Soraya Misleh / Comunicação SEESP
No Brasil há cerca de 6 mil hospitais e 300 mil estabelecimentos assistenciais de saúde de menor complexidade. A maioria não conta com equipe adequada de profissionais da área para assegurar o correto funcionamento de todos os equipamentos necessários para salvar vidas, entre eles o engenheiro clínico. Quem afirma é Lúcio Flávio Magalhães Brito, especialista nesse segmento. Uma de suas recomendações a quem já atua ou pretende seguir por esse caminho é conhecer seus direitos. Ao que a aproximação com o sindicato da categoria – o SEESP – é fundamental, fortalecendo sua representação em prol da valorização profissional.
Magalhães Brito é CCE (Certified Clinical Engineering) – ou seja, detentor de certificação internacional pela Associação para o Avanço da Instrumentação Médica e pelo Colégio Americano de Engenheiros Clínicos, o qual integra. Como relata, seu primeiro contato com essa área se deu em 1989, quando ouviu o termo Clinical Engineering [Engenharia Clínica]. Despertado o interesse, foi estudar. “Sou da primeira turma que foi treinada nos Estados Unidos em 1991, num programa da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Éramos seis, hoje somos milhares.”
Lúcio Flávio: mais e melhores engenheiros clínicos. (Foto: Beatriz Arruda)
Ele estima que no Brasil haja entre 2 mil e 2.500 desses profissionais. Em seu canal Escola de Engenharia Clínica, ele esclarece dúvidas e dá orientações sobre a profissão, oferecida como especialização após graduação em Engenharia Biomédica ou outra. “Eu, por exemplo, sou engenheiro mecânico. Tem vários equipamentos médicos, como aparelho de ventilação pulmonar, bombas de infusão de medicamentos, toda a parte de tomografia, ressonância que têm uma mecânica muito forte. Então o que me prepara para atuar nessa área é a engenharia mecânica mais os estudos que fiz no segmento de equipamentos médicos”, aponta ele, que é também engenheiro de segurança do trabalho. E sugere: “O engenheiro civil que fez a fundação do hospital não pode projetar um parafuso para o osso?”
Atuação e mercado
O engenheiro clínico, como explica Magalhães Brito, é aquele que atua “na beira do leito” – ou seja, diante do avanço tecnológico, tornou-se necessário ter um profissional especializado que cuide não apenas da infraestrutura da edificação, mas garanta o correto e adequado funcionamento dos equipamentos médicos enquanto o paciente é tratado num hospital ou outro estabelecimento de saúde. Esse especialista pode atuar tanto como contratado desses locais, como prestando serviços para o fornecedor, na indústria, no comércio. Ou pode ministrar cursos e aulas na universidade, como é também seu caso. “É uma necessidade mercadológica. Todo hospital bom tem uma engenharia boa e forte”, enfatiza.
De acordo com ele, o Brasil enfrenta uma situação bastante desigual. Há ilhas de excelência, seja entre estabelecimentos privados, como o Sírio-Libanês e o Albert Einstein, seja entre públicos, como Hospital das Clínicas e Hospital São Paulo, mas há também aqueles em condições precárias, dada a falta de equipe qualificada. “São Paulo está bem à frente. As maiores indústrias estão aqui, de equipamentos médicos inclusive.” Ademais, Magalhães Brito informa que a especialização é oferecida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP).
Em âmbito nacional, ele afirma que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) abriu recentemente concurso público para contratação de engenheiro clínico. Esta cuida da gestão de 32 dos 52 hospitais universitários existentes. O especialista defende, como modelo ideal, que haja em cada hospital uma diretoria de engenharia que abarque profissionais das diversas modalidades. Sob esse guarda-chuva, detalha, deve haver um serviço de engenharia clínica, hospitalar e de obras, com equipes desses profissionais, além de técnicos e tecnólogos. “Estamos crescendo, temos a Associação Brasileira de Engenharia Clínica, a mineira e a fluminense de engenharia clínica e hospitalar. Mas é preciso muito mais profissionais, de gente com garra, com vontade de entender o problema, suas deficiências e ir à luta, produzir as transformações, realizar as contribuições.”
