Memória

Setor automotivo vive estagnação, após crescimento fantástico

A montagem de veículos no Brasil teve início há cerca de 80 anos. “O índice de nacionalização era zero ou perto disso. Eram uns calhambeques da Ford e GM muito simples, que vinham já pintados e desmontados em uma caixa”, conta o engenheiro Márcio Migues, presidente do IQA (Instituto da Qualidade Automotiva). Contudo, como os carros não eram tropicalizados, ou seja, não-adaptados tecnologicamente ao local, segundo ele, surgiam alguns problemas, como o fato de o motor “ferver”. Isso estimulou o desenvolvimento de muitas oficinas para consertar radiadores, que posteriormente passaram a ser fabricantes do material. “Tal peça foi, até os anos 50, bastante usada, devido à criticidade da temperatura.”

 

Os primeiros carros nacionais
A idéia de fabricar veículos no Brasil, com componentes nacionais, começou a ganhar corpo no Governo de Getúlio Vargas, que impôs uma série de medidas para incentivar a instalação de linhas de produção no País. A informação consta no livro “Indústria automobilística brasileira – uma história de desafios”, publicado pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). “Nessa época, já havia outras montadoras aqui, como a Volkswagen, em atividade desde 1953. Mas a nacionalização continuava sendo pequena e sempre de materiais de baixo valor tecnológico, como bancos e vidros.”

A iniciativa somente foi levada adiante no início de 1956, já com Juscelino Kubitschek no poder. Ele criou o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), que, conforme Migues, implantou as bases para a indústria automotiva nacional. Esse definia que em dez anos a nacionalização deveria ser total. Quando o setor partiu para atingir tal meta, gerou não apenas investimento, mas também um aprendizado na tecnologia de montagem de automóveis e fabricação de peças. “Em 1966 tínhamos o veículo nacional por excelência e as restrições para a importação de carros foram aumentando.” Alguns modelos chegaram, inclusive, a ser desenhados pelos engenheiros brasileiros, como o Aero Willis 2600 e o SP 2, mas concebidos sob tecnologia importada.

 

Vasto campo de trabalho
Com a nacionalização, abriu-se a esses profissionais um campo de trabalho fantástico. “Isso porque a indústria automobilística é uma locomotiva que puxa o vagão da metalurgia, da siderurgia, da química do plástico e do tecido. O impacto deu-se até na utilização de materiais nacionais oriundos do extrativismo. Por exemplo, na Europa, os bancos eram feitos com fibra de crina de cavalo e fizemos com fibra de coco de Belém do Pará e da Bahia misturada com o látex.”

Tal desenvolvimento repercutiu nos currículos das escolas de engenharia, os quais tiveram que ser adaptados a processos de produção da peça, da siderurgia, da metalurgia, da química e não só da mecânica. “Além disso, foram instituídos os cursos com ênfase na área automotiva. Os primeiros foram os da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), no final da década de 60.” A evolução continuou nos anos 70. “Em 1979, materiais cerâmicos passaram a ser uma cadeira da engenharia mecânica, porque muitas aplicações desses e seus refratários aconteceram em componentes automotivos”, atesta Migues.

 

A volta das importações
À grande revolução representada pelo desenvolvimento de materiais no Brasil seguiu-se um período de estagnação, que predominou nos anos 80. Já a década seguinte caracterizou-se, conforme dados obtidos no Cedoc (Centro de Documentação da Indústria Automobilística) da Anfavea, pela descentralização do setor, ligada à intensificação da globalização, abertura comercial, mudanças tecnológicas, mão-de-obra barata, incentivos fiscais e localidades com pouca influência sindical. Conforme pesquisa junto ao Cedoc, a partir de 1992 houve a retomada do crescimento, devido, em especial, a acordos firmados com o Governo no âmbito da Câmara Setorial Automotiva. Três anos depois, a instituição do “novo regime automotivo” culminou com a chegada de muitas empresas e atualmente, conforme o presidente do IQA, o Brasil é o país que mais marcas fabrica – mesmo que algumas sejam apenas montagens.

Apesar disso, vive-se hoje novamente um período de estagnação. “Não vemos neste ano uma condição forte de recuperação, a não ser que o Governo descongele alguns instrumentos como renovação da frota, inspeção veicular ou crie um outro programa de incentivo”, salienta ele.

O uso da tecnologia tupiniquim, acabou se perdendo com o tempo e agora começa a voltar, devido à preocupação com o meio ambiente. “Os fabricantes vão novamente usar fibras alternativas, não necessariamente de coco, para fazer inclusive painéis de porta. Estamos voltando às origens”, comemora Migues.

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