Engenheiros elegem desenvolvimento social como prioridade

A categoria aproveitou o Fórum Social Mundial 2003, realizado entre 23 e 28 de janeiro, em Porto Alegre, com a participação de mais de 100 mil pessoas, para demonstrar que o conhecimento tecnológico pode e deve estar a serviço dos interesses dos cidadãos e da organização sustentável da sociedade.

No dias 25 e 26, aconteceu o seminário “Engenharia e Desenvolvimento Social”, promovido pelo SEESP (Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo) e pela FNE (Federação Nacional dos Engenhei­ros), na sede do Senge/RS (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul). A programação foi dividida em dois grandes blocos. No primeiro dia, foram abordados os temas relativos aos direitos trabalhistas e à organização sindical. No segundo, entraram em pauta assuntos liga­dos ao desenvolvimento do País e bem-estar da população.


Sindicalismo no mundo
No sábado, 25, o primeiro palestrante foi o sociólogo francês, professor da Universi­dade de Sorbonne, Jean-François Amadieu, que abordou “O movimento sindical no panorama internacional”. Ele traçou um quadro geral, que aponta o enfraqueci­mento do movimento sindical no mundo.

Amadieu identificou uma relação direta entre a pulverização das entidades e a baixa filiação. Segundo ele, as maiores taxas encontram-se nos países escandinavos – em 2000, chegavam a 87,5% (Dinamarca), 79% (Suécia) e 69,2% (Bélgica) –, onde prevalecem o que ele chama de “monopó­lios categorizados”. No extremo oposto está a França, com 9,1% de sindicalizados, onde o modelo é a pluralidade.


As centrais e o Brasil
Qual será o papel das centrais sindicais com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder? Essa foi a pergunta colocada aos representantes da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), SDS (Social Democra­cia Sindical), CUT (Central Única dos Tra­balhadores) e Força Sindical, que participa­ram da mesa-redonda mediada pelo consul­tor João Guilherme Vargas Netto.

Primeiro a falar, Gilmar Pedruzzi, da SDS, apontou a necessidade de corrigir o que considera “distorções” da organização sindical, como, por exemplo, a ingerência no Estado.  Evitando o tema, que não encon­tra consenso no movimento sindical, Hugo Perez, da CGT,  propôs outro rumo ao deba­te. “Vamos buscar os pontos que nos unem e evitar confusão nesse momento.  Vamos rechaçar qualquer atitude que, de maneira gratuita e mesquinha, queira  atingir o gover­no logo no início”, asseverou.  Postura seme­lhante foi anunciada pela dirigente da CUT, Lúcia Reis, ressalvando, contudo, a autono­mia da central. “Apoiamos formalmente o Lula, como um projeto democrático do qual nos vemos como parte integrante. Nossa dis­posição é produzir propostas e negociá-las com os diferentes atores da sociedade.” “A melhor maneira de contribuir para o sucesso do Governo Lula será com as nossas reivin­dicações históricas. Será preciso ceder para avançar, mas dentro do que for possível”, reforçou Jorge Nazareno, da Força.


Revitalização sindical
A maratona de discussões sobre trabalho e sindicalismo teve, no seu encerramento, a presença do diretor técnico do Diap (Depar­tamento Intersindical de Assessoria Parla­mentar), Ulisses Riedel, que na ocasião tam­bém ocupava o cargo de senador. Ele foi categórico: “É preciso ver o que mais con­vém à classe trabalhadora.” Esse, defende, deve ser o norte de toda a discussão acerca da legislação sobre o tema. “O sindica­lismo morre no mundo e é preciso que nós possa­mos perceber que isso favorece aos neoli­berais”, advertiu.

A proposta de fortalecimento do sindica­lismo recebeu apoio do secretário Nacional de Políticas Públicas de Emprego, Remigio Todeschini. “É fundamental para um governo democrático e popular a revitalização do sindicato”, afirmou.

O diretor do SEESP, Geraldo Hernandes Domingues, defendeu a importância dos sindicatos de categorias diferenciadas, caso do SEESP. “Impõe-se essa organização quan­do considerada a necessidade de seus inte­grantes se solidarizarem na luta comum pela obtenção de melhores condições de vida e de labor”, afirmou. Segundo ele, a  inserção des­ses trabalhadores no sindicato por atividade ou segmento acaba por afastá-los do mo­vimento sindical, tendo em vista suas demandas específicas.


Planeta em risco
No domingo, 26, “Ecodesenvolvimento no contexto da Rio+10” foi o tema da primeira das cinco exposições. Apresen­tado pelo engenheiro Henrique Monteiro Alves, o trabalho, de sua autoria em par­ceria com o engenheiro Jorge Joel de Faria Souza, foi um alerta para a necessidade de se reverter o fracasso observado na Confe­rência da Cúpula Mundial para o Desenvol­vimento Sustentável, ocorrida em 2002. “O seu plano de ação enumera uma grande quantidade de objetivos que visam conciliar crescimento econômico e preservação am­biental, mas a falta de precisão induz a du­vidar de sua realização efetiva”, criticou. No geral, “o meio am­biente despontou co­mo parente pobre de uma discussão  preo­cupada com a dimensão econômica do desenvolvimento”.

