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27/11/2019

Artigo - As idas e vindas no controle de emissões de poluentes

Edilson Reis*

Ao ler o artigo “A desventura do combustível alternativo” (publicado na segunda, 25/11) , de autoria do engenheiro Francisco Christovam, senti-me instado a comentar outras iniciativas para substituição do diesel como energia de tração no sistema de transporte por ônibus na cidade de São Paulo.




                                                                                                                                    Imagem: Divulgação Scânia

onibus gas natural divulgacao

Complementar às experiências citadas por Christovam, com quem tive o prazer de trabalhar, lembro-me que, no início da minha carreira como engenheiro na área de desenvolvimento tecnológico, na década de 1980, acompanhamos o estudo do uso éster metílico de óleo de soja (Emos) para uso em motores ciclo diesel. A iniciativa se deu por meio de acordo de cooperação técnica entre CMTC/ MBB, Indústrias Químicas Taubaté e Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio. Os resultados técnicos e operacionais da época, principalmente de regulagem para funcionamento do motor com esse novo combustível, foram importantes para recente uso de combustíveis de origem vegetal na frota municipal.

Outra experiência deu-se no início da década de 1990, época em que foi promulgada a Lei 10.950, que dispunha sobre o uso de gás natural como combustível dos ônibus urbanos e estabelecia o prazo de dez anos para conversão de toda a frota municipal. Não havia, contudo, previsão de cadência, pois entendeu o legislador que, à época, ainda não existia tecnologia suficientemente desenvolvida para estabelecer cronograma de conversão. Assim, a mudança poderia ocorrer integralmente no último ano do prazo estabelecido. Apontados os problemas pelo corpo técnico da CMTC, como provocação aos engenheiros – e parodiando John F. Kennedy e seu desafio aos cientistas americanos para que mandassem o homem à Lua –, a diretoria da empresa afirmava que o poder público criara um fato e cabia aos profissionais operacionalizá-lo.

Para levar adiante o projeto, celebrou-se então um convênio de cooperação técnica entre CMTC, Daimler Chrysler (MBB), BR Distribuidora e Comgás para o desenvolvimento do uso do gás natural como combustível. Em uma primeira etapa do programa, o gás era utilizado em motores ciclo diesel, adaptados com kit de conversão para possibilitar a queima. Mais à frente, com a decisão da Daimler Chrysler mundial em transferir a área de engenharia e projetos de motores para as instalações em São Bernardo do Campo, foram feitos investimentos técnicos e financeiros para o desenvolvimento do motor ciclo Otto para queima do gás metano sem necessidade de kit de adaptação/conversão. No início do projeto, o gás de origem geológica era transportado por carretas feixes para abastecer a frota piloto.

Como se vê, dos pontos de vista técnico, econômico e financeiro, durante o curso de todo o desenvolvimento, a empresa estatal CMTC sempre esteve à frente do projeto, investindo em recursos humanos e financeiros, objetivando a busca de resultados técnicos operacionais para atender aos requisitos do projeto. Por minha participação ativa nesses desenvolvimentos, formei opinião de que todo e qualquer desenvolvimento tecnológico que vise ao bem-estar da população, inclusive a formação de mão de obra especializada para sustentação do projeto, é de responsabilidade exclusiva do Estado. Tal se dá como requisito para dar garantia de viabilidade técnica e segurança jurídica ao mercado, como vimos no desenvolvimento do programa do uso do gás metano do esgoto como combustível que iniciou com a CMTC MBB e Sabesp e seguiu com CMTC, Comgás e BR Distribuidora.

Tudo isso só foi possível pela liderança da CMTC, que alocou seu competente quadro de engenharia ao projeto e, como investimento, adquiriu frotas experimentais para levar a bom termo o programa, cabendo aos outros parceiros, no caso do projeto gás natural, à Comgás e à BR Distribuidora, assumirem a logística do transporte do combustível para São Paulo.
Concluída a fase experimental do programa, depois de ajustes técnicos necessários principalmente na regulagem dos motores e na composição do gás natural, a CMTC adquiriu uma frota maior, alocando-a em uma garagem específica, Garagem Araguaia, tendo como objetivo a facilitação do controle técnico, a segurança operacional e o treinamento e formação e especialização de pessoal da manutenção e operação. Nessa fase, coube à Comgás e à BR Distribuidora a responsabilidade de instalação e operação de um posto de abastecimento de gás natural exclusivo para atender à frota do programa. Assim, deu-se continuidade ao acompanhamento da frota de teste. Nessa etapa, a experiência ainda continuava com relação à tecnologia dos motores, sua confiabilidade, tempos de abastecimento, qualidade do gás e emissão de poluentes, principalmente dos óxidos de nitrogênio (NOx), que ainda era muito elevada. Eram necessários ajustes com regulagens, principalmente na relação estequiométrica, que seguiam os parâmetros de leitura de equipamento instalado na saída do escapamento dos veículos.

