AMBIENTE E VIDA HUMANA SOB AMEAÇA |
Entre as perversidades da globalização
econômica, está a diferença na atuação das indústrias ao redor do
mundo. O que é proibido no Primeiro Mundo, pode ser feito na Ásia,
África ou América Latina. Nessa lógica, em 1977, o município de
Paulínia foi premiado com a fábrica de agrotóxicos pertencente à
holandesa Shell até 1993. Produzindo drins (aldrin, dieldrin e endrin),
organoclorados banidos nos Estados Unidos desde 1976, a empresa contaminou
o lençol freático sob as chácaras localizadas entre a área fabril e o
Rio Atibaia.
"Essa situação é conseqüência da política industrial que se tem nesse País. A regra do desenvolvimento a qualquer custo, com a criação dos pólos químicos sem controle nos levou a isso", avalia a engenheira agrônoma Karen Suassuna, coordenadora no Brasil da campanha de substâncias químicas do Greenpeace. "As grandes indústrias se adequam às legislações de cada país, o que é muito cômodo quando a lei é fraca e se faz lobby para que assim continue."
Segundo Karen, o Brasil terá que suar a camisa para cumprir tais metas. "Atualmente, está sendo discutida a permissão de incineradores no País, o que se choca com o que diz a convenção." Outro tropeço nacional diz respeito ao inventário das fontes poluentes, que enfrenta resistência em território nacional, o que ficou evidente durante o Fórum Internacional de Segurança Química, que aconteceu entre os dias 15 e 20 de outubro de 2000, na Bahia. "O Brasil fez um papelão, não tinha qualquer informação. Chegou-se ao cúmulo de uma pessoa chamada Marcelo Kós, da Associação Brasileira da Indústria Química, dizer que se fizéssemos um inventário muito rígido, as empresas poderiam abandonar o País." Comparado a nações com nível de industrialização semelhante, o Brasil está na lanterna nessas questões, ainda que disponha de uma legislação moderna para crimes ambientais, que permite o processo criminal contra pessoas físicas, representantes das empresas. "Faltam diretrizes e regras federais, que obriguem as indústrias a um comportamento correto. Há iniciativas isoladas em alguns estados, mas não resolvem. A Cetesb surgiu no final da década de 70, com a mentalidade do controle e não da fiscalização. Ainda hoje, conseguir informações junto a ela é uma batalha."
Em 1993, a empresa fez uma autodenúncia ao Ministério Público, motivada pela auditoria ambiental contratada pela Cyanamid (hoje pertencente à Basf), a quem venderia a unidade de agrotóxicos. No documento, afirmava ter apenas um problema dentro dos limites da área da fábrica com solventes orgânicos, que seria resolvido com uma barreira hidráulica. "Eles não mencionaram a contaminação nas chácaras por drins ou os aterros ilegais", aponta Karen. A empresa segue afirmando ter agido dentro das normas desde que abriu a fábrica de Paulínia, até a sua venda. A produção de agrotóxicos contendo drins foi suspensa em 1985, conforme determinação do Ministério da Agricultura. A companhia, que fornece água às chácaras e compra sua produção agrícola, tende a minimizar os riscos para a saúde e ambientais. Nessa linha, em depoimento à Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, em abril, a vice-presidente de Assuntos Químicos para a América do Sul, Maria Lúcia Pinheiro, chegou a afirmar: "A contaminação é pequena, segundo projeções matemáticas; se os moradores não consumirem nem a água nem os produtos da terra, podem continuar lá sem riscos." Em junho, após realizar exames de sangue em 132 moradores, a empresa negou a existência de contaminação por drins. Conforme divulgado pela assessoria do deputado federal Luciano Zica (PT-SP), a conclusão foi contestada pela médica da Prefeitura de Paulínia, Cláudia Guerreiro, e pelo toxicologista da Unesp, Igor Vassilieff. Segundo eles, os testes não são suficientes para identificar a presença de organoclorados, que, no caso de exposição ambiental, concentram-se nos tecidos. Para apurar o caso, o deputado Rodolfo Costa (PSDB), autor do requerimento para a audiência pública realizada na Assembléia, solicitou a abertura de uma CPI. Porém, para que a comissão entre em funcionamento é preciso um acordo de lideranças partidárias, que não conta com a adesão de PTB e PFL. |