O
Sindicato dos Engenheiros entrou com representação junto ao Ministério
Público Federal pedindo providências contra o reajuste extraordinário na
conta de luz. Além disso, sua pretensão é impedir empréstimo do BNDES
às concessionárias do setor. Essa medida e o aumento tarifário a ser
anunciado neste final de ano – que especialistas acreditam poderá
chegar em média a 8,5% por três anos – integram pacote ao
ressarcimento de perdas com o racionamento às geradoras e distribuidoras
de energia elétrica. No dia 13 de dezembro, em reunião entre as
representantes das companhias, o BNDES e a Comissão de Revitalização do
Setor Elétrico, os termos do acordo incluindo tais resoluções foram
concluídos, após meses de negociações.
O imbróglio, de acordo com
Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do SEESP, começou com a discussão
acerca da divisão do ônus entre distribuidoras e geradoras. Conforme
consta em seu contrato inicial, enquanto a primeira necessariamente teria
que adquirir energia mesmo sem fornecê-la, a segunda em compensação
deveria recomprá-la pelo preço do MAE (Mercado Atacadista de Energia).
Confusão armada, dada a divisão desigual, a saída encontrada foi
repassar o débito a quem não tinha nada com isso. Assim, segundo explica
Kirchner, sob pressão e para não admitir a fragilidade do modelo
implantado para o setor, a fórmula engendrada pelo Governo foi fazer
empréstimo com recursos públicos do BNDES às empresas, mas na prática
os consumidores irão amortizar o financiamento. “O problema é o grande
precedente que se criou, nós vamos pagar a conta e se prevalece essa
versão, posteriormente isso irá se repetir em outras situações.”
Argumentos x
fatos
Para comprovar o absurdo de
tal ressarcimento, o Sindicato apresentou relatório elaborado por
especialistas do setor, entre eles o próprio Kirchner, intitulado “O
racionamento de energia elétrica decretado em 2001: um estudo sobre as
causas e as responsabilidades”. “Não é tolerável que queiram punir
mais uma vez quem sempre foi vítima e premiar uns dos principais cúmplices
pela crise, que são as distribuidoras. Isso não tem fundamento técnico,
econômico, jurídico, ético ou moral, é inaceitável”, salienta o
professor Ildo Sauer, responsável pelo Programa de Pós-Graduação em
Energia da USP e um dos que desenvolveram o estudo.
Doutorando em Energia pela USP, José Paulo Vieira, que também participou
da redação do relatório, explica: “As distribuidoras são
coresponsáveis pela crise, na medida em que podem produzir por lei até 30%
do que fornecem de energia. Se todas tivessem buscado isso, o Brasil teria
cinco anos de tranqüilidade, mesmo que as geradoras não investissem um
tostão sequer.” De acordo com Kirchner, as empresas não podem recorrer
à questão do equilíbrio econômico-financeiro argumentando que o
racionamento foi inevitável e imprevisível, porque isso não é verdade.
“Não houve motivo de força maior, nem caso fortuito. O Governo decretou
que havia problema decorrente de hidrologia, porém o próprio relatório de
sua comissão depois desmentiu isso e esclareceu que se o sistema tivesse
sido operado, planejado e expandido adequadamente, não seria a falta de
chuva a ocasionar o racionamento”, afirma Sauer. Ele continua: “Isso nos
move a subsidiar as entidades e órgãos que queiram entrar na Justiça e
propor ação para que seja bloqueado o efeito da negociação, impedido o
tarifaço e as concessionárias obrigadas a indenizar a população, direta
ou indiretamente, pelo transtorno que causaram durante o racionamento.”
Reajuste
abusivo
O consumidor vinha sendo
lesado mesmo antes. Isso porque, conforme lembra Vieira, pagava pela
manutenção adequada das linhas, a construção de usinas e produção
suficiente de energia, uma vez que as tarifas embutiam o custo da
confiabilidade e qualidade do serviço. E esses atendimentos foram sendo
deteriorados. O relatório aponta ainda que o reajuste da conta de luz desde
1995, ano a ano, até 2001, de janeiro a setembro, foi muito acima da
inflação devida pelo IPC-Fipe, que ficou em 47,2%. “A tarifa média
residencial subiu 131,5%”, revela o doutorando em Energia. Segundo sua
constatação, a área de distribuição do setor elétrico está retirando
parcela de recursos da sociedade cada vez maior e tem força empresarial e
política para fazer valer suas vontades perante os agentes do setor.
Sauer
questiona o valor das perdas previsto pelas distribuidoras, de mais ou menos
R$ 4 bilhões. Mesmo admitindo-se o prejuízo e desconsiderando-se os
argumentos equivocados, Vieira ressalta que não existe negócio sem
risco. Aliás, conforme ele, esse era tão previsível que os compradores
das estatais descontaram do preço de venda o risco-País e o
risco-empresa. E conclui: “Existe um prejuízo muito grande para os
setores industrial, comercial, de serviços e à população. Queremos
saber quem vai pagar por isso.”
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