatro estados respondem juntos, de acordo com ela, por aproximadamente 70% do consumo interno, ao qual são destinadas 170 das 190 mil toneladas/ano extraídas no País, que oscila entre a quarta e a quinta posição no ranking mundial dos produtores do material e exporta muito pouco. Para Fernanda, tal ação em nível local, partindo dos municípios, tende a impulsionar o chamado "efeito dominó", até ser extinta sua aplicação em todo o Brasil.


IMPEDIMENTO GRADATIVO
Em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, tal proibição já foi inclusive sancionada. No primeiro, conforme dispõe a Lei Estadual nº 10.813, de 24 de maio de 2001, o impedimento será gradativo e aplica-se de imediato ao uso em obras públicas, playgrounds, equipamentos de proteção individual e artefatos ao público infantil, tais como brinquedos e materiais escolares. Daqui a um ano, estende-se ao setor de autopeças, no qual é empregado, segundo Fernanda, apenas 5% do amianto – em pastilhas de freios, lonas de embreagem e sapatas. Nesse, o risco maior de contaminação é para o pessoal que faz manutenção. Somente no Estado de São Paulo, de acordo com ela, são 300 mil mecânicos que manipulam esses materiais de fricção sem qualquer atenção com a saúde, geralmente em instalações precárias. "Em todos os produtos à base do mineral, há um desgaste e uma liberação de fibras no meio ambiente quando estão em estado avançado de degradação." No segmento automotivo, contudo, o problema está praticamente equacionado. Como as montadoras já impõem restrições ao seu uso para servir às exigências do mercado externo, os fabricantes de autopeças têm desenvolvida a linha sem amianto, que deve atender também a reposição.


DÍVIDA SOCIAL
As demais indústrias – cloro-soda, têxtil e de fibrocimento, à qual se destina 90% do amianto à fabricação de telhas e caixas d’água – terão 3,5 anos para se adequarem à nova legislação. No segmento da construção civil, a Brasilit e a Eternit, pertencentes ao grupo francês Saint-Gobain, que detêm 55% do mercado, já estão cientes de que o material não se reabilita mais e começam a desenvolver substitutos com fibra de álcool polivinílico (PVA), importada por enquanto do Japão e 30% mais cara. "O grupo Saint-Gobain declarou à imprensa que tem US$ 100 milhões para investir em uma fábrica no Brasil. Estamos pleiteando que essa seja instalada em Osasco, porque a indústria tem grande dívida social com esse município. Concretamente, deixou 600 vítimas e eliminou 1.200 empregos. Nada mais justo que ela devolva à cidade o que tirou, em 54 anos de exploração predatória", discorreu a engenheira.

O prazo até 2005 serve especialmente, conforme Fernanda, para minimizar o desemprego nas unidades onde se manuseia o amianto e na mina em Minaçu, no estado de Goiás, onde é feita extração de importância comercial, com 600 trabalhadores diretos e 300 indiretos. "Essa cidade tem 40 mil habitantes, desenvolveu-se em torno da mineração e vai sofrer o impacto num primeiro momento. Contudo, o ministro Alcides Tápias (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), em audiência pública, contou que um empresário paulista tem interesse em explorar o ouro na região ou outra atividade que possa aproveitar boa parte dessa mão-de-obra. E a Saint-Gobain, proprietária da mina, demonstrou a intenção de vendê-la", assegurou a engenheira.

Com a decadência do uso do amianto, o problema agora é o que tem instalado e as doenças que vão aparecer. Conforme Fernanda, existem em torno de 3 mil produtos disponíveis no Brasil à base da fibra e a indústria se recusa a fazer o recall. "No caso da caixa d´água isso já foi colocado e ela não quer sequer pensar na hipótese. Está amparada legalmente. E não há subsídio para a população de baixa renda fazer a troca. Na Itália, quando houve o banimento, o governo bancou a substituição e destinou o material a um local específico, porque não se pode jogar em lixo comum. Na França, o mercado não aceita imóveis que contenham amianto. No Brasil, não vamos ter nada disso por enquanto, porque não há vontade política."

Conseqüentemente, o perfil de adoecimento deve ser modificado. Se nos próximos 20 ou 25 anos a estimativa é de surgimento de inúmeros casos de pessoas que trabalharam com amianto, pela análise da engenheira, em 40 ou 50 anos devem aparecer situações de contaminação indireta. "A indústria já fala em dividir o prejuízo com o Governo, que permitiu o uso e corre o risco no futuro de ser responsabilizado por omissão."

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