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Dar
um basta aos múltiplos atentados ao interesse público que a distribuidora
de energia paulista vem cometendo por meio da venda de seus ativos. Esse é
o objetivo da ação impetrada pelo Sindicato dos Engenheiros na Justiça
Federal de São Paulo, em 27 de junho último. A prática da AES Eletropaulo
implica diversas irregularidades. Prejudica a prestação do serviço à
população, comete uma ilegalidade ao vender aquilo que não lhe pertence e
incorre em fraude contra o credor, tendo em vista que o patrimônio da
concessão é a garantia da dívida que tem com o BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social). Assim,
em sua ação, o Sindicato pede que se determine a imediata interrupção da
alienação de imóveis e a suspensão da Resolução nº 20 da Aneel (Agência
Nacional de Energia Elétrica), que permite às concessionárias de energia
elétrica venderem patrimônio sem prévia autorização. Solicita ainda que
o presidente do BNDES, Carlos Lessa, seja notificado a adotar “as medidas
judiciais cabíveis, sob pena de responsabilização civil por sua omissão,
através de procedimento a ser instaurado pelo Ministério Público
Federal”.
“As
duas ressalvas são inócuas e afrontam a nossa inteligência”, dispara o
diretor do SEESP, Carlos Augusto Ramos Kirchner.
Ele lembra que obrigar o reinvestimento do dinheiro obtido com alienações
não impede que igual importância arrecadada com tarifas seja desviada
desse fim. Além disso, como não está definido o que é inservível, a
Eletropaulo determina a seu bel prazer o que pode ou não vender. Com
a carta branca que recebeu da Aneel, a distribuidora se desfez, desde
outubro de 1999, de 22 imóveis, arrecadando aproximadamente R$ 250 milhões,
conforme relatório do Ministério Público Federal. Entre os ativos que
considerou sem utilidade, estão agências de atendimento ao consumidor,
instalações para serviços emergenciais, as chamadas “prontidões”, e
oficinas de instalação de manutenção. A
disposição da Eletropaulo de dar cabo de seu patrimônio é tal que, em 3
de outubro de 2002, firmou contrato com a
Ernst & Young Consultores Associados para avaliação e venda de
20 propriedades.
Serviço
prejudicado De
modo geral, à dilapidação do patrimônio correspondeu a dispensa de
milhares de profissionais especializados, cujas funções passaram a ser
executadas por trabalhadores terceirizados sem treinamento devido. O antigo
quadro de 10.500 funcionários foi cortado para 3.700. Vende,
mas pode não entregar A
tese é corroborada pela Lei 8.987/95, que, em seu artigo 35, determina que “extinta
a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis,
direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no
edital e estabelecido no contrato”. Diante desse quadro, a ação
impetrada na Justiça Federal pede ainda que a Eletropaulo seja obrigada a
indenizar a União pelos valores de venda indevidamente recebidos. Se
a AES jamais possuiu esses bens, atualmente tem ainda menos direitos sobre
eles. Detentor de uma dívida de US$ 1,2 bi junto ao BNDES, o grupo deu como
garantia dos empréstimos que tomou para comprar a Eletropaulo exatamente as
ações da distribuidora. Ao vender aquilo que, na prática, já pertence ao
banco público incorre em fraude contra o credor. “Uma empresa insolvente,
cujo patrimônio vale um sexto daquilo que tem que pagar, não pode se
desfazer de nada”, afirma Álvaro Martins, diretor do SEESP e engenheiro
do setor. Segundo ele, ao BNDES, caberia não só impedir o prosseguimento
das transações, mas, por meio de ação revocatória, anular os contratos
efetuados. |
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AES
arrematou distribuidora sem investir um centavo e sem concorrência |
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A
Eletropaulo tornou-se símbolo dos desmandos que povoam o setor elétrico
desde a implantação do atual modelo, em 1995, que incluiu a desverticalização
e privatização das companhias. Em 31 de dezembro de 1997, a empresa foi
dividida em quatro: uma geradora e uma transmissora, as atuais Emae e EPTE,
que continuam estatais, e duas distribuidoras, a Bandeirante e a Eletropaulo
Metropolitana, que foram vendidas. “O problema já começou aí, na divisão
da empresa, que separou a parte lucrativa para ser repassada à iniciativa
privada e manteve a deficitária com o Estado”, afirma o engenheiro Auro
Doyle, à época atuando na companhia. Levada
a leilão em 15 de abril de 1998, a Eletropaulo foi arrematada pela Lightgás
Ltda., uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), formada por AES
Corporation, EDF (Eletricité de France), Reliant Energy e CSN (Companhia
Siderúrgica Nacional). Após o leilão, foram compradas as participações
da Reliant e da CSN. Depois, por uma permuta de ações, a EDF também
deixou a Lightgás, que ficou sob controle total do grupo estadunidense e
passou a se chamar AES Elpa S.A. À
época, a expectativa do Governo de São Paulo era fazer um ótimo negócio,
mas a Eletropaulo acabou sendo vendida pelo preço mínimo de US$ 1,78 bilhão.
Conforme divulgado pelo jornal Financial Times, a pechincha foi
assegurada ao consórcio liderado pela AES graças a um acordo com a Enron.
Como recompensa por comparecer ao leilão apenas para fazer cena, essa última
ganharia um contrato para fornecimento de energia, gerada por uma termelétrica
a ser implantada. Outra
vantagem da AES na transação foi não ter que tirar um centavo do bolso.
Junto ao BNDES tomou US$ 888 milhões – em 2000, conseguiria comprar do
banco, parceladamente, as ações preferenciais da empresa, no valor de US$
872 milhões. Outros US$ 875 milhões vieram de um financiamento obtido pela
LIREnergy Limited, uma subsidiária do grupo, nas Ilhas Cayman, junto a um
sindicato de bancos. Assim,
a principal distribuidora de energia do País foi vendida a uma SPE
descapitalizada e altamente endividada, hoje insolvente e colocando em risco
a prestação do serviço público essencial. Para completar, o BNDES pode
nunca mais ver a cor do dinheiro que emprestou, já que a transação foi
feita sem outras garantias além das ações da Eletropaulo, hoje valendo
20% do que o banco tem a receber. Segundo relatório do TCU (Tribunal de
Contas da União) de 4 de junho, teriam sido necessárias, entre outras
medidas, a inclusão no contrato de garantia solidária dos controladores da
empresa vencedora do leilão e a ratificação do acordo em seus países de
origem. |
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