A votação do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Crimes Cibernéticos, da Câmara Federal, prevista para ocorrer ontem (27/4) foi adiada para a terça-feira (3/5). A decisão foi tomada diante do impasse, colocado por deputados que são contrários ao relatório, que impacta diretamente os três pilares do Marco Civil da Internet: liberdade de expressão, privacidade e neutralidade da rede A nova data foi marcada após acordo dos integrantes da CPI que precisaram deixar a Comissão para integrar uma sessão extraordinária do plenário da Casa, que se estendeu muito.
Bruno Fortuna/Fotos Públicas
De acordo com informações da presidente da CPI, a deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) concedeu mais uma semana concluir os trabalhos - já que o prazo regimental para encerrar o colegiado vence na sexta (29).
A CPI, que foi instalada em agosto de 2015 atendendo a requerimento do deputado Sibá Machado (PT/AC) sob o pretexto de se investigar o desvio de recursos de correntistas bancários e o tráfico de pessoas por meio da internet. No entanto, desde que foi instalada, foi palco de diversas ações políticas, críticas ao Marco Civil e ao atual governo. Ao final, alegando combater à pornografia infantil, hackers, crime organizado e até mesmo o terrorismo, apresentou-se um relatório com recomendações e sete projetos de lei que retrocedem nas conquistas já obtidas. Deputados e organizações da sociedade civil criticam a redação que aponta punições extras, cria atribuições a mais aos chamados crimes cibernéticos (já tipificados na Lei Caroline Dickmen) e, pior, não leva em conta todo o debate ocorrido durante o período de construção do texto - que teve mais de duas mil contribuições de todos os setores da socidade - e durante a votação do próprio MCI, aprovado em 2014. Não bastasse isso, o tema foi exaustivamente debatido na formalação de propostas para sua regulamentação, a partir de um decreto.
“Existe um processo de disputa, uma consulta publica que acabou de ser encerrada, em que diversas propostas foram apresentadas e o Ministério da Justiça está processando. Muitas das resoluções que ainda demandam estarão contempladas no decreto”, explica a advogada Flávia Lefèvre, da Proteste, que concedeu entrevista para o jornal Engenheiro, da Feeração Nacional dos Engenheiros, sobre o assunto. Para ela “quem está por trás desses argumentos todos, explorando o caráter emocional” da pedofilia, dos crimes contra a privacidade e contra honra, é a industria do copyright (direitos autorais)”.
De acordo com o relator, o deputado Esperidão Amin (PP-SC), o texto sofreu modificações a partir de sugestões de parlamentares e de organizações. Um dos trechos alterados foi o que possibilitava que juízes bloqueassem aplicativos e sites sem ordem judicial. No novo texto, no entanto, permanece a possibilidade de retirada de conteúdo de aplicativos que não tenham representação no Brasil e de sites hospedados no exterior, com ordem judicial e pena mínima prevista a igual ou superior a dois anos.
Outro ponto questionado é o que estabelece, no relatório, que os casos envolvendo crimes praticados na internet fiquem a cargo da Polícia Federal “sempre que houver repercussão interestadual ou internacional e houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um estado da Federação ou no exterior”.
De acordo com Katitza Rodriguez, diretora de Direito Internacional da Electronic Frontier Foundation (Fundação da Fronteira Eletrônica), que atua na defesa da liberdade na internet, em todo o mundo o cybercrime tem sido utilizado como pretexto para a criação de leis que impõem controles sobre a atividade na rede. É quase uma cartilha seguida pelos setores conservadores que fazem discursos apelativos em nome da honra e da punição de malfeitores. Paquistão, Nigéria, México, Kuwait, Quênia, Filipinas, Peru, Emirados Árabes e Qatar tiveram propostas similares recentemente. Algumas delas encontraram forte resistência e foram arquivadas, algumas ainda estão pendentes e outras foram transformadas em leis.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-BR) expressou, em nota, "grande preocupação com as propostas de flexibilização e modificação" do Marco Civil da Internet pela CPI.
Deborah Moreira
Imprensa SEESP
Com informações de The Intercept e Agência Brasil