Do azeite de baleia à mágica da luz elétrica

A rede de iluminação pública da cidade de São Paulo é composta hoje por cerca de 460 mil unidades, com aproximadamente 525 mil lâmpadas, segundo dados do Ilume, órgão municipal responsável pelo serviço. A trajetória que deu origem a esse acervo, considerado o maior do mundo, começou de maneira bem modesta e levou quase um século para se valer da eletricidade. Segundo a cronologia elaborada pela FPHESP (Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo), os primeiros pontos de luz na Capital surgiram em 1825. O governo provincial colocou nas paredes de edifícios cinco lampiões que funcionavam com a queima de óleo de mamona ou azeite de baleia. Outros 100 seriam instalados em 1849, dessa vez em postes de canela.

Em 1863, já havia 350 lampiões a querosene nas ruas e principais edifícios públicos. Nesse ano, foi assinado o contrato entre o governo da província e Francisco Taques Alvim e José Dutton para que a cidade fosse iluminada a gás. Para tanto, os concessionários estavam obrigados a construir uma fábrica de gás de carvão. Não conseguindo levar o empreendimento a cabo, conforme conta Rogério Ribeiro da Luz, em seu livro “A engenharia paulista: colônia-império”, cederam os direitos à inglesa The San Paulo Gas Company Ltd, que em 1873 dotou a capital de 700 lampiões, com queimadores do tipo chama livre. Em 1902, esses seriam transformados em combustores com camisa incandescente.


Concorrência
A concessão à companhia inglesa havia sido renovada em 1897, dessa vez por prazo de 30 anos, o que não impedia que fosse empregado qualquer outro processo de iluminação nos locais em que ela era omissa. Começava assim a disputa entre o gás e a eletricidade. Quando, em 1900, a The São Paulo Railway, Light & Power Company Ltd incorporou a Companhia de Água e Luz do Estado de São Paulo, a concorrência pelo mercado ficou entre as duas empresas. Em 1906, após algumas tentativas de vencer o monopólio do gás, a Light conseguiu, conforme conta o engenheiro Edgar de Souza, em sua “História da Light: primeiros 50 anos”, firmar um contrato com os comerciantes da Rua Barão de Itapetininga, que desejavam atrair a clientela também à noite. A via recebeu, então, lâmpadas de arco voltaico. No ano seguinte, graças ao auxílio financeiro do governo, a inovação foi estendida aos estabelecimentos do chamado Triângulo (formado pelas ruas Direita, XV de Novembro e São Bento), onde foram instaladas 50 lâmpadas.

O grande golpe de marketing da Light seria dado quando da inauguração do Teatro Municipal de São Paulo, em 1910. Na época, a Gas Company esforçava-se para conseguir iluminação brilhante das ruas adjacentes, com o objetivo de realçar o que viria a ser um monumento para a cidade. A idéia era utilizar o gás sob alta pressão em lâmpadas de grande intensidade luminosa, o que era uma novidade no gênero, as chamadas Lâmpadas Lucas.  A empresa elétrica, por sua vez, estava encarregada da instalação elétrica do teatro e foi autorizada a iluminar também a sua escadaria e esplanada lateral, construída na encosta do Anhangabaú, estendendo-se até a Rua Formosa, ainda sem luz. Para mostrar a superioridade do seu sistema, lançou mão das recém-chegadas ao mercado lâmpadas Adams-Bagnall, de arco-chama tipo fechado, que produziam luminosidade muitas vezes superior ao que era utilizado até então, além de permitir a obtenção de luz amarela, vermelha ou mesmo branca, de acordo com os sais minerais empregados na impregnação dos carvões. Com 42 dessas, de cor amarela, mais agradáveis que as violáceas, literalmente ofuscou o esforço da Gas Company.


Vitória da Light
O sucesso rendeu à Light o primeiro contrato público, para iluminar as avenidas Higienópolis e Brigadeiro Luiz Antônio e, meses mais tarde, a Paulista, cujos moradores ficaram inconformados com a superioridade dos vizinhos em termos de luz. Na esteira desse, estendeu sua atuação à Estrada da Penha (hoje Avenida Celso Garcia) e outras ruas do bairro, Avenida Água Branca, ruas Guaicurus e Trindade, seguindo a linha do bonde, operado pela mesma empresa. Nesses casos, já foram utilizadas as lâmpadas incandescentes de filamento de tungstênio, que tinham a luminosidade de 60 velas. A partir daí, a Light foi ampliando seus domínios, até que, em 1929, teve fim a disputa. O governo firmou novo contrato com a San Paulo Gas Company em que essa poderia subcontratar serviços de iluminação com eletricidade, que ficaram a cargo da ex-concorrente. Com isso, o gás canalizado passou a ser fornecido apenas a particulares.

A cidade contava então com 10.711 lampiões, que começaram a ser desligados. Em 1936, apagaram-se os dois últimos, encerrando-se definitivamente a era do gás nas ruas da Capital.

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