Maria Clotilde Lemos Petta*
No início do mês de junho, tive oportunidade de participar, como integrante da delegação dos trabalhadores brasileiros, da 106ª Reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que ocorreu na sede da ONU (Organização das Nações Unida) em Genebra.
Esta organização tripartite foi instituída como parte do Tratado de Versalhes que deu fim à Primeira Guerra Mundial (1919). A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações).
Neste ano, a reunião da OIT teve um significado especial pela possibilidade de encaminhar internacionalmente a denúncia sobre o projeto de Reforma Trabalhista em tramitação no Congresso Nacional, que contraria radicalmente os princípios fundantes da OIT.
As principais centrais sindicais brasileiras estabeleceram, de forma unitária, uma pauta com denúncia dos ataques do governo Temer aos direitos da classe trabalhadora, à organização sindical e da crescente violência promovida pelo Estado brasileiro contra os trabalhadores.
A OIT, em que pese suas limitações ideológicas, a cada ano atualiza o debate de suas convenções. E em momento de crise como o atual, o capital exerce forte pressão para eliminar as mínimas proteções existentes nas convenções e normas.
No contexto de ofensiva neoliberal, que pretende desregulamentar o “mundo do trabalho”, a importância do estabelecimento de normas de trabalho internacionais é inegável. A exemplo, uma das questões colocadas pelo projeto de Reforma Trabalhista do governo Temer, que pretende que o negociado prevaleça sobre o legislado, retirando direitos trabalhistas mais favoráveis assegurados por lei, tem recebido parecer contrário da OIT desde 2002.
E os debates ocorridos na reunião da OIT deste ano deixam clara a falácia do governo Temer ao justificar a reforma como modernização das relações de trabalho, quando, na verdade, o que se propõe é um retrocesso em mais de cem anos.
Esse posicionamento das centrais na reunião da OIT foi reforçado por integrantes da Procuradoria-Geral do Trabalho, da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e Associação dos Advogados do Trabalhistas, que, presentes na reunião, manifestaram de forma clara e contundente sua posição contrária ao projeto de Reforma Trabalhista, considerando que ela desconstrói o Direito do Trabalho, desrespeita a Constituição Federal e as convenções da OIT.
Nesse quadro, a expectativa da delegação dos trabalhadores era de que haveria um posicionamento firme na reunião da OIT no questionamento da Reforma Trabalhista, o que, na dinâmica da reunião da OIT, significa ter o caso brasileiro inserido na lista de casos retirados do relatório anual para a Aplicação das Convenções e Recomendações. No entanto, a chamada lista curta da OIT (25 países), não contemplou o Brasil, com a justificativa de que o projeto ainda não foi aprovado. Essa decisão provocou inúmeras manifestações de protesto de delegados de vários países. O que ficou aprovado é o Brasil constar da lista dos 40 casos relacionados pela OIT por violar convenções que tratam do direito de sindicalização e negociação coletiva.
A delegação brasileira presente nessa reunião cumpriu muito bem seu papel. Além de várias manifestações nas comissões, destaca-se o # Brasilresists #SomosBrasilContraoGolpe, um ato unitário das centrais na Praça das Nações (Praça da Cadeira Quebrada), em frente ao prédio da ONU, denunciando o golpe no Brasil.
Momento de destaque foi o discurso contundente do representante da delegação de trabalhadores brasileiros, Antonio Lisboa, secretário de relações internacionais da CUT, na Plenária da OIT, na ONU, no qual denunciou a série de ataques aos direitos dos trabalhadores realizados pelos golpistas por meio das reformas. O fim de sua fala foi marcado pelo Fora Temer gritado pela delegação brasileira. No mesmo local, ao final do discurso do ministro do Trabalho do Brasil, o grito do Fora Temer e Diretas Já também ecoou por iniciativa da delegação da CTB.
Além das manifestações já citadas, as seis centrais sindicais brasileiras presentes apresentaram uma consulta à OIT, para evidenciar as violações que a reforma vai causar, caso seja aprovada. Nessa consulta, as centrais consideram que a Reforma Trabalhista do governo Temer viola as convenções internacionais que o Brasil assinou e tem a obrigação de respeitar. A consulta, que consta de cinco questões, apresenta violações às convenções 87, 98, 144, 151 e 154. O documento é assinado pelos representantes da CUT, CTB, UGT, Força Sindical, Nova Central e CSB.
Toda essa movimentação teve repercussão na mídia brasileira. O jornalista Fábio Murakawa, do Valor Econômico, relata que o deputado Rogério Marinho, que esteve em Genebra algumas semanas antes da reunião, divulgou nota dizendo que “a OIT excluiu o Brasil da lista de possíveis infratores das normas trabalhistas internacionais” e que, “com isso, a entidade não avaliza as acusações de que a modernização das leis do trabalho no país poderão infringir direitos do trabalhador”.
A mentira de Rogério Marinho levou a OIT a emitir dois comunicados que repercutiram durante a leitura do relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, demonstrando a potencialidade das denúncias da delegação dos trabalhadores.
No entanto, é preciso também ter muita clareza sobre os limites da participação dos trabalhadores em órgão tripartites como a OIT. Alguns episódios ocorridos no transcorrer da reunião são ilustrativos destes limites.
Verifica-se que é necessária uma maior democratização da eleição do Conselho de Administração da OIT. A Federação Sindical Mundial (FSM), à qual a CTB é filiada, participou com sua delegação, organizando reuniões temáticas, e divulgou um manifesto no qual reivindica uma maior democratização nas eleições do Conselho de Administração da OIT.
Segundo a FSM, a Carta da ONU sobre a composição do Conselho de Administração da OIT estabelece que esta deva ter uma composição com representação proporcional a todas as centrais internacionais, o que não está ocorrendo atualmente.
Cabe também registrar que, no que diz respeito à lista dos casos a serem analisados pela Comissão de Normas, casos de menor gravidade, de países como Venezuela e Equador, foram colocados na lista curta (25) de forma repetida em relação a anos anteriores. Com esses casos, ficam flagrantes as ingerências políticas na elaboração da lista dos 25, o que provocou muitos protestos dos delegados trabalhadores na Comissão de Normas.
Observou-se também, nas diversas comissões, que a postura intransigente do grupo de empregadores brasileiros não é um fato isolado. Os governos e o setor patronal de muitos países se identificam na tentativa de bloquear qualquer avanço para os trabalhadores e no sentido de retirar ou “flexibilizar” normas protetoras do trabalho. Em nome do combate à crise econômica, impõem o arrocho salarial e a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores.Para conseguir seu intento, atacam a sua organização sindical e desrespeitam o direito de greve.
Na Comissão de Normas, relatos de aprisionamento, sequestros, assassinatos de lideranças sindicais são inúmeros, demonstrando escalada cada vez mais brutal e agressiva das forças conservadoras neoliberais a serviço dos interesses das grandes corporações transnacionais.
É a partir desse complexo cenário internacional que devemos compreender os limites e as oportunidades da OIT, como espaço de denúncia dos efeitos extremamente perversos da ofensiva neoliberal e de disputa em relação às normas trabalhistas internacionais.
Por fim, minha participação na reunião da ONU, reforça a convicção de que o que está em jogo, além da regressão nas condições de vida dos trabalhadores, é a próprio Direito do Trabalho e o futuro de organizações como a OIT. O que coloca a importância de maior unidade do movimento sindical internacional na luta sem tréguas contra o neoliberalismo na perspectiva de um mundo novo mais justo e solidário.
Maria Clotilde Lemos Petta, coordenadora da Secretaria de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), diretora do Sindicato dos Professores de Campinas e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e vice-presidenta da CEA