Construção

Sustentabilidade é missão da engenharia

A indústria da construção civil é uma grande consumidora de recursos naturais. “Estima-se que 75% do que é extraído vá para esse setor”, informa o professor- doutor Vanderley Moacyr John, do Departamento de Engenharia da Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. No Brasil, a produção é de cerca de 40 milhões de toneladas de cimento por ano, que representam 10% a 12% do CO2 emitido.Em compensação, é a grande recicladora do País. “Uma tonelada de clínquer gera uma tonelada de CO2. Hoje, 25% desse componente é substituído e, com isso, o impacto é de menos da metade da indústria estadunidense”, afirma John. Uma alternativa utilizada é a escória granulada de alto-forno, resíduo da siderurgia. Usa-se também cinza volante de termelétricas e pozalanas de argilas. Todas diminuem a quantidade de combustível fóssil utilizado e o consumo de calcário.

Outro item importante para a reciclagem é o aço. São produzidos 25 milhões de toneladas por ano. Desses, cerca de 5 milhões vão para a construção misturados ao concreto. “A matéria-prima nesse caso é em 85% sucata. Quando isso é feito, talvez se corte em 50% a geração de poluentes, inclusive CO2.”


Obras corretas
Reduzir e destinar corretamente o seu próprio resíduo, calculado em 500 quilos por habitante por ano, é tarefa igualmente relevante. Segundo o professor, a cidade de São Paulo gasta R$ 40 milhões por ano retirando entulho das ruas. “Isso daria para fazer 2 mil habitações populares”, informa.

A Resolução 307/02 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) determina que construtores e municípios tenham planos de gestão para o problema. Assim, nos canteiros, deve-se segregar os resíduos, destinando cada um à sua cadeia de reciclagem. A parte mineral pode ser aproveitada na própria construção, embora as aplicações ainda não sejam as mais nobres, ressalva John. Conforme ele, já há tecnologia para fazer base para pavimentação e a norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) está quase concluída. “Nós estamos trabalhando aqui no departamento numa forma de caracterizar um sistema de qualidade que permita classificar os reciclados. E, com base nisso, decidir o fim em que cada um terá maior valor agregado”, conta.


Soluções alternativas
Outra preocupação é que a obra seja racional depois de pronta. “Mais de 20% da água é consumida em edifícios. Existem tecnologias que consomem desnecessariamente, mas há outras opções”, alerta o professor. Ele dá como exemplo as bacias sanitárias de 6,5 litros, que gastam menos, e torneiras e chuveiros que reduzem o tamanho das gotas e aumentam a superfície de contato com o corpo.

Defende ainda que se recupere o velho sistema da cisterna, retendo água da chuva, que pode ser utilizada para regar o jardim ou lavar o carro. A medida teria ainda benefício adicional. “Um grande problema é chuva torrencial que inunda parte da cidade, devido à impermeabilidade do solo. Se todo mundo coletasse água do telhado, não precisaríamos de piscinões.”  Outro drama urbano que poderia ser minimizado é o tratamento de esgotos. “Há pequenas centrais que podem ser instaladas nos prédios, isso é perfeitamente viável”, assegura.

O desperdício de energia, associado ao aproveitamento da luz natural, ao tipo de lâmpada, de material de fachada e de telhado, também entra na lista. Um sintoma de que o assunto não está sendo tratado a contento, diz John, é que o “ar-condicionado está integrando a construção brasileira”. O chuveiro elétrico, na sua opinião, precisaria ser substituído. “Para isso, temos os aquecedores a base de energia solar.”

Obstáculo à consolidação dessas idéias, na avaliação do professor, é o atual perfil do engenheiro. “O profissional é treinado para ser cético, gosta de soluções de baixo risco e essas são as tradicionais. Outra coisa é que não tem tradição de atualização, forma-se e nunca mais compra um livro, não vai a congresso técnico.”


Conhecimento técnico
Superar essa situação será imprescindível para atingir soluções de escala. “A gente precisa de gente formada, que entenda. Não existe receita, cada caso é um e demanda uma decisão”, afirma. Por exemplo, explica ele, nem toda reciclagem é boa, há aquelas cujo processo é tão agressivo ao meio ambiente que seria melhor incinerar o resíduo. Outras podem gerar produtos altamente poluentes – caso da cal feita pela Solvay, que continha alto teor de dioxinas e muitos furanos e foi utilizada até os anos 90.

Assim, não é possível que a seleção de materiais leve em conta apenas a quantidade de resíduos que contém. A tarefa, que precisa  considerar os impactos ambientais na fase de construção e de uso, é mais complicada. “Para isso, estamos começando a utilizar um conceito de análise de ciclo de vida, incorporado na ISO 14.040.” Critérios pertinentes, aponta John, evitarão situações como a das telhas feitas de plástico reciclado, que não duram seis meses. “Eu vejo que muitos dos novos produtos partem do pressuposto de que o que é reciclado ou artesanal é bom, é a idéia do small is beautiful. Tenho certeza que muitas dessas tecnologias podem vir a ser boas, mas falta engenharia, conhecimento, documentação técnica que mostre isso.”

Para o professor, esse é mais um nó a ser desatado, que demanda iniciativa governamental, a não-obrigatoriedade de fichas técnicas contendo a composição e informações para segurança no trabalho de cada material, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, onde existe o MSDT (Materials Safety Data Sheet). “Isso é necessário para tomar decisões com  informação e não com preconceito.”

Apesar das críticas, o especialista vê o futuro com otimismo. “Nós sabemos a enrascada em que estamos e, se foi a tecnologia que nos trouxe até aqui, só ela pode nos tirar.” Um sinal de avanço, acredita ele, pode ser a Conferência Latino-americana sobre Construção Sustentável, marcada para o primeiro semestre de 2004, em São Paulo.

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