Desconforto

Cinto de segurança, só para maiores

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Soraya Misleh

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“Ele pega no meu pescoço.” A reclamação comum revela o problema enfrentado pelas cidadãs e cidadãos brasileiros de baixa estatura, quando o assunto é cinto de segurança. Não bastasse o desconforto, eles correm o risco de ser estrangulados por esse equipamento em eventual colisão.

Principal item de segurança passiva nos veículos – aquela desenvolvida para funcionar independentemente da ação do motorista em um acidente –, o cinto deixa a desejar quando a pessoa está fora das especificações adotadas. “Há padrões ergonômicos que cobrem desde a mulher baixa, de 1,48m, até o homem alto, de 1,96m. São normas internacionais”, afirma Marcelo Bertocchi, gerente de Engenharia de Segurança Veicular da Volkswagen do Brasil. Segundo ele, são raros os que têm altura superior. “Para o Oscar Schmidt pode ser que haja um desconforto. Esse pessoal costuma comprar carros maiores. Além disso, há ajustes nos menores. As regulagens são realmente importantes”, constata.

Contudo, esses recursos não estão à disposição de todos. “Infelizmente, existem diversos padrões de segurança e o cliente tem que pagar por isso”, revela Bertocchi. O coordenador da Comissão de Segurança Veicular da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), Alexandre Benedito Novais, observa que “depende da qualidade do veículo vir com regulagem de cinto, de banco. Esses recursos são considerados luxo, não segurança”. Há ainda, segundo ele, modelos cujo ajuste é muito complicado, depende de ferramentas. “E nem sempre está bem explicado no manual do proprietário como regular o cinto e a altura do banco.” Na sua opinião, além de tornar esses itens comuns em veículos mais simples, é preciso facilitar o ajuste e propiciar orientação clara a todos.

Se os Oscars Schmidts brasileiros são minoria, o mesmo não se pode dizer dos “baixinhos”. Não é difícil conhecer ou ver nas ruas pessoas com pouca altura. A esses, nem sempre a regulagem é a ideal. A encarregada de departamento de pessoal Yurie Murakami, com 1,48m, sente na pele o problema e acha que o cinto deveria ser ajustável para pessoas mais baixas. “Não sei se é porque atende a um padrão internacional, mas o fato é que mesmo em carros com regulagem o cinto pega no meu pescoço”, declara o chefe de transporte José Geraldo de Morais. “Realmente, os dados são baseados em norte-americanos ou europeus. Não existe levantamento antropométrico da população brasileira”, informa Mário Fernando Petzhold, professor do Departamento de Engenharia Industrial da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador executivo do Curso de Especialização Superior em Ergonomia Contemporânea do Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias dessa instituição. O único dado existente, lembra ele, é do Exército Brasileiro, para uso interno. E segundo o seu Centro de Comunicação Social,  a altura dos homens brasileiros que se apresentaram para seleção inicial no serviço militar em 2003 variava entre 1,69m e 1,74m, dependendo da região. Apesar da carência de informações, de acordo com o professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Celso Arruda, em território nacional, devido à população ser muito diversa, utilizam-se bonecos em diferentes tamanhos para se realizar o mesmo ensaio sobre cinto.


Jeitinho brasileiro
Aparentemente, isso não representou a superação das dificuldades aos “baixinhos”. Para vencê-las, Morais, que tem 1,58m, utiliza um prendedor de cinto de segurança, o qual, contudo, perde a eficácia, porque fica muito solto. Bertocchi atesta: “A cada 10mm de folga propiciada por esse clipe, o cinto pode perder até 15% de sua performance em um acidente.”

Também tenta adequar o equipamento à sua estatura a esteticista Sara Neser Misleh, com 1,54m de altura. Proprietária de um Uno 1.0, ano 1997, ela improvisa uma regulagem, já que seu veículo não dispõe desse recurso. Conforme o professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli-USP, Marcelo Massarani, é preciso muito cuidado com adaptações que não sejam feitas pelo fabricante. No seu caso, de acordo com Neser, a alteração teria que ser solicitada junto à concessionária, conforme o manual do proprietário. Regulagem assim, na concepção de Novais, é preferível não ter.

Na ótica de Massarani, nesses casos, não só o cinto, mas o banco deve ser ajustável e a sociedade poderia exigir que isso se estendesse a todos os veículos. A publicitária Márcia Maria França acredita que essa seria a solução. Com 1,53m, ela tenta driblar a dificuldade afastando mais o encosto do seu Palio EX 1998, “para o cinto não ficar tanto no pescoço”. “Em contrapartida, fico muito distante e isso atrapalha a visão.” Segundo Morais, seria necessário padronizar ambas regulagens para evitar outra dificuldade: alcançar o pedal, caso se eleve o assento. A gráfica aposentada Marlene Rodrigues Oliveira, que tem 1,50m, confirma: “Já tentei colocar um travesseiro, mas teria que esticar muito a perna para alcançar o pedal. Se mexer na altura do banco atrapalha a altura dos pés.”


Desinformação
Para resolver o impasse, aos adultos “baixinhos” – ou crianças, já que os padrões ergonômicos valem também para os bancos traseiros –, Bertocchi recomenda o uso de dispositivos de retenção adequados. Ou seja, bercinhos, cadeirinhas ou boosters (assentos próprios). Entretanto, reconhece que falta informação sobre sua utilização e, para o transporte infantil, também legislação específica. Conforme a assessoria de imprensa do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), está pronta minuta de resolução sobre o tema, que precisa agora passar pelo Fórum Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito – instância de decisão da qual participam representantes das instituições que gerenciam a área nos estados e municípios. “Há um tripé que responde por segurança: engenharia, educação e fiscalização. Em termos de cinto, a primeira é a mais forte no Brasil; quanto às duas últimas, ainda está se engatinhando”, enfatiza Petzhold.

Na ótica de Bertocchi, a desinformação compromete a eficácia de vários outros itens de segurança passiva, como o apoio de cabeça. “Esse é o seu ponto crítico, apesar da legislação avançada.” Conforme ele, as pessoas desconhecem sua regulagem ou não sabem que precisam alinhar a parte superior, no mínimo, ao nível dos olhos. Outro problema para os de pouca estatura, assegura França.

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