A Câmara Federal viveu mais um dia triste na recente história. No final da noite de segunda-feira (5/10), o presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) ordenou que a polícia cercasse o Plenário 1 do local e o desligamento do ar-condicionado e das luzes da sala sem janelas, com o intuito de acabar com uma vigília iniciada por cerca de 200 indígenas, quilombolas, pescadores e camponeses da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais. O grupo participava de uma audiência pública, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, justamente sobre o tema violência contra populações indígenas.
Foto: PT na Câmara
Após interferência de políticos e organizações sociais a polícia acabou não entrando e a vigília continuou no interior da Câmara madrugada adentro. Na manhã de hoje (6), o plenário foi desocupado e os indígenas realizaram um ato na manhã no estacionamento do Anexo 2 da Câmara Federal, para marcar o fim da vigília. Eles exigem falar com o presidente da Câmara.
Entre cantos rituais e falas de denúncias, chegou a informação de que a polícia tinha sido acionada por Cunha e a Tropa de Choque estava pronta para retirar todos e todas à força. Pelas redes sociais, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT/RS), confirmava as informações e ressaltava o clima tenso.
Para a imprensa, a assessoria de Cunha afirmou que o presidente da casa não havia solicitado a Tropa de Choque, mas chegou a confirmar que de fato pediu o desligamento da energia elétrica e do ar-condicionado com o objetivo de que todos e todas saíssem de ‘forma pacífica’. O presidente da Câmara se negou a receber as lideranças.
Numa tentativa de evitar a ação policial, Pimenta reabriu a sessão da Audiência Pública, iniciada às 15 horas, sobre a ação de milícias armadas contra povos indígenas, quilombolas e camponeses. “Então cortaram o microfone, o ambiente ficou abafado com o ar desligado e logo a luz foi cortada. Nesse momento, apareceram os policiais do Choque na porta do plenário”, conta Cléber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Além das lideranças de povos e comunidades tradicionais, estavam no Plenário parlamentares e a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Deborah Duprat, da Procuradoria-Geral da República (PGR). Mesmo na escuridão, indígenas passaram a dançar o Toré e a cantar suas rezas. Os presentes se alternavam no ‘gogó’ e seguiram com a audiência pública denunciando a ação criminosa e assassina contra as comunidades. A imprensa foi proibida de chegar perto do Plenário. Do lado de fora da Câmara, jornalistas e apoiadores da causa indígena se aglomeraram esperando o desfecho da situação.
Houve solidariedade nas redes sociais com mensagens de apoio a todos e todas que mantinham a vigília, que reivindicava a demarcação de terras indígenas e em posição contrária à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, além de denunciar a ação de milícias e grupos de extermínio contra as lideranças em luta por direitos.
De acordo com dados da violência no campo sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos 10 anos, povos indígenas e comunidades tradicionais enfrentaram 5.771 conflitos; 4.568 pessoas foram vítimas de violência; 1.064 sofreram ameaças de morte; 178 sofreram tentativas de assassinato e 98 foram assassinadas.
Por outro lado, a vigília pretendia lembrar dos 27 anos da Constituição Federal e do quanto a ‘Carta Cidadã’ ainda não garantiu direitos e tampouco cidadania para os povos e comunidades tradicionais – e já vem sendo desconstruída conforme os interesses de grupos políticos e econômicos. Daniel Guarani e Kaiowá lembrou o sofrimento de seu povo no Mato Grosso do Sul e lembrou que no Brasil os direitos de uns valem mais do que os direitos de outros: “Uma propriedade vale mais que uma vida? No meu estado, um boi vale mais que a vida de um índio”. Conforme o deputado Paulo Pimenta, em vídeo nas redes sociais, a vigília transcorreu de forma pacífica e a violência é responsabilidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Twitter de Paulo Pimenta