Desigualdade

Engenheiro está entre novos excluídos

Soraya Misleh

Combalida pela recessão a partir dos anos 80, a classe média brasileira, em especial a assalariada, foi nocauteada pelas políticas neoliberais adotadas na década de 90, que aprofundaram o fosso entre ricos e pobres. Conseqüentemente, essa camada intermediária deslizou para a pobreza, conforme constatou o professor de Economia Social e do Trabalho da Unicamp, Waldir Quadros. Estudo de sua autoria demonstra que categorias profissionais como a dos engenheiros, que pelo perfil ocupacional integram a classe média, viram sua renda encolher nos últimos 20 anos. Assim, diminuiu o número de pessoas no topo da pirâmide e aumentou o percentual das situadas em sua base. Segundo o professor, o quadro é de deterioração social e seu principal mecanismo é o desemprego, que atinge 9,7 milhões de pessoas – dados da PNAD/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Em 1981, eram 2,8 milhões.”

Desse modo, vê-se o surgimento de um novo contingente de excluídos: os que têm escolaridade, mas não trabalho. A definição é do economista Marcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo, para quem, fruto do esvaziamento da classe média, o Brasil vivencia “uma nova polarização social”. O acirramento da desigualdade explica-se no livro “Os ricos no Brasil – Atlas da Exclusão Social – Volume 3”, que tem como um de seus organizadores Pochmann. “A obra aponta a expansão absoluta e relativa de famílias ricas (de 1,8% do total da população brasileira em 1980 para 2,4% em 2000) e o aumento da quantidade de pobres. Fica cada vez mais clara essa divisão.” O secretário ressalta que os que tiveram elevação no poder aquisitivo integram o “circuito da financeirização”, ou seja, enriqueceram mediante atividades que envolvem especulação financeira, não-associadas à produção. “São 15 mil famílias em um universo de 51 milhões.” Na outra ponta, os miseráveis no País somam 33,15% da população, como indica o Mapa do Fim da Fome II, divulgado em 15 de abril pela Fundação Getúlio Vargas, Sesc Rio e ONG Ação pela Cidadania.

A piora social e o decorrente esvaziamento da camada intermediária resultou – como aponta o livro “Os ricos no Brasil” – do fato de terem entrado em crise dois processos que, em meio à progressão excludente da riqueza dos anos 30 a 70, amorteciam a tensão social: o rápido crescimento econômico e a mobilidade social e espacial. Dessa forma, a partir da década de 80, o País “passou a conviver não apenas com taxas de expansão da economia levemente acima da variação da população, mas constantes e bruscas oscilações nas atividades produtivas. O resultado tem sido a reversão do comportamento do mercado de trabalho, que, por intermédio de sua desestruturação, aponta cada vez mais para o aumento do desemprego, o desassalariamento e a geração de postos precários”. Paralelamente, desponta uma nova divisão internacional do trabalho, fruto da globalização. Nesse cenário, de acordo com Pochmann, empregos aos mais qualificados, como os engenheiros, estariam em países com maior nível tecnológico. No Brasil, portanto, a classe média assalariada estaria fadada a desaparecer.

 

Alternativas – Para reverter essa trágica tendência é preciso que o Governo Lula altere os rumos de sua política econômica, segundo destaca Quadros, “impotente para fazer o País crescer”. Isso, ainda conforme o professor, foi comum a todos os governos brasileiros desde 1981. “Sem crescimento econômico não adianta paliativo, primeiro ou segundo emprego.” Na sua análise, uma solução é dar prioridade a setores fortemente empregadores de mão-de-obra, como a construção civil, com a implantação de um programa habitacional sério. “Se trabalharmos com carências sociais, o desemprego rapidamente diminuirá. Isso dará dinamismo ao mercado de trabalho, melhorará a condição salarial e uma parte das pessoas em situação precária subirá.” Contudo, como ainda não houve manifesta intenção de mudar a política econômica por parte do Executivo Federal, sua perspectiva não é otimista. “Se der tudo certo, vamos repetir FHC. Não dá para fazer melhoria com baixo crescimento. A tendência é aumentar a erupção social e a violência.”

Já Pochmann acredita que o Governo Federal, face à tensão social, será levado em algum momento a fazer uma opção mais drástica, sob o risco de perder definitivamente sua credibilidade. “Terá que romper com as 15 mil famílias que há 12 anos aprisionam a política macroeconômica em torno da financeirização.” Contudo, o secretário pondera: “É muito difícil que essa situação, que já dura 25 anos, seja revertida a curto prazo, mesmo com a mudança do modelo de desenvolvimento para o País. Agora, isso é necessário para que tal tendência seja alterada a médio e longo prazo.” Para ele, a Nação precisa ainda de reformas urgentes, capazes de possibilitar uma distribuição mais justa da renda.

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