Estavam também em análise os resultados da segurança operacional e outros ajustes técnicos ainda pendentes de revisão de projeto, quando em 1993, as atividades operacionais da CMTC foram privatizadas. Diante desse fato, para continuidade do projeto e para cumprimento do disposto na lei, coube unicamente à sucessora da CMTC, a SPTrans, para não sofrer penalizações, emitir ordens de serviço para aquisição de veículos movidos a gás natural pelas empresas privadas operadoras do sistema de transporte da cidade: Viação Santa Madalena e a Gatusa.


Quando a CMTC estava à frente do programa, a todo problema verificado, principalmente quebra e falta de confiabilidade da frota, havia uma solução, pois a companhia tinha reserva técnica de veículos, o que não valia para as empresas privadas, já que a remuneração da reserva operacional contemplava apenas 8%.


Em dezembro de 2001, foi publicada a Lei 13.242, decorrente do Projeto Lei 539/2001, proposto pelo Executivo municipal, que dispunha sobre a organização dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros na cidade de São Paulo, revogando a Lei 10.950. Essa engenharia política interrompeu a conclusão do desenvolvimento do uso do gás natural pretendido.


Mais recentemente, a Lei 16.802 deu nova redação ao artigo 50 da Lei 14.033/09, estabelecendo prazos e reduções dos níveis de poluentes e proibindo combustíveis de origem fóssil. Com isso, demonizou-se definitivamente o gás natural de origem geológica como combustível de tração.


Essas alternâncias erráticas de objetivos, remete-me a uma reflexão. No passado, quando o sistema de transporte era tracionado por animais, havia uma preocupação importante das autoridades com o volume de dejetos e o gás metano gerado pela fermentação desses. Para buscar solução ao problema, foi constituída uma comissão de estudos composta por notáveis cientistas e engenheiros. A partir disso, criou-se o motor de combustão. Essa revolução tecnológica resolveu o problema conhecido, mas gerou um não vislumbrado até então, que são as emissões de poluentes. Atualmente, prestigiamos a energia de tração elétrica, o diesel vegetal HVO e outros. Haverá, nessas alternativas, riscos à saúde humana e ao ambiente ainda não identificados? Veremos.

De qualquer forma, o que a experiência demonstra é que, para que programas que visem o bem-estar da população e a melhoria do ambiente com a redução dos níveis de poluentes na cidade de São Paulo não sofram solução de continuidade, deve ser responsabilidade do Estado a aquisição de frota experimental. Para operar, fazer manutenção e cumprir outros requisitos de interesse do poder público, contrata-se uma empresa privada por meio da devida licitação. Tudo isso com acompanhamento das equipes de engenharia da SPTrans e das empresas parceiras no programa.


edilson reis foto boneco
* é engenheiro mecânico, diretor- secretário do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP) e membro do Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade da entidade. É também especialista em gestão de projetos, sistemas de qualidade, desenvolvimento de novas tecnologias veiculares e manutenção industrial.





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Comentários  
# Muito mais do que um complementoFrancisco Christovam 27-11-2019 11:49
As informações que o Engº Edilson acrescenta ao artigo que escrevi diz respeito a outras experiências que, infelizmente, não tiveram continuidade e caíram no esquecimento, até dos técnicos. Se é verdade que a análise das frustrações passadas podem evitar aborrecimentos futuros, as citações que fizemos - eu e o Edilson - podem servir de referência para se evitar novos insucessos e novos fracassos. Quem viver, verá!!
De qualquer forma, ambos os artigos deixam um alerta e uma forte recomendação para a necessidade do envolvimento do Poder Público, com seriedade, competência e responsabilidad e, em mais uma tentativa de substituir o poluente óleo diesel por outros combustíveis menos agressivos ao meio ambiente e menos prejudicial à saúde pública.
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