Carlos Magno Corrêa Dias*
Para lembrar, valorizar e celebrar os idosos foi estabelecido pela Lei número 11.433, de 28 de dezembro de 2006, o Dia Nacional do Idoso, a ser celebrado no dia primeiro de outubro de cada ano. Também em primeiro de outubro é festejado o Dia Internacional das Pessoas Idosas, data esta instituída oficialmente pela ONU (Organização das Nações Unidas) para lembrar sobre a importância de se investir na qualidade do envelhecimento das pessoas e para a constante promoção de oportunidades para que os idosos possam continuar contribuindo com a sociedade.
Cabe salientar que em primeiro de outubro de 2003 foi instituída no Brasil a Lei número 10.741 a qual dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências; sendo o Estatuto do Idoso um Marco Legal sancionado para regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos no Brasil.
O Estatuto do Idoso representa, efetivamente, um grande avanço em favor da população idosa que, em muitas das vezes, continua sendo vítima de maus-tratos, violências das mais diversas, sendo, em grande parte, também, esquecida ou abandonada.
O Estatuto do Idoso estabeleceu os direitos dos idosos, como a prioridade em alguns serviços e a garantia de acesso à saúde, alimentação, educação, cultura, lazer e trabalho; enfim, trouxe avanços significativos registrados na legislação para garantir direitos dos idosos e instituir deveres das famílias e dos governos para com as pessoas idosas. Dada a importância do Estatuto do Idoso para os idosos é que se definiu a data de primeiro de outubro para celebrar no Brasil o Dia Nacional do Idoso, dia no qual o estatuto foi instituído.
Mas, há de se observar que no Brasil, por motivos dos mais variados, até 2006 o Dia do Idoso era comemorado, geralmente, em 27 de setembro devido a ser o dia de falecimento de São Vicente de Paulo (nascido Vincent Depaul, 1581-1660) o qual é considerado o Padroeiro das Obras de Caridade. Todavia, outros dizem que o dia 27 de setembro era utilizado como homenagem à implantação do primeiro asilo em Recife (Pernambuco) no final do ano de 1889.
A despeito da oficialização da ONU para celebrar o Dia Internacional das Pessoas Idosas em primeiro de outubro ainda muitos países adotam o dia 27 de setembro para festejar o Dia do Idoso. Até existem países que comemoram o Dia dos Idosos em outras datas como é o caso do Japão, país com maior longevidade do mundo, que adotou a terceira segunda-feira de setembro como o Dia de Respeito aos Idosos o qual é chamado de “Keirou no hi”. A data é um feriado nacional e tem o objetivo de lembrar aos mais jovens a importância de respeitar e cuidar dos mais velhos.
No Brasil, então, no dia primeiro de outubro celebra-se tanto o Dia Nacional do Idoso quanto o Dia Internacional das Pessoas Idosas. O Dia Internacional do Idoso mais que uma data para comemorações é um momento específico para chamar a atenção sobre as tantas questões abertas e outras delicadas sobre o envelhecimento e a necessidade de proteção da população mais idosa no mundo.
É de se observar, todavia, que como a maioria dos municípios do Brasil já haviam adotado oficialmente o dia 27 de setembro como o Dia Municipal do Idoso, transformando-se em uma tradição importante, não se mostraram favoráveis à mudança para o dia primeiro de outubro a despeito da Lei Federal. Para resolver o impasse decidiu-se, então, a partir de 2006, instituir a Semana do Idoso para as correspondentes comemorações tendo seu início em 27 de setembro e término em primeiro de outubro.
Notadamente sempre existiram idosos no mundo, mas as preocupações com os idosos tomaram maior força somente a partir da Primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento realizada pela ONU, em Viena, em 1982, a partir da qual se iniciaram série de discussões mundiais sobre a necessidade de se estabelecer diretrizes e princípios para enfrentar os múltiplos desafios do envelhecimento populacional mundial que ano após ano começou a aumentar significativamente.
Mesmo assim, somente em 2002, vinte anos depois, em Madri, é que foi realizada uma Segunda Assembleia Mundial da ONU sobre o Envelhecimento e na qual foi estabelecido o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento de Madri (Paiem). Naquele importante evento se reconhece oficialmente o progressivo (e preocupante) aumento do envelhecimento das populações em todo o mundo e se constatou a real necessidade urgente de promoção e desenvolvimento, por parte dos governos em todo mundo, de estudos, estratégias e programas efetivos para atender as crescentes populações com mais de 60 anos.
Registre-se que o Paiem além de chamar a atenção para os necessários cuidados com os idosos constituiu importante documento para se pensar mudanças de atitudes, políticas e práticas em todos os níveis para possibilitar a integração dos idosos em setores dos mais diversos das sociedades. No parágrafo 19 do Paiem está afirmado: “Uma sociedade para todas as idades possui metas para dar aos idosos a oportunidade de continuar contribuindo com a sociedade. Para trabalhar neste sentido é necessário remover tudo que representa exclusão e discriminação contra eles”.