Na avaliação de Alves, a reversão desse quadro demandará a construção de uma sociedade sustentável. “Isso envolve uma dimensão política, raramente apresentada nos debates sobre o futuro da humanidade, em que se tem apresentado o crescimento econômico e tecnologias de ponta como tábuas de salvação”, afirmou.


Incentivo ao caos
Uma amostra das conseqüências dessa visão de mundo, que privilegia o crescimen­to predatório, foi apresentada no tema seguinte, “A política de trans­portes e a poluição nas metró­poles”. O assunto foi abordado pelos engenheiros Emiliano Sta­nislau Affonso Neto e Laerte Mathias de Oliveira, que denunciaram os efeitos deleté­rios da lógica do transporte individual. “Isso levou a uma crise de mobilidade nas metró­poles, degradando a qualidade de vida de seus habitantes”, afirmou Affonso.

Tomando a cidade de São Paulo  como exemplo, ele demonstrou que um conjunto de medidas ao longo do tempo levou à situação caótica em que o município se encontra. Em 1999, 49% das viagens na ci­dade já eram feitas em transporte individual e, em 2001, já circulava um veículo para ca­da dois habitantes – em 1960 essa relação era de um para 22,5.

Para combater o caos implantado, a recei­ta é uma mudança radical das políticas para o setor, que exige priorizar o transporte coletivo não-poluente e integrar os modais existentes, facilitando o acesso a eles. Para tanto, alertou o engenheiro, é preciso inves­timento público e compromisso dos gover­nos, em especial da União.


Moradia popular
O engenheiro Paulo Grava apresentou duas propostas à solução do déficit habita­cional existente no País. A primeira é o Promore (Programa de Moradia Econô­mica), que visa fornecer assessoria técnica à população de baixa renda (até cinco salários mínimos) que opta pela au­toconstru­ção para garantir sua casa própria e, ao mesmo tempo, oferecer oportunidade de trabalho ao engenheiro recém-formado. O programa foi implantado em Bauru, em agosto de 1988, em convênio com a Prefei­tura local. Desde então, foram aprovadas mais de 5 mil  plantas e a cons­trução ou reforma de mais de 1.500 casas. Já parti­ciparam do programa 400 profissionais, que assistem o usuário desde a planta até o tér­mino da obra. Com o sucesso da iniciativa em Bauru, o SEESP expandiu o Promore para Piracicaba, Rio Claro, Ribeirão Preto e  Campinas.

A outra idéia abordada, que beneficia a população com faixa de renda ainda infe­rior, é a garantia de posse do terreno pelo usucapião coletivo, previsto no Estatuto da Cidade. Grava apresentou em Porto Alegre a experiência levada a cabo na cidade de Bauru, que beneficiou os moradores da Favela Jardim Nicéia.

 

Cidadania e saneamento ambiental
Em sua palestra, o engenheiro Cid Barbosa Lima Junior fez a defesa do serviço público de saneamento básico. Apresentando um his­tórico do avanço do neoliberalismo desde os anos 80 e sobre as pressões da última década pela privatização das atividades tradicional­mente a cargo do Estado, ele expôs os riscos para o setor, considerado essencial à saúde pública. “O perigo nesse caso é jamais se al­cançar a universalização da rede de água e esgoto tratados”, advertiu.

Ele lembrou que, no Brasil, o setor já está nas mãos de companhias privadas em mais de 30 cidades e que esse processo tem tido apoio irrestrito do Conselho Monetário Nacio­nal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. “Esses órgãos têm con­tingenciado os recursos destinados às empre­sas públicas, pressionando municípios e esta­dos para que privatizem o saneamento”, afir­mou. Para se contrapor a essa situação, infor­mou, foi criada a Frente Nacional pelo Sanea­mento Ambiental. O movimento luta pela mudança na lógica que estimula a privatização e defende a volta dos inves­timentos públicos no setor e a criação de uma lei que dê diretrizes ao saneamento.


Energia: serviço essencial
Os prejuízos causados pelas privatiza­ções equivocadas também foram o tema do último debate do dia. O engenheiro Carlos Augusto Ramos Kirchner apre­sen­tou a palestra “Propostas para um novo modelo para o setor elétrico”, em que apontou o erro central das mudanças im­plementadas pelo governo de  Fernando Henrique Cardoso. “A energia deixou de ser uma utility (utilidade) e passou a commodity (mercadoria), o que afrontou toda a nossa base institucional. Isso terá de ser resgatado antes de se propor qual­quer novo marco re­gulatório”, considerou. Dessa forma, avalia Kirchner, é essencial recuperar o conceito constitucional de ser­viço público para a energia.

Para o professor Ildo Luís Sauer, da pós-graduação em Energia da USP e agora diretor  da Petrobrás, a mudança não foi aleatória, mas obedeceu à lógica estabelecida pelo Consenso de Wa­shington. “Identificaram-se nos paí­ses do Terceiro Mundo com alguma in­fra-estrutura oportunidades de se con­seguir taxas de lucros altas para o capital. Agora, para reverter a situação, enfati­zou, “é preciso saber que prin­cípios defendemos” ao repensar o mo­delo energético. “Não é possível acei­tar o discurso da supremacia dos valo­res do mercado.” Também presente ao debate, o presidente de Itaipu Binacio­nal, Jorge Samek, afirmou que o fundamental para garantir a segurança ao sistema elétrico é planejamento.

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