Rita Casaro
Um novo passo pela valorização profissional da categoria foi dado no dia 26 de abril último, quando a FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) seu ingresso como amicus curiae (amigo da Corte) na ADPF 171 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). A ação, de autoria do Governo do Estado do Maranhão, questiona a constitucionalidade da Lei 4.950-A/66, que estabelece o piso do engenheiro e de outros trabalhadores para jornada de oito horas diárias em nove salários mínimos – somando atualmente R$ 4.590,00.
À solicitação foi anexado parecer elaborado pelo ex-ministro do STF Francisco Rezek, produzido a pedido da federação, que deverá ser apreciado quando da decisão sobre o mérito da questão. Pela argumentação do jurista, não resta qualquer dúvida quanto à legalidade da norma que assegura o piso profissional e cai por terra a pretensão de que haveria conflito com a Constituição Federal, que em seu artigo 7º, inciso IV, proibiu qualquer vinculação ao salário mínimo. “Um fato político notório foi o propósito do constituinte: coibir o uso do mínimo como indexador – rotineiro que se havia tornado – de obrigações de natureza não salarial, mais de perto atinentes ao capital que ao trabalho, o que por certo inibiria, em período inflacionário ainda galopante, sua correta fixação e reajuste, a não falar dos danos daí decorrentes para a economia do País”, explica Rezek.
Ele lembra que tal conceito fica ainda mais claro logo a seguir, no inciso V, em que a Carta Magna assegura “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”. “Está assim expresso na letra da Constituição que haverá um mínimo – ou piso – proporcional à extensão e à complexidade do trabalho realizado por determinada categoria, levando em conta a natureza da atividade exercida, a formação acadêmica do profissional, sua qualificação para realizar determinado trabalho com eficiência e proveito.”
Convencido da tese, após debruçar-se sobre o assunto, Rezek vai mais longe em sua defesa: “(...) Não é simplesmente admissível: é natural e pouco menos que imperativo que se utilize o salário mínimo como referência para a fixação dos pisos, que ostentam a mesma natureza daquele, e que, repita-se, impõem-se por força de uma norma constitucional.”
Contra o salário
O ex-ministro critica ainda o questionamento levantado na ADPF 171. “É no mínimo surpreendente que alguns governantes (...) sintam-se confortáveis na sua pretensão de solapar um piso expressamente garantido pela Carta, em nome de uma leitura no mínimo controvertida de outro dispositivo, não mais nem menos importante, e sem dizerem uma única sílaba sobre o que desejam ou esperam que faça as vezes do referido piso.” Na sua opinião, a atitude representa ataque à lei maior do País. “Há aqui um propósito insolente de ultrajar, de modo aberto, o inciso V do artigo 70 da Constituição da República, a pretexto de homenagear uma interpretação – errada, ou mesmo que certa fosse – do inciso precedente.”
Rezek lembra ainda em seu parecer que, levando essa realidade incontestável em consideração, a Justiça do Trabalho tem garantido a vigência da norma. “Na origem deste feito, tanto o Tribunal Regional quanto o Tribunal Superior do Trabalho entenderam que não existe incompatibilidade entre a Lei 4.950-A e o disposto no artigo 7º, IV, da Constituição.”
Foram exatamente tais decisões que motivaram a governadora Roseana Sarney a recorrer ao STF contra o pagamento do piso devido aos engenheiros nas empresas públicas do Estado do Maranhão. Datada de 25 de maio de 2009, a ação pede, inclusive em medida liminar, “a suspensão de todos os processos, bem como dos efeitos de decisões judiciais, que versem sobre a aplicação do art. 5º da Lei 4.950-A, no âmbito da Justiça comum e trabalhista no Estado do Maranhão”. Sem que o mérito fosse apreciado ou o pedido de liminar concedido, em 26 de março último o Governo maranhense voltou a carga em petição ao STF, reiterando seu pleito.
A reivindicação, descabida conforme demonstrado por Rezek, visa livrar o Governo principalmente das obrigações para com os profissionais da Emarph (Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos), que absorveu inúmeros quadros técnicos de órgãos extintos, como Emater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural) e Cohab (Companhia de Habitação Popular). A esses havia sido concedido por decisão do Tribunal Regional da 16ª Região o direito ao piso profissional.
Tendo em vista o descumprimento sistemático da norma federal, como a própria administração estadual reconhece em sua ADPF, foram ajuizados apenas contra a Emarph nada menos que 217 processos, somando dezenas de milhões de reais em diferenças salariais. Ou seja, numa ginástica jurídica, alega o próprio erro, o desrespeito ao direito dos trabalhadores que gerou um passivo ao Estado, como pretexto para se livrar de vez da obrigação de cumprir a lei.
“A argumentação da inconstitucionalidade por aqueles que não querem dar o devido reconhecimento aos engenheiros e a outros profissionais essenciais ao desenvolvimento das cidades e estados e ao bem-estar da população é tanto antiga quanto falaciosa”, critica o presidente do SEESP e da FNE, Murilo Celso de Campos Pinheiro. “Faremos agora o enfrentamento no STF, munidos de uma nova arma, o parecer de um especialista altamente qualificado, cujo saber jurídico é incontestável”, completa.