Clima: entre a vida no planeta e Wall Street |
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“Países submergirão, espécies animais serão
extintas, haverá surtos de doenças e serão verificadas alterações no
regime de chuvas.” Tais declarações não são profecias
de Nostradamus, mas previsões que encontram consenso entre
cientistas do mundo sobre o que acontecerá nos próximos 100 anos, caso o
aumento do efeito estufa não
seja controlado. “Se nada for feito, espera-se que a temperatura do
planeta suba até 5,8ºC”, informa o engenheiro João Wagner Alves,
gerente da Divisão de Questões Globais da Cetesb. A agência ambiental
paulista é um dos órgãos encarregados de auxiliar o governo federal a
cumprir os compromissos assumidos na Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança de Clima, de 1992. Desde então, ganhou peso a teoria de que estão
ocorrendo mudanças climáticas e essas são provocadas pela atividade
humana, que multiplicou excessivamente a emissão de gases de efeito estufa
– imprescindível para que a Terra não seja um deserto gelado, mas
perigoso se aumentado. Os vilões são dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido
nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcabonos (PFCs) e
hexafluoreto de enxofre (SF6). O consumo de energia representa metade do problema, mas há
outros responsáveis como queimadas, lixo e até agricultura e pecuária.
Uma plantação de arroz, por exemplo, gera grandes quantidades de metano,
resultado da combinação de água e matéria orgânica. Isso torna ainda
mais assustadora a previsão de descongelamento da Sibéria, que se
transformaria numa área equivalente ao Brasil com exatamente essa composição:
H2O e vegetação. De acordo com o engenheiro da Cetesb, o problema data
do século XIX quando houve a Revolução Industrial no Primeiro Mundo,
utilizando tecnologia baseada em combustível fóssil. “A gasolina com a
qual você abastece o seu carro, ao ser consumida, é lançada à atmosfera
em forma de vapor. Esse carbono não volta mais à natureza, diferentemente
do que ocorre quando se queima
uma árvore, que pode ser plantada novamente e realizar fotossíntese”,
exemplifica. Nesses 150 anos, a temperatura subiu 0,6ºC e já fez
estragos. “As observações são pontuais: a umidade relativa do ar em
Brasília reduziu-se drasticamente, as camadas de gelo nos pólos estão
mais finas, há recuo das geleiras nas montanhas, os dias mais quentes de
verão foram verificados todos na última década do século XX, há maior
ocorrência de tornados e furacões nos EUA”, conta Alves. A dificuldade,
diz ele, é que ainda não se pôde comprovar cabalmente a relação entre
esses fatos e a atividade humana. Ainda assim, as negociações que tiveram início em 1992 avançaram e culminaram no Protocolo de Quioto, de 1997. Pelo documento, os países industrializados reduziriam suas emissões combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990 até o período entre 2008 e 2012. O acordo determina compromissos específicos para cada nação. Algumas podem aumentar suas emissões em até 10% e muitas outras devem reduzi-las de 5% a 8%. Os Estados Unidos, por exemplo, têm de fazê-lo em 7%. O país, que em 1990 emitia 36% de todo o dióxido de carbono do mundo, havia concordado com os termos do protocolo, sob o governo Bill Clinton. Ao assumir o poder em 2001, George W. Bush, cuja campanha recebeu colaborações da indústria petrolífera, voltou atrás, afirmando que não poderia comprometer o crescimento norte-americano.
Se um ponto da disputa é decidir se o problema é
real, outro é estabelecer quem deve resolvê-lo. Para Alves, não restam dúvidas.
“A situação atual não é
responsabilidade dos países subdesenvolvidos.” A diferença da influência
que cada país exerce no problema pode ser medido pelo seu consumo energético,
ensina Alves. “Nesses termos, cada cidadão norte-americano equivale a
oito brasileiros.” Ele lembra ainda que, para melhorar seus padrões sócio-ambientais,
o Brasil e os demais integrantes do Terceiro Mundo deverão aumentar esse nível
em duas vezes. “Essas nações também têm que fazer a sua Revolução
Industrial, o importante é que isso aconteça de forma sustentável, o que
demanda criar novas tecnologias. Mas isso deve ser feito nos países ricos,
que causaram o problema e detêm os recursos. O Brasil não pode socializar
o custo da mudança climática, nós temos que gastar com educação, saúde
e outras prioridades”, afirma. A conclusão parece óbvia, mas se depender do atual governo dos Estados Unidos, o mundo está perdido, reconhece o engenheiro: “O Bush já falou que é necessário adaptar-se às mudanças, que não moverá um dedo para impedi-las. O que ele identifica são oportunidades de negócios, como indústria de irrigação nos lugares em que houver seca.”
No curto prazo, as esperanças de avanço estão na Cúpula
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio + 10,
que se realiza em Joanesburgo, na África do Sul, de 26 de agosto a 4 de
setembro de 2002. O propósito é reforçar compromissos para que os
objetivos da Agenda 21 sejam alcançados, inclusive no que diz respeito ao
clima.
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