Uma “aula” sobre o que acontece hoje no País foi o grande mérito da terceira mesa de trabalhos do encontro da Engenharia Unida, em Barra Bonita (25/11), onde foi discutido o tema “Preservar direitos e valorizar o trabalho”, com o palestrante Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), e os comentários da vice-presidente de Assuntos Jurídicos da Associação Paulista dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Apafisp), Margarida Lopes de Araújo, e da desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT- 2ª Região), Ivani Contini Bramante.
Foto: Beatriz Arruda/FNE
Especialistas destacam a importância de impedir alterações que prejudiquem os trabalhadores.
Ao iniciar sua exposição, Toninho observou que não “é tarefa fácil entender o que acontece hoje no País frente à complexidade da conjuntura atual”. Por isso, apontou, deve-se fazer uma incursão na contextualização. O primeiro aspecto é de ordem estrutural, registrou, e diz respeito a recente permuta de governantes, salientando que “não foi apenas uma troca de nomes, mas de paradigmas”. E completou: “O Estado regula as relações entre as pessoas e as instituições, cuja aplicação depende da visão de mundo de quem está à frente dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.”
Toninho prosseguiu na incursão contextual, explicando que o Estado dispõe de três monopólios: o de legislar, o de tributar e o de polícia. “Ele pode legislar a partir da visão econômica e financeira para preservar a propriedade, o contrato ou a moeda ou utilizar esse instrumento para promover a inclusão social e a distribuição de renda.” No caso do poder de polícia, prosseguiu o diretor do Diap, ele pode promover a paz social ou reprimir movimentos sociais. E o último monopólio, dependendo do governante, se tributa fortemente o salário, mas não a herança, o capital e a riqueza. “Ou seja, há que se ter um absoluto cuidado de quem colocar para administrar esses três monopólios”, realçou.
O governante com visão fiscalista, argumentou Toninho, acha que o Estado não pode gastar além do que arrecada e limita gastos públicos nas áreas sociais, mas não há travas ao pagamento de juros da dívida pública, por exemplo. “O que está em disputa neste momento é a destinação do orçamento público com prejuízo claro à sociedade e a definição de um projeto.” Ao mesmo tempo, a sociedade precisa entender que não há solução dos problemas coletivos e sociais fora da política. “Ela é condição necessária para que as pessoas possam resolver as questões sem o emprego da barbárie.”
Hoje o que se aponta nesse sentido, informou Toninho, “é que temos um governo que quer privatizar e entregar tudo ao mercado e a abertura escancarada da economia ao capital estrangeiro”. Nesse bojo, explicou o diretor do Diap, estão as reformas trabalhista e previdenciária. “Aliada a essa conjuntura difícil, temos um Congresso Nacional pulverizado no sentido partidário, atrasado nas questões dos direitos humanos e ao meio ambiente e conservador com relação aos trabalhadores.”
Para ele, o que se tenta fazer hoje com os direitos sociais e trabalhistas tiveram tentativas frustradas em pelo menos três épocas diferentes: durante o processo constituinte, na década de 1980, com o que ficou conhecido como “Centrão”, uma correlação de forças conservadora; na revisão constitucional nos anos 1990; e no governo Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, explicou Toninho, projetos de lei em discussão no Congresso Nacional chamam a atenção em três campos relacionados ao trabalho: o da extensão da terceirização à atividade-fim; o da pejotização (obriga o trabalhador a se transformar em pessoa jurídica) e da prevalência do negociado sobre o legislado. “Metade da reforma trabalhista pretendida pelo governo atual terá diso resolvida com a aprovação dessas matérias”, alertou.
Para Toninho, os ajustes pretendidos pelo governo atingem de forma linear os segmentos sociais, o que pode comprometer vidas. “O mais fraco numa estrutura social não pode pagar o mesmo ou mais do que aquele que está em vantagem econômica e financeira”, defendeu. “O Estado agindo de forma linear como quer pode comprometer vidas.”
O diretor do Diap conclamou a unificação de todo mundo no campo democrático. “O que vemos hoje é que quem questiona as políticas atuais é colocado como defensor da corrupção e contra valores religiosos e familiares.” O que se precisa, prosseguiu, é parar “de disparar o ´gatilho mental´e debater com profundidade e seriedade as questões colocadas.
Na sequência, a vice-presidente da Apafisp, em defesa dos direitos da Previdência Pública, fez uma apresentação detalhada para explicar e desmitificar “o mito” déficit previdenciário, ao mesmo tempo em que apontou a necessidade de mudar algumas regras atuais. A auditora mostrou que o quadro deficitário apresentado pelo Executivo para defender a reforma deve-se a três fatores: a não consideração de determinadas fontes de receita no cálculo; a sonegação; e uma política “irresponsável” de renúncias e isenções previdenciárias.
No rol dos problemas está ainda a política de Desvinculação de Recursos da União (DRU), prorrogada e ampliada neste ano pelo Congresso. Segundo dados oficiais, como fez questão de ressaltar em sua exposição, R$ 63,8 bilhões do orçamento da Previdência de 2015 foram transferidos para o orçamento fiscal. Mesmo assim, segundo ela, a Previdência Social tem apresentado superávit há alguns anos. Em 2015, esse valor teria atingido os R$ 11,2 bilhões. “A Previdência responde por 22,47% dos gastos públicos, enquanto a amortização da dívida pública consome quase 50% das nossas receitas. Isso precisa ser revisto.”
Outra questão destacada por Araújo é o vasto setor imobiliário da Previdência – 5.685 imóveis – que precisa ser revisto urgentemente, “grande parte desse patrimônio está irregular e sem uso”.
Retrocesso social
A desembargadora do TRT paulista explanou sobre as consequências que podem ocorrer se as reformas trabalhista e previdenciária forem aprovadas. “Será um retrocesso social muito grande. Vemos isso com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 55: teremos 50% menos de leitos no SUS (Sistema Único de Saúde), 50% a menos no salário, 50% menos direitos e 100% a mais de impostos”, observou, ironizando que seria um grande “Black Friday” nas questões sociais do País.
Segundo ela, o discurso que permeia a defesa das mudanças na área trabalhista é composto pelos seguintes itens: globalização da economia; avanço das novas tecnologias; competitividade; crise econômica mundial; legislação trabalhista rígida; custo trabalho e seguridade; burocracia estatal; excesso de salários e benefícios; déficit da Previdência e adequação dos gastos públicos pela perda de receitas. Por outro lado, a reforma pretendida quer impor a prevalência do negociação sobre o legislato (PL 4962/2016); a terceirização à atividade-fim (PL 4330); ampliação do programa de proteção ao emprego; jornada e salários entre 12 horas diárias e 48 horas semanais; outras modalidades de contrato de trabalho, por horas trabalhadas ou por produtividade.
Para Bramante, o que está colocado atualmente no País é barrar o retrocesso social, tendo-se uma flexibilização responsável e civilizatória com a prevalência dos direitos humanos fundamentais. Nesse sentido, ela defende a terceirização limitada a atividade-meio, com isonomia, ou seja, com igualdade salarial e de direitos; a responsabilidade solidária pelos direitos trabalhistas e de seguridade social; vedar a burla na representação e atual sindical dos trabalhadores terceirizados e a terceirização para atribuições de cargos, empregos e funções públicas.
Bramante disse que “todo discurso de rebaixar direitos sociais é uma política burra”. E analisou: “O capitalismo é antropofágico. Quando ele entender isso ele vai investir no capital humano, que é o mais rico e o que mais precisa ser valorizado.”
O encontro da Engenharia Unida acontece em Barra Bonita (SP) até o dia 26 de novembro, tendo iniciado os trabalhos no dia 24 último.
Confira as apresentações:
Margarida Lopes de Araújo
Ivani Contini Bramante
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Rosângela Ribeiro Gil
Comunicação Seesp