Ele acrescenta: “São 6 mil hospitais no Brasil. Vamos pegar um médio, de 200 leitos. Na equipe mínima teria que ter um especialista formado em civil, um eletricista, um mecânico, um biomédico. Seriam 24 mil profissionais necessários.” Segundo Magalhães Brito, o Crea anunciou a meta de fiscalizar 100% dos hospitais em 2020, o que ele vê com bons olhos, pois exigiria ter responsáveis técnicos nas distintas modalidades em cada estabelecimento no País.
Papel social
Na sua ótica, o engenheiro clínico tem um papel social e pode salvar vidas. “O interesse dele é o resultado em saúde que o equipamento vai trazer. Vamos pegar um aparelho de suporte à vida, o ventilador pulmonar mecânico. O aparelho passa a garantir a quantidade de oxigênio, às vezes medicamento, frequência, volume. Tem hospital que chega a ter centenas de ventiladores, dependendo do porte. O engenheiro clínico cuida desse equipamento e o engenheiro hospitalar, do compressor de ar medicinal. Os dois atuam juntos. Se o compressor falha e a reserva de gases não está bem projetada, você derruba todos os aparelhos de ventilação.”
Ele dá outro exemplo: no transplante de medula óssea, para não haver rejeição, o sistema imunológico é deprimido. “Na sala, qualquer um pode contaminar o paciente e este, desenvolver processo infeccioso. A qualidade do ar dessa sala tem que ser totalmente diferente.” E cabe ao engenheiro conhecer o equipamento que assegurará esse resultado. Magalhães Brito observa, contudo, que não há norma nacional relativa à saúde para tanto. Sua referência é o Centro de Controle de Doenças (CDC) nos Estados Unidos. “Adoto conduta que se usa lá, ou na Inglaterra, ou na Alemanha”, diz ele, que atua como engenheiro clínico desde a obra. “Quando chega, por exemplo, uma ressonância nuclear magnética, vem em dezenas de caixas. Então esse trabalho vai desde qual abrir primeiro, onde guardar isso, até garantir que a infraestrutura esteja preparada para receber o equipamento.”
Direitos e demandas
Além da qualificação para tanto, Magalhães Brito defende que os engenheiros conheçam suas próprias demandas: “Tem riscos de contaminação comuns ao paciente e ao trabalhador. Seria importante ter adicional de insalubridade e periculosidade. A primeira coisa é condição de trabalho, ferramental correto, conhecimento, treinamento, segurança. São questões fundamentais.” Para assegurar conquistas e valorização profissional, ele propugna que conheçam o SEESP, seu representante legítimo.
“O pessoal precisa entender que tem direitos, não pode ser contratado como analista, tem que receber remuneração adequada, tem piso [equivalente a nove salários mínimos vigentes no País para jornada diária de oito horas, conforme a Lei 4.950-A/66]. Sem contar o próprio engenheiro de segurança do trabalho, porque todo hospital com mais de 500 funcionários demanda um pelo tempo parcial mínimo diário de três horas. E o sindicato que cuida de seus interesses.”
Também à qualificação e orientação profissional, Magalhães Brito lembra que o engenheiro clínico pode contar com o sindicato, que conta com áreas como Oportunidades na Engenharia, Núcleo Jovem Engenheiro e SEESP Educação (saiba mais neste site). Ele considera ainda importante o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com a adesão do SEESP, que em sua última versão propugna pela instituição de Secretarias de Engenharia de Manutenção com equipes e dotação orçamentária próprias em âmbitos nacional, estadual e municipal. “Tem que ter engenharia no organograma [de um hospital]. Minha luta é essa.”