Sinuca

Cesp: endividada e sem projetos

Rita Casaro

Principal geradora de energia do Estado de São Paulo e terceira maior do País – atrás de Furnas e Chesf –, com uma potência instalada de 7.455MW, a Companhia Energética de São Paulo passa por maus bocados. Isso embora tenha fechado 2003 com lucro de R$ 627,7 milhões, mostrando alguma recuperação em relação ao prejuízo de R$ 3,4 bilhões do ano anterior.

O tímido resultado positivo, alcançado principalmente pela valorização do real frente ao dólar no primeiro semestre, empalidece diante da dívida total de R$ 10,3 bilhões, boa parte indexada à moeda estadunidense. Conforme demonstrou boletim do SEESP de 19 de março, isso obriga a empresa a um desembolso anual, apenas com juros, de R$ 2,5 bilhões contra uma receita bruta de R$ 2,3 bilhões. Neste mês de abril, foi socorrida pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e recebeu novo financiamento, no valor de R$ 1,2 bilhão, para honrar o serviço da dívida que mantém junto ao banco e ao Governo Federal.

Oscilando ao sabor do câmbio, as perdas da  Cesp podem até se reduzir, como registra o balanço do ano passado, mas o quadro preocupante segue inalterado. Segundo o presidente da companhia, Guilherme Toledo, a situação deve-se a dois fatores: perfil de curto prazo da dívida e a perda de receita de R$ 500 milhões referente à descontratação de 900MW. Pela Lei 9.648/98, os montantes de energia contratados entre geradoras e distribuidoras deveriam ser reduzidos à ordem de 25% ao ano a partir de 1º de janeiro de 2003 – regra que se manterá mesmo com a nova legislação estabelecida pelo Governo Lula (JE 230).

Segundo Toledo, a expectativa é que, em 2005, esses ganhos sejam retomados, graças a contratos de longo prazo firmados com consumidores livres. Ele descarta, contudo, novos empreendimentos: “A Cesp não vai fazer investimentos, ela vai pagar dívida.”

 

Agir ou sucumbir – Tal postura é considerada inaceitável pelos engenheiros da companhia, que defendem justamente o contrário. “Nós não somos culpados dessa dívida, não se pode abandonar a empresa”, afirma o diretor do SEESP, Oswaldo Passadore. Itamar Rodrigues vai na mesma linha. “Não existe uma única obra em construção, projetos e não há planejamento estratégico para a expansão”, aponta. Na avaliação desses técnicos e da direção do SEESP, é preciso mudar a estratégia. No boletim distribuído aos empregados da Cesp, propunha-se: “Existe saída para essa situação e passa por uma nova postura, aproveitando o novo cenário nacional, investindo em regime de parceria, vendendo serviços. Enfim, passa pela adoção de um perfil mais agressivo, de ir ao encontro de novos desafios, descobrindo negócios e valorizando o seu corpo de profissionais.”

A publicação apontava ainda para os riscos do abandono: “Não se pode aceitar que uma empresa responsável por definir o fomento dentro e fora do Estado de São Paulo seja submetida a uma situação não muito digna, com uma sede improvisada e escondida, sem uma preocupação de preservação da sua história técnica. Igualmente não se pode aceitar que uma empresa que continua sendo referência para o setor elétrico não tenha uma política de valorização do seu nome. Há quanto tempo não acontece um concurso para reposição do seu quadro técnico, outrora respeitado no País e no exterior, dignificando a engenharia paulista?” Numa tentativa de se contrapor à situação, o Sindicato promoverá, “de maneira ética e contundente”, debates e seminários sobre o tema.

Os descaminhos da geradora

A atual Companhia Energética de São Paulo, conhecida como Cesp Paraná, foi a parte que sobrou nas mãos do Estado após a cisão e privatização feitas nos anos 90. Ela foi fundada em 1966 como Centrais Elétricas de São Paulo, a partir da fusão de 11 empresas, e passou a ser responsável pelos serviços de geração, transmissão e distribuição. O objetivo, conforme consta em seu site, era “centralizar o planejamento e racionalizar os recursos do Estado de São Paulo”. A lógica, como se sabe, seria abandonada a partir de 1996, com a instituição do Programa Estadual de Privatização.

O processo começou  em 1997, com a venda de 60,7% das ações ordinárias que a Cesp detinha da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz). Em 1º de junho de 1998, foi criada a Elektro, que ficou com os serviços de distribuição a 1 milhão de clientes, em 228 municípios em São Paulo e Mato Grosso do Sul, e foi vendida em 16 de julho daquele ano. Em abril de 1999, ocorreu nova cisão e criaram-se a CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista), que deveria permanecer estatal, e as geradoras Paranapanema,  Tietê,  já privatizadas, e Paraná, a maior delas, hoje com 7.455MW. Essa deixou de ser leiloada em 2001 devido à forte pressão dos movimentos sociais, entre eles o SEESP, e às incertezas causadas pelo racionamento de energia.

Pode ainda ter contribuído para dificultar a venda da empresa o fato de ter ficado com parte desproporcionalmente grande da dívida total de cerca de US$ 9 bilhões que a Cesp registrava em 1995, antes de ser fatiada. Tal situação financeira foi o argumento esgrimido fortemente pelo Governo do Estado para justificar a privatização. Contudo, longe de se dever à sua ineficiência, o endividamento da companhia ocorreu principalmente por decisões políticas, como a paralisação das obras de Porto Primavera (atual Sérgio Mota), que começou a ser construída em 1980 e colocou a primeira turbina em operação somente em 1999, conta o engenheiro José Paulo Vieira, que participou do estudo sobre a viabilidade da Cesp.  “Nos anos 80, quando houve recessão e sobra de energia e era necessário segurar obras em andamento, a Cesp paralisou a sua para ajudar o País, enquanto outras tiveram continuidade. Isso representou um buraco terrível porque o retorno do investimento tardou muito a chegar”, explica.

Próximo texto

JE 231