Mas, conquanto possa parecer absurdo, a despeito das legislações que visam a proteção e integração dos idosos, ainda são registrados inúmeros casos de abusos, abandonos e privação de direitos dos idosos em todo mundo, principalmente em países mais pobres e com menos escolaridade.
Mas, em geral, desculpas das mais variadas são sempre encontradas para não se tratar os idosos com as necessárias distinções e cuidados. Na verdade, parece que não se tem ainda interesse em conhecer as legislações sobre os idosos. Também é de se pontuar que embora em muitos lugares já se tenham implementado políticas públicas efetivas dirigidas para atendimento dos direitos dos idosos, grande parte das pessoas ignoram as mesmas não tanto por ignorância mais sim por conveniência. Mesmo que o mundo caminhe para um contingente enorme de pessoas idosas o envelhecimento é tratado como algo distante, como se não existisse, sem importância para a maioria.
Recentemente o Papa Francisco fez um desabafo (efetivamente, uma denúncia) surpreendente: existe uma “... eutanásia oculta à qual são submetidos [os idosos] ... [os quais são] vítimas da cultura do descarte, pois existe um costume deixá-los morrer, não proporcionando os remédios, tornando tristes as suas vidas até que estas se acabem ... A solidão é o veneno mais forte para os idosos. ... O afeto é a melhor medicina para nós, os idosos”.
Conquanto grave a observação do Papa Francisco, ela se mostra efetiva em inúmeros lugares do planeta independentemente das condições sociais e econômicas.
O abandono do idoso, a violência contra o idoso, o abuso contra o idoso, é mais comum do que se pode imaginar e, geralmente, acontece no âmbito doméstico ou familiar sendo quase sempre velado, escondido, pelos próprios familiares.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica o abuso contra o idoso como "um ato único ou repetido, ou falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento onde exista uma expectativa de confiança, que cause dano ou sofrimento a uma pessoa idosa". E é exatamente nesta “expectativa de confiança" que reside a maior crueldade nos atos de violência contra os idosos, pois as pessoas idosas se tornam vítimas fáceis, escravas das circunstâncias, não tendo a quem recorrer para ajudá-las.
No sentido aqui referenciado não está se cogitando assalto, roubo, ou outras formas externas de violência. Está se restringindo aos próprios familiares ou conhecidos do idoso tipo cônjuge, filhos, netos, cuidador, amigo, dentre outras pessoas próximas dos quais o idoso é totalmente dependente ou por condições de saúde ou pela falta de condições de viver sozinho.
No conjunto dos abusos cometidos contra os idosos listam-se diversas formas de violência que variam destes as físicas até as psicológicas, como maus-tratos (surras, ferimentos, torturas), cárcere privado, clausura em ambientes inapropriados, apropriação financeira de proventos (exploração financeira como forma de controlar as ações), insultos, coação, humilhação, criticas, ridicularização, privação de medicamentos necessários à saúde, limitação da quantidade de alimentação, abandonos intencionais, falta de qualquer tipo de afetividade, tratamento com indiferença e desprezo, privação de atendimento médico, falta de cuidados básicos de higiene (manter o idoso sujo com os próprios detritos fisiológicos), até abusos sexuais.
Verdadeiros absurdos são praticados contra os idosos e, em muitas das vezes, sequer percebidos ou denunciados. Estranhamente uma espécie de conivência monstruosa é praticada. Como disse o Papa Francisco uma “eutanásia oculta” mantém os idosos “vítimas da cultura do descarte”. A violência contra os idosos é apenas criminosa. Mas, a despeito das legislações que pretendem a proteção dos idosos os crimes contra os idosos continuam sendo praticados.
"Todo cidadão tem o dever de denunciar à autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso", conforme está estabelecido na Lei número 8.842/1994, de 4 de janeiro de 1994, que criou o Conselho Nacional do Idoso e que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso.
"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”, conforme está afirmado na Constituição do Brasil.
Por sua vez o Estatuto do Idoso é bem claro ao afirmar que "expor a integridade física ou psíquica do idoso a perigo resulta em pena de reclusão de dois meses a um ano e multa, com benefício da suspensão condicional. Se a violência relacionar-se a lesão corporal de natureza grave, então a pena será de reclusão de um a quatro anos, mas se resultar em morte, a reclusão será de quatro a doze anos sendo que, nesse caso, não há benefício da suspensão condicional do processo".
Existem, então, legislação própria para se fazer respeitar os idosos como existem, também, diversos canais para se efetivar denúncias sobre abusos contra os idosos.
O “Disque100”, considerado como “pronto socorro dos direitos humanos” é um destes meios que funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. A ligação é gratuita e pode ser realizada de todo o Brasil por meio de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel (celular), bastando discar 100. O serviço pode ser usado para denunciar violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, possibilitando o flagrante.
Outro serviço para denunciar violência contra os idosos é por meio do Aplicativo Proteja Brasil, que utiliza, também, a Central Disque 100. Trata-se de um aplicativo gratuito, no qual é possível fazer denúncias diretamente, localizar os órgãos de proteção nas principais capitais do país, bem como se informar sobre os diferentes tipos de violações.
O número de telefone 190 da Polícia Militar que está disponível de forma gratuita em todo o território nacional é, também, um excelente meio para denunciar abusos contra os idosos. Funciona ininterruptamente 24 horas por dia.
Mesmo existindo leis visando a proteção dos idosos e canais específicos para enunciar os abusos contra os idosos os índices de violência contra os idosos não param de crescer. O que é inacreditável, entretanto, em uma época na qual a longevidade aumenta em todos os países do globo dia após dia; é que existe grande possibilidade daqueles que praticam os abusos hoje contra os idosos virem a ser os idosos de amanhã que poderão sofrer semelhantes agressões. Assim, denunciar os abusos contra os idosos é mais que simplesmente fazer cumprir a legislação é uma questão de garantir o próprio melhor futuro.
Conforme estimativas da ONU por volta de 2025 a população no mundo, pela primeira vez na história, deverá ser constituída de mais idosos que crianças. Existirão mais avós que netos. Assim, em breve, muitos poderão sofrer os abusos que atualmente vários idosos estão sendo vítimas. É necessário, então, educar as pessoas e conscientizá-las sobre a gravidade da situação.
Devido ao desenvolvimento e ao progresso o processo demográfico de envelhecimento, único na história da humanidade e irreversível, sinaliza que a proporção de pessoas com mais de 60 anos no mundo deverá duplicar em torno do ano de 2050, podendo chegar ao triplo da população atual.
Avaliações oficiais apontam que, por exemplo, a população de pessoas com mais de 60 anos no Brasil se aproxima hoje de 30,3 milhões, cerca de 14,5% da população total do país. O mais preocupante é que o Brasil deixa de ser um país de jovens para ser uma nação de idosos não possuindo, entretanto, estrutura adequada para atender esta nova e grande população de idosos que só faz crescer.
Em consequência de uma população mais envelhecida amplia-se o número de pessoas com mais de 60 anos ainda em franca atividade profissional, existem mais indivíduos idosos estudando, aumenta-se o número de aposentados sensivelmente, vários serviços para os idosos necessitam ser ampliados e outros muitos deverão ser criados, um mercado específico para atender as necessidades dos idosos deverá ser inventado ou inovado; enfim, o grande e constante aumento do número de idosos exige a construção de um mundo que deverá atender a contento os idosos em suas várias necessidades e aspirações. A sociedade não pode, então, ficar velha para entender que deve dar atenção especial ao seu próprio envelhecimento.
O mundo necessita, vez por todas, compreender claramente que não dar hoje atenção devida ao envelhecimento é comprometer desde já sua própria existência. É mais que necessário ampliar hoje as reflexões sobre os posicionamentos e comportamentos frente à velhice para não se ter, muito em breve, um caos de difícil solução no futuro próximo.
Um dos maiores erros das sociedades atuais para com os idosos é negligenciar as capacidades que possuem para continuar a contribuir com o desenvolvimento e o progresso de suas nações. Deve-se, porém, pensar sim em adequações para que os idosos possam permanecer inseridos no meio produtivo muito embora condições adversas possam com maior incidência acometer os trabalhadores idosos em função de problemas de saúde. Não se deve esquecer jamais, porém, que envelhece não significa adoecer (ainda mais nos tempos atuais).
Todavia, é claro, dado o natural declínio funcional e manifestações clínicas diversificadas que apresentam os idosos cabe às sociedades prepararem adequadamente os ambientes de trabalho para que os idosos possam desenvolver suas funções independentemente de suas comorbidades. Ressaltando que tais adaptações são obrigações das mais novas gerações para poder continuar a receber conhecimento daqueles que as precederam e que afirme-se, sem medo de errar, não estariam desfrutando hoje de tudo aquilo que os mais velhos já construíram.
É necessário que as sociedades, em um mundo onde o número de idosos aumenta rapidamente, entendam que muito deverá ser transformado para se manter os idosos ativos em todas as fases da vida. Não existe mais esta de que idoso tem que ir para asilo ou ser mantido trancado em casa. É um direito do idoso continuar a participar do mundo, sendo seu dever ajudar a estabelecer os rumos que o mundo segue dado, principalmente, a sua experiência.
Não se deve, também, tratar o idoso como um coitadinho. Os idosos são pessoas com deveres e direitos. Assim, devem ser tratados com dignidade e de forma que sempre tenham garantidos uma boa saúde física e mental e a plena integração nas sociedades. Entretanto, muitas evidências mostram que envelhecer com segurança e dignidade no mundo atual não é, em absoluto, algo trivial ou usual. Se faz necessário urgente uma mudança de comportamento para atender e incluir adequadamente os idosos no mundo circulante.
O futuro da humanidade está seriamente comprometido se o tratamento dos idosos se mantiver como está atualmente. É necessária a reavaliação de todos sobre as atitudes que estão sendo tomadas com relação aos idosos. É fundamental para uma sociedade cidadã e evoluída saber proteger e incluir seus membros mais velhos reconhecendo a importância deles para a continuidade da vida.
Que em um futuro bem próximo no Dia Internacional do Idoso todos os idosos do mundo possam festejar com júbilo sua data comemorativa.
* é professor, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).