Opinião Abril
brasileiro e venezuelano |
|
Gilberto
Maringoni* |
|
O
início deste mês traz como marcas duas datas significativas da história
recente da América Latina. Embora aparentemente semelhantes, elas definem duas
épocas distintas e geraram desfechos e conseqüências praticamente opostos. A
primeira dessas efemérides aconteceu no 1o.
de abril, o dia da mentira, que assinalou o 40o.
aniversário do golpe de 1964 entre nós. Muita tinta se gastou sobre um assunto
cujos desdobramentos continuam presentes na sociedade brasileira. Mais do que
tudo, ceifou-se naquele dia fatídico – por obra e graça do grande
empresariado nacional e estrangeiro, das forças armadas e do governo
estadunidense – um projeto de país. É
inútil tentar reconstruir a história a partir de um ponto em que ela tomou um
rumo diverso daquele construído democraticamente pela sociedade brasileira. Mas
vale a pena ver que uma conjuntura equivalente – em outra época e lugar – pôde
desenhar outro epílogo. Falamos
do 11 de abril venezuelano. Nesse dia, há dois anos, o empresariado local,
articulado com militares golpistas, sob as bênçãos da Casa Branca, resolveu
virar o jogo numa sociedade que também aprendia, em meio a imensas
dificuldades, as regras e as métricas da convivência democrática. Numa
conspiração ilegal, tentou-se derrubar um governo legitimamente eleito na base
da mão pesada. O
paralelo entre as duas datas não é nosso. Foi feito pelo jornal O Estado de São
Paulo, em 13 de abril de 2002: “O que ocorreu na Venezuela não foi um simples
golpe de Estado que tirou do poder o coronel Hugo Chávez. Foi – assim como
ocorreu no Brasil em 1964 – uma reação cívica a um governo que, eleito em
pleito livre, em conseqüência do cansaço popular com partidos que já não
tinham representação e se excediam na corrupção, se esmerou, uma vez no
poder, em eliminar progressivamente todo e qualquer vestígio daquilo que se
poderia chamar de institucionalidade democrática.” Mestres do palavrório
empolado, os editorialistas do jornalão mostram aqui toda sua fobia pela
democracia. O
resultado, como se sabe, foi oposto. Uma formidável onda de manifestações
populares e um racha nas forças armadas desbaratou o golpe e conduziu Hugo Chávez
de volta ao poder. Pintado
como demônio por uns e salvador da pátria por outros, Chávez está longe de
ser o agente provocador da crise que seu país atravessa há pelo menos duas décadas.
Quarta maior produtora mundial de petróleo, a Venezuela é um país rico com um
povo miserável, que nunca usufruiu da prosperidade de seu próprio subsolo. A
disputa em torno do ouro negro está na raiz de todas as oscilações na vida
venezuelana. Chávez
se propõe a fazer várias reformas sociais, como a mudança na estrutura agrária,
o fortalecimento do Estado e a apropriação da riqueza petroleira como um bem público
e não como fonte de renda para as classes dominantes. Num mundo em que as nações
debatem-se para sair do cerco brutal exercido pelo neoliberalismo, qualquer
mudança que coloque em dúvida os lucros dos bancos e corporações
transnacionais é atacada sem clemência. Essa é a razão do ódio que as
elites de seu país lhe devotam. Por isso, tentam, sem sucesso, há tempos,
ressuscitar o fantasma de um 1964 repaginado com a cor local.
*
Autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos
de Chávez”, Editora Fundação Perseu Abramo (www.fpa.com.br) |
|
|
|