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16/05/2017

Opinião - Sobre as reformas trabalhista e previdenciária

Antônio Augusto de Queiroz*

As reformas trabalhista e previdenciária, que estão sob exame do Congresso Nacional, podem até ser necessárias, mas no formato proposto são uma ameaça ao Estado de proteção social e significarão um enorme retrocesso civilizatório, conforme veremos a seguir.

A trabalhista, já aprovada na Câmara e sob exame do Senado, tramita como Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/17. O texto representa a mais abrangente investida sobre os direitos dos trabalhadores, desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943.

O PLC 38/17 promove um verdadeiro desmonte da legislação, atacando as três fontes do Direito do Trabalho: 1) a lei, em sentido amplo, que inclui a Constituição, as leis complementares, ordinárias e os tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT); 2) a sentença normativa, que são as decisões em sede de poder normativo adotadas pelos Tribunais do Trabalho; e 3) a negociação coletiva.

No primeiro caso estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, retirando da lei sua condição de norma de ordem pública e caráter irrenunciável, autorizando a transação de todo e qualquer direito assegurado, mesmo que em prejuízo da parte mais fraca econômica, social e politicamente na relação de negociação.

No segundo, restringe o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, inclusive limitando a prescrição constitucional, e impede que a Justiça do Trabalho possa fazer uso de seu poder normativo para impor normas e condições ao empregador, além de onerar o empregado que resolver demandar judicialmente.

E, no terceiro, debilita, política e financeiramente, o movimento sindical, retirando dele recursos e prerrogativas de representação, e autoriza a negociação coletiva para reduzir direitos, inclusive com o acordo se sobrepondo à convenção, mesmo que menos vantajoso. Além disso, permite a negociação direta entre patrões e empregados, desde que o trabalhador tenha nível superior e tenha ganho dois tetos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), algo como R$ 11 mil.

Os trabalhadores e suas entidades, conforme documenta o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), não se opõem à atualização e modernização do sistema de relações do trabalho brasileiras, mas exigem que sejam observados os seguintes princípios e adotadas regras de combate a práticas antissindicais, sem o cumprimento dos quais qualquer mudança poderá resultar em precarização:

1. incentivar o diálogo e soluções compartilhadas;

2. valorizar e incentivar a negociação coletiva em todos os níveis (chão da fábrica, local, setorial e nacional);

3. fortalecer a representatividade sindical desde o local de trabalho;

4. promover a solução ágil de conflitos;

5. assegurar segurança jurídica aos trabalhadores e empregadores (públicos e privados);

6. orientar a harmonia e complementariedade entre o legislado e o negociado;

7. favorecer aprimoramento e/ou mudanças de processos, procedimentos e organização com caráter voluntário e incentivo para a adesão das partes.

A reforma da Previdência, por sua vez, está aguardando votação em dois turnos no plenário da Câmara, após ter sido aprovada na comissão especial. O texto, que tramita sob a forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16, ataca, em prejuízo do segurado, os três fundamentos do benefício previdenciário: 1) a idade mínima, que é aumentada; 2) o tempo de contribuição e a carência, que também são aumentados; e 3) o valor do benefício, que é drasticamente reduzido.

A reforma da Previdência, se aprovada no formato proposto, será a responsável por uma possível quebra da paz social no Brasil, em face da quase impossibilidade, por força da ampliação das exigências, de acesso a benefícios de importante contingente de segurados e idosos.

Apenas a título de ilustração, podemos mencionar quatro situações: 1) ampliação do prazo de carência para acesso a benefício previdenciário, de 15 para 25 anos; 2) instituição de idade mínima para efeito de aposentadoria; 3) aposentadoria com integralidade da média apenas após 40 anos de contribuição; e 4) redução do acesso ao benefício de prestação continuada pelo idoso.

Caso já estivesse em vigor a ampliação do prazo de carência de 180 meses (15 anos) para 300 meses (25 anos), segundo as estatísticas do INSS, apenas 24% dos atuais aposentados por idade estariam em gozo de benefício, porque 76% do total não teriam comprovado os 25 anos de carência.

Ainda em relação à carência, registre-se que pelo menos um terço dos atuais segurados do INSS com idade igual ou superior a 55 não atingiriam os 25 anos de contribuição ao completarem 65 anos de idade, levando ao adiamento de suas aposentadorias para além dessa idade, comprometendo a sobrevivência desse importante contingente de brasileiros.

A instituição de uma idade mínima – é mínima porque será aumentada automaticamente sempre que houver elevação da expectativa de vida após os 65 anos de idade – em respectivamente 65 para homens e 62 para mulheres é fundamentada no fato de que tem havido aumento da expectativa de sobrevida no Brasil e que os países desenvolvidos já adotam idades semelhantes para efeito de aposentadoria. Essas mudanças, nos países desenvolvidos, foram antecedidas de políticas públicas, que possibilitam o trabalho do idoso em condições dignas, de capacitação continuada, de saúde ocupacional, de melhoria no transporte público, entre outras, diferentemente do Brasil.

Além disso, nesses países a expectativa de vida é maior que a brasileira e a de sobrevida com saúde é, igualmente, bem maior. A expectativa de vida com saúde no Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), é de 65,6, enquanto na Europa e nos países nórdicos é, em média, superior em nove anos.

A exigência de 40 anos de contribuição efetiva para fazer jus à integralidade da média excluiria desse direito a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros, porque, também segundo estatísticas do INSS, para cada 12 meses, o segurado do INSS comprova 9,1 (em razão do desemprego e da informalidade) e para comprovar 40 anos de contribuição, teria que estar em atividade por pelo menos 54, só garantindo o direito a esse benefício aos 72 anos, e, ainda assim, se começasse a trabalhar aos 18.

Quanto aos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), propõe-se o aumento de 65 para 68 anos de idade para acesso ao benefício, no valor de um salário mínimo, para idosos cuja renda média per capita seja inferior a um quarto de salário mínimo, considerando todos os rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família, inclusive o próprio BPC. O aumento da idade, combinado com a inclusão de benefício de outro idoso na renda, excluirá milhares do acesso ao BPC.

Além disso, a reforma da Previdência também dá uma mãozinha para os patrões, permitindo que os aposentados que continuaram trabalhando possam ser demitidos sem recebimento da multa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Altera o artigo 10 das Disposições Gerais da Constituição para dar esse presente aos patrões.

São reformas com viés fiscal e liberal, que prejudicam os mais pobres – ou os que dependem de salário ou de benefícios previdenciário ou assistencial –, preservando de qualquer sacrifício aqueles que vivem de renda. Tira-se daqueles para favorecer estes. Se há necessidade de ajustes, que os sacrifícios deles decorrentes sejam distribuídos de forma proporcional à capacidade contributiva de cada brasileiro. Escolher como variável de ajuste apenas os que dependem de salário, de aposentadoria ou de prestação do Estado não é uma medida de justiça. Isso os parlamentares precisam saber!

 

Antônio Augusto de Queiroz, jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)

 

 

 

 

